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A ADAPTAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NA PERSPECTIVA DE UMA ESCOLA MAIS INCLUSIVA

por Priscila Luiza Montenegro Moreira
Teenage girl in blue hood reads in library, headphones and apple by her side.

 A ADAPTAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NA PERSPECTIVA DE UMA ESCOLA MAIS INCLUSIVA

THE ADAPTATION OF THE POLITICAL-PEDAGOGICAL PROJECT FROM THE PERSPECTIVE OF A MORE INCLUSIVE SCHOOL

 

Priscila Luiza Montenegro Moreira[1]

Cecília Mitsue Harada Tsutsui[2]

 

RESUMO

 

 

O presente artigo analisa criticamente a adaptação do Projeto Político-Pedagógico (PPP) na perspectiva da inclusão escolar, com foco na escola básica brasileira. O estudo parte da compreensão de que o PPP é um documento estruturante, que pode se constituir como eixo articulador entre legislação, práticas pedagógicas e cultura institucional, desde que não se restrinja a uma dimensão burocrática, mas assuma caráter participativo, democrático e transformador. A abordagem metodológica adotada é qualitativa, de natureza descritiva e bibliográfica, fundamentada na leitura de artigos, livros e documentos oficiais que discutem o PPP e a educação inclusiva. A análise evidencia que, apesar de o PPP frequentemente registrar a inclusão como princípio, há fragilidades em sua operacionalização, sobretudo no que se refere à clareza de metas, à participação efetiva da comunidade escolar e à institucionalização da corresponsabilidade. A literatura revisada também aponta para desafios relacionados à formação docente, à fragmentação de responsabilidades e à distância entre discurso e prática. Por outro lado, foram identificadas experiências positivas, como a utilização do Index para a Inclusão e práticas colaborativas que articulam professores da sala comum e do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Ao final, são apresentadas proposições concretas para a adaptação do PPP como instrumento vivo de inclusão: definição de metas claras, mensuráveis e com prazos; ampliação da corresponsabilidade de todos os atores escolares; fortalecimento da formação continuada; estímulo à interdisciplinaridade; e adoção de mecanismos de autoavaliação institucional. Conclui-se que o PPP, quando ressignificado como processo coletivo, pode se tornar elemento estratégico para consolidar uma escola inclusiva, democrática e comprometida com a equidade social.

Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico; Escola Inclusiva; Educação Especial; Equidade.

 

 

INTRODUÇÃO

A construção de uma escola inclusiva constitui um dos maiores desafios da educação contemporânea no Brasil. Embora existam legislações e políticas públicas como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015) e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) que garantem direitos formais de acesso e permanência escolar, persistem obstáculos práticos de ordem física, pedagógica, comunicacional, atitudinal e cultural (BRASIL, 2008; MANTOAN, 2003). Essas dificuldades demonstram que o direito legal não se traduz automaticamente em práticas inclusivas efetivas.

Entre os instrumentos de gestão e de orientação pedagógica, o Projeto Político-Pedagógico (PPP) se destaca como um elemento central para a efetivação da inclusão. Segundo Sousa e Ferreira (2024), em estudo realizado em uma escola de Ensino Fundamental em Açailândia (MA), o PPP pode refletir os princípios legais da inclusão, mas há lacunas em sua implementação, principalmente na coerência entre o documento formal e as práticas cotidianas. Assim, analisar como o PPP está adaptado ou em processo de adaptação para uma escola inclusiva permite diagnosticar o grau de comprometimento institucional com a equidade.

A educação inclusiva não se reduz à mera inserção física de estudantes com deficiência ou necessidades educacionais específicas em salas de aula regulares, exige mudanças estruturais, curriculares, metodológicas, culturais e organizacionais. Conforme Macedo, Agra e Pereira (2022), em uma revisão integrativa sobre Educação Infantil, o PPP deve contemplar não apenas a diversidade como valor, mas incluir práticas curriculares que considerem singularidades e especificidades dos estudantes, bem como mecanismos de participação da comunidade escolar em todas as etapas do processo. Esse reposicionamento conceitual difere profundamente das práticas integrativas, onde se espera que o aluno se adapte ao sistema, em vez do sistema adaptar-se às necessidades dos alunos.

Na realidade escolar brasileira, observa-se com frequência uma fragmentação da responsabilidade pela inclusão: profissionais especializados muitas vezes ficam incumbidos do acompanhamento de alunos com deficiência, enquanto professores de sala regular e gestores tendem a não assumir igualmente essa tarefa. Essa divisão reforça práticas superficiais que formam uma inclusão formal, mas não garantem aprendizagem, participação plena nem reconhecimento de direitos. Estudos como o de Zanata (2024) indicam que muitos PPPs analisados não descrevem estratégias ou recursos claros para Atendimento Educacional Especializado (AEE), o que representa descompasso com o que exige a legislação brasileira.

Dessa forma, a problemática deste artigo está na distância entre a formalidade discursiva e a materialização das práticas inclusivas no PPP. Pergunta-se: em que medida os PPPs existentes contemplam ações concretas que garantem acesso, permanência e sucesso escolar para todos? Quais são os principais entraves para que o PPP deixe de ser documento burocrático para tornar-se instrumento vivo de transformação social e educacional?

A relevância desta investigação manifesta-se em três dimensões. A primeira é ética e social: a educação inclusiva representa reconhecimento de direitos humanos, diversidade e justiça social, como enfatizado por Mantoan (2015) ao discutir a inclusão escolar como componente essencial de sociedades democráticas. A segunda é pedagógica: a adaptação de práticas, currículos e metodologias para atender diferentes formas de aprendizagem tem impacto não apenas para alunos com deficiência, mas para todos os estudantes, enriquecendo o processo educativo (MACEDO; AGRA; PEREIRA, 2022). A terceira é política: a escola inclusiva conecta-se com o projeto democrático de sociedade previsto na Constituição Federal de 1988, na LDBEN 9.394/96 e nas diretrizes do Plano Nacional de Educação Brasil (PNE) (BRASIL, 2014), os quais determinam o princípio da gestão democrática da escola, da participação social e da autonomia escolar como meios para efetivar o direito à educação.

Para que a adaptação do PPP seja efetiva, igual não basta que ele declare valores inclusivos, necessário é que apresente ações concretas, definição clara de responsabilidades, alocação de recursos, formação docente, mecanismos de acompanhamento e avaliação. Segundo Sousa e Ferreira (2024), a coerência do PPP com diretrizes inclusivas depende muito de como gestores, professores e comunidade participam efetivamente da elaboração e da execução, e não como atores secundários.

Além disso, a gestão escolar assume papel estratégico. A gestão democrática, conforme estudos como Cardozo, Ramos e Pereira (2024), exige descentralização das decisões, transparência e participação de todos os segmentos da comunidade escolar como professores de sala comum, professores de AEE, pais, alunos no processo decisório. Sem isso, o PPP corre o risco de permanecer apenas como documento formal, sem impacto real nas práticas pedagógicas e no cotidiano escolar.

Diante desse cenário, este artigo tem por objetivo analisar criticamente a adaptação do Projeto Político-Pedagógico na perspectiva de uma escola mais inclusiva, identificando como os documentos formais de PPP refletem ou não os princípios e práticas da legislação, os limites enfrentados no cotidiano escolar e as estratégias que podem favorecer uma adaptação mais substancial. Busca-se desvelar práticas já consolidadas, bem como lacunas, a fim de propor sugestões que possam fortalecer a equidade, participação democrática e reconhecimento da diversidade na escola.

A metodologia adotada é qualitativa, de natureza descritiva, baseada na revisão de literatura científica especializada, contemplando artigos, livros e documentos oficiais que analisam a adaptação do PPP e suas relações com a inclusão escolar. Essa abordagem permite identificar práticas e lacunas já documentadas por pesquisas anteriores, fornecendo subsídios teóricos e críticos para a presente discussão.

Dessa maneira, a introdução estabelece os contornos teóricos e políticos que sustentam a análise aqui proposta. A inclusão escolar, entendida como princípio ético, pedagógico e democrático, só se concretiza quando o PPP deixa de ser um documento burocrático e passa a constituir um projeto coletivo, vivo e transformador. Nas etapas seguintes, aprofundaremos essa discussão, iniciando pelo exame do PPP como instrumento de inclusão e democracia escolar, destacando sua função normativa e o papel da gestão na efetivação de práticas inclusivas.

 

CAPÍTULO 1 – O Projeto Político-Pedagógico, a Inclusão e a Democracia Escolar

O Projeto Político-Pedagógico (PPP) é reconhecido como documento orientador da escola, articulando dimensões pedagógicas, administrativas e políticas. Mais do que um registro burocrático, ele deve ser entendido como processo coletivo que expressa a identidade da instituição, define metas e organiza práticas (GADOTTI, 2010; LIBÂNEO, 2012). Nesse sentido, o PPP constitui espaço privilegiado para inserir os princípios da educação inclusiva, assegurando que o direito de todos à aprendizagem seja efetivado.

Autores como Veiga (2009) e Gadotti (2004) destacam que o PPP deve ser construído de forma democrática, envolvendo professores, gestores, estudantes e famílias em um movimento de corresponsabilidade. Essa perspectiva é reforçada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) e pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), que asseguram a gestão democrática como princípio fundamental. Entretanto, pesquisas recentes apontam que muitas vezes a participação da comunidade é restrita e as decisões permanecem centralizadas, o que limita o caráter transformador do documento (SOUSA; FERREIRA, 2024).

A inclusão, por sua vez, só se concretiza quando o PPP deixa de ser apenas declaratório e passa a prever ações, recursos e responsabilidades institucionais. Mantoan (2003) e Sassaki (2006) ressaltam que a escola inclusiva exige reorganização estrutural, pedagógica e cultural, deslocando o foco das limitações individuais para a eliminação de barreiras contextuais. Nesse sentido, o PPP pode institucionalizar estratégias como a previsão de formação continuada, tempos de planejamento coletivo, definição de protocolos de avaliação inclusiva e fortalecimento dos conselhos escolares.

Estudos como os de Zanata (2024) e Lucena (2019) mostram que PPPs que incorporam práticas inclusivas contribuem para ampliar a participação da comunidade escolar e legitimar políticas de equidade. Além disso, o Index para a Inclusão, adaptado ao contexto brasileiro (MENINO-MENCIA, 2019), oferece um referencial importante para avaliar e transformar a escola em direção a práticas mais democráticas e inclusivas.

Assim, o PPP, quando concebido como instrumento vivo, não apenas organiza o trabalho pedagógico, mas também funciona como mediador de mudanças culturais. Ao integrar princípios da inclusão e da gestão democrática, torna-se eixo estratégico para consolidar práticas que garantam acesso, participação e aprendizagem a todos os estudantes.

A literatura também evidencia que a democratização do PPP está diretamente relacionada à participação efetiva da comunidade escolar em todas as suas fases. Para Libâneo (2012), a participação não deve ser apenas consultiva, mas deliberativa, garantindo voz ativa a professores, estudantes, famílias e demais profissionais. Quando isso não ocorre, o PPP tende a reproduzir desigualdades, funcionando mais como instrumento de legitimação do status quo do que de transformação. Nesse sentido, ampliar os canais de escuta e decisão é condição indispensável para que o documento se torne realmente inclusivo.

Outro aspecto a ser considerado é a dimensão histórica e social da construção do PPP. Segundo Gadotti (2010), o documento deve dialogar com o contexto local, reconhecendo as especificidades culturais, sociais e econômicas da comunidade. Essa perspectiva reforça que não há um modelo único de PPP, mas múltiplas possibilidades que devem ser construídas a partir da realidade vivida. Para as escolas inclusivas, isso significa incorporar práticas que respeitem as singularidades de cada estudante e promovam a valorização da diversidade como princípio pedagógico.

Também é fundamental compreender que o PPP não se reduz à dimensão pedagógica, mas envolve dimensões administrativas e de gestão. Imbernón (2011) observa que a organização institucional e os recursos humanos disponíveis influenciam diretamente na efetividade de qualquer projeto. Assim, a inclusão precisa estar prevista tanto no plano pedagógico quanto na gestão de recursos, espaços e serviços, garantindo que as condições materiais também favoreçam o acesso e a participação de todos.

Um ponto frequentemente destacado por Mantoan (2015) é que a escola inclusiva deve romper com práticas excludentes ainda presentes em avaliações, currículos e metodologias. Se o PPP não questionar tais práticas e não propor alternativas, corre o risco de reforçar exclusões já existentes. A previsão de formas diversificadas de avaliação, o reconhecimento de diferentes ritmos de aprendizagem e o estímulo a metodologias ativas são alguns dos elementos que podem ser incorporados ao documento como estratégias de inclusão.

Em síntese, cabe ressaltar que a força transformadora do PPP depende do compromisso coletivo de todos os sujeitos escolares. Sassaki (2006) defende que a inclusão não é tarefa de especialistas isolados, mas processo que exige envolvimento de toda a comunidade. Nesse sentido, o PPP atua como fio condutor que conecta legislações, referenciais teóricos e práticas cotidianas, articulando-os em torno de um projeto comum de democratização e equidade. Quando tratado dessa forma, deixa de ser um documento estático e passa a se consolidar como prática política e pedagógica de transformação.

 

CAPÍTULO 2 – INTERDISCIPLINARIDADE, CORRESPONSABILIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE

A construção de uma escola inclusiva exige que o Projeto Político-Pedagógico (PPP) ultrapasse a fragmentação de responsabilidades. Historicamente, a inclusão foi associada quase exclusivamente ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), criando a percepção de que apenas professores especializados seriam responsáveis pelos estudantes público-alvo da educação especial. Essa fragmentação compromete a efetividade da inclusão, pois desobriga os demais docentes e gestores de compartilharem a tarefa de promover acessibilidade pedagógica e social (SILVA, 2014; SOUSA; FERREIRA, 2024).

O PPP pode contribuir para superar esse cenário ao estabelecer a corresponsabilidade como princípio. Libâneo (2012) defende que a gestão democrática pressupõe que todos os profissionais participem do planejamento e da execução das ações educativas, evitando delegações exclusivas. Pletsch (2009) complementa que a inclusão requer reorganização das práticas pedagógicas, sustentada por planejamento coletivo, no qual os professores da sala regular e os do AEE atuem em colaboração.

Traduzir a interdisciplinaridade em práticas concretas implica planejar percursos didáticos que combinem várias formas de representação, expressão e engajamento dos estudantes, em consonância com o Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA). Em termos práticos, o DUA orienta o professorado a diversificar meios (textos, dados, imagens, objetos manipuláveis, recursos digitais), processos (projetos, oficinas, investigações) e produtos (relatos orais, mapas conceituais, painéis, podcasts) para ampliar o acesso e a participação de todos, sem reduzir expectativas de aprendizagem. Nesse sentido, Zerbato e Mendes (2021) destacam que o DUA oferece mediações pedagógicas que removem barreiras à aprendizagem e possibilitam práticas mais equitativas, enquanto Anbinder, Bendinelli e Carneiro (2025) demonstram como sua articulação com a BNCC potencializa a inclusão curricular no cotidiano escolar.

Segundo Mantoan (2003), tornar a escola inclusiva não é “acrescentar” dispositivos para alguns, mas reconfigurar a pedagogia para todos, o que supõe flexibilização curricular e reorganização do tempo e do espaço, sem abandonar a intencionalidade formativa. Nesse quadro, projetos interdisciplinares, por exemplo, estatísticas sobre acessibilidade na comunidade (Matemática e Geografia), análise crítica de discursos midiáticos sobre deficiência (Língua Portuguesa e Sociologia) e arte e corpo (Artes e Educação Física, com adaptações), favorecem aprendizagens significativas, produção colaborativa e avaliação formativa, com rubricas que contemplam múltiplas formas de participação.

O PPP pode institucionalizar tais estratégias ao prever: a) tempos de planejamento coletivo por área e por projetos; b) repertórios de práticas DUA (guias e exemplos) inseridos como anexos do PPP; c) protocolos de avaliação formativa e autoavaliação discente; d) curadoria de tecnologias de apoio, com orientação à acessibilidade digital. Materiais de referência em português já sistematizam princípios e exemplos de DUA na Educação Básica, facilitando a transposição didática dessas diretrizes para o cotidiano escolar como no estudo de Zerbato e Mendes (2021), que examina como o DUA proporciona mediações acessíveis para aprendizagem sem barreiras, ou no trabalho de Anbinder, Bendinelli e Carneiro (2025), que analisa a articulação entre DUA e a BNCC na promoção da inclusão.

A formação docente constitui dimensão estratégica nesse processo. Pesquisas apontam que grande parte dos professores não se sente preparada para lidar com a diversidade, seja por lacunas na formação inicial, seja pela ausência de programas consistentes de formação continuada (IMBERNÓN, 2011; PIMENTA; ANASTASIOU, 2014). Mantoan (2015) defende que a inclusão não é apenas questão metodológica, mas envolve mudança de postura e compreensão sobre o papel da escola. Nesse sentido, o PPP pode prever programas permanentes de formação, com foco na acessibilidade pedagógica, nas tecnologias assistivas e em metodologias ativas.

Além disso, experiências de autoavaliação institucional, como as propostas pelo Index para a Inclusão (MENINO-MENCIA, 2019), mostram que o envolvimento de professores, gestores, estudantes e famílias no processo avaliativo fortalece o compromisso coletivo. Esse movimento aproxima a gestão escolar de princípios democráticos e amplia a capacidade da escola de se reorganizar continuamente em direção à equidade.

A interdisciplinaridade, nesse contexto, não pode ser confundida com ações pontuais ou superficiais. Como observa Fazenda (2011), a interdisciplinaridade exige uma postura investigativa, capaz de articular diferentes saberes em torno de problemas reais. Quando aplicada à educação inclusiva, essa perspectiva possibilita integrar áreas como língua portuguesa, matemática, artes e ciências na construção de experiências de aprendizagem mais acessíveis e contextualizadas, rompendo com a lógica fragmentada que tende a excluir estudantes com diferentes estilos de aprendizagem.

Outro desafio recorrente refere-se à valorização do trabalho colaborativo entre os docentes. Imbernón (2011) lembra que o isolamento pedagógico é um dos grandes entraves para a inovação e a inclusão. Nesse sentido, o PPP deve instituir espaços de diálogo permanente entre professores, garantindo tempos específicos para planejamento coletivo e trocas de experiências. Esses momentos contribuem para o fortalecimento do vínculo entre teoria e prática, permitindo que estratégias inclusivas sejam compartilhadas e adaptadas às diferentes realidades de sala de aula.

Também é fundamental reconhecer que a corresponsabilidade não se restringe ao corpo docente, mas envolve toda a equipe escolar. Gestores, coordenadores pedagógicos, profissionais de apoio e até funcionários administrativos desempenham papel importante na construção de uma cultura inclusiva (LIBÂNEO, 2012). Assim, a definição clara de funções e responsabilidades no PPP contribui para que a inclusão não seja tarefa delegada a poucos, mas compromisso coletivo de toda a comunidade educativa.

A formação docente, por sua vez, deve ser entendida como processo contínuo e dialógico. Pimenta e Anastasiou (2014) ressaltam que a prática pedagógica precisa ser permanentemente problematizada, em diálogo com os desafios vividos no cotidiano escolar. No campo da inclusão, isso significa investir em formações que abordem desde fundamentos legais e pedagógicos até práticas metodológicas concretas, capazes de ampliar o acesso e a participação de estudantes com diferentes necessidades educacionais.

Desse modo, cabe destacar que a interdisciplinaridade, a corresponsabilidade e a formação docente não são dimensões isoladas, mas profundamente interdependentes. Quando integradas no PPP, constituem alicerces para que a escola avance em direção à equidade. A ausência de qualquer uma delas compromete o todo: sem formação docente, a corresponsabilidade se fragiliza; sem corresponsabilidade, a interdisciplinaridade perde força; sem interdisciplinaridade, o PPP corre o risco de se tornar um documento fragmentado e distante das demandas da diversidade.

 

METODOLOGIA

A pesquisa desenvolvida neste artigo tem caráter qualitativo, de natureza descritiva e bibliográfica. A opção pela abordagem qualitativa se justifica pelo interesse em compreender sentidos, interpretações e processos relacionados à elaboração e adaptação do Projeto Político-Pedagógico (PPP) sob a perspectiva da inclusão. Para Minayo (2001), esse tipo de abordagem possibilita acessar dimensões subjetivas e sociais que não podem ser reduzidas a dados numéricos.

Quanto ao percurso metodológico, trata-se de um estudo bibliográfico, realizado a partir da leitura e análise crítica de produções científicas sobre o tema, incluindo livros, artigos em periódicos e documentos oficiais. Gil (2017) explica que a pesquisa bibliográfica permite reunir e discutir diferentes contribuições teóricas já sistematizadas, possibilitando ao pesquisador elaborar sínteses e proposições próprias.

A escolha por essa metodologia está em consonância com Severino (2017), que entende a pesquisa bibliográfica como estratégia eficaz para fundamentar discussões teóricas e analisar problemas educacionais complexos. No presente estudo, foram priorizadas obras clássicas e atuais de autores como Gadotti (2004; 2010), Libâneo (2012), Mantoan (2003; 2015), Sassaki (2006), Pletsch (2009), Fazenda (2011), entre outros, além de legislações e políticas educacionais brasileiras (Brasil, 1996; 2008; 2014; 2015; 2017).

A análise dos textos buscou identificar convergências, divergências e lacunas no debate sobre o PPP e a inclusão. Para tanto, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, entendida como processo de categorização e interpretação das mensagens presentes nos materiais pesquisados (BARDIN, 2016). Essa técnica possibilitou agrupar as discussões em eixos centrais: o PPP como instrumento de gestão democrática; a inclusão escolar como princípio pedagógico e ético; a interdisciplinaridade e a corresponsabilidade docente; e a formação continuada como condição para efetivação da inclusão.

Dessa forma, a metodologia adotada não pretendeu realizar estudo de campo ou análise de documentos específicos de escolas brasileiras, mas construir uma revisão fundamentada em estudos já publicados. Essa escolha amplia a validade do trabalho, pois permite dialogar com diferentes experiências registradas em pesquisas acadêmicas, sistematizando achados e organizando proposições voltadas à adaptação do PPP para uma perspectiva inclusiva.

Além disso, o enfoque bibliográfico possibilita uma visão panorâmica das principais contribuições nacionais sobre o tema, o que favorece a identificação de tendências, inovações e limites ainda presentes na literatura. Esse movimento analítico não elimina a necessidade de pesquisas empíricas, mas cumpre papel relevante ao sistematizar reflexões que servem de base para novas investigações.

Assim, ressalta-se que a metodologia adotada reforça o compromisso deste estudo com a produção de conhecimento fundamentado em autores reconhecidos na área da educação inclusiva. A revisão crítica de literatura possibilita não apenas reunir informações, mas também problematizá-las, garantindo rigor acadêmico e legitimidade científica às proposições apresentadas.

Achados da literatura e proposições

A revisão da literatura evidencia que os Projetos Político-Pedagógicos (PPP) frequentemente registram a inclusão como princípio, mas apresentam fragilidades na sua operacionalização. Sousa e Ferreira (2024) identificaram que, em muitos casos, o documento limita-se a declarações gerais, sem definir estratégias, recursos ou responsabilidades institucionais. Isso reforça o risco de o PPP ser visto como instrumento burocrático, afastado da prática pedagógica cotidiana.

Autores como Mantoan (2003; 2015) e Sassaki (2006) defendem que a inclusão escolar requer uma reorganização estrutural e cultural da escola, deslocando o foco das limitações individuais para a eliminação das barreiras contextuais. Nesse sentido, o PPP pode institucionalizar estratégias de inclusão ao prever formação continuada, momentos de planejamento coletivo, protocolos de avaliação inclusiva e fortalecimento da participação comunitária.

Experiências relatadas por Zanata (2024) e Lucena (2019) demonstram que PPPs que articulam inclusão à gestão democrática ampliam a participação de professores, estudantes e famílias, resultando em maior comprometimento coletivo. O uso do Index para a Inclusão, adaptado ao contexto brasileiro (Menino-Mencia, 2019), também aparece como instrumento eficaz para orientar autoavaliações institucionais e a definição de metas de melhoria contínua.

Entre as proposições recorrentes na literatura, destacam-se:

  1. Planejamento colaborativo: a inclusão deve constar na pauta do planejamento coletivo de professores, com participação do AEE, promovendo interdisciplinaridade e ajustes avaliativos (LIBÂNEO, 2012; FAZENDA, 2011).
  2. Corresponsabilidade institucional: todos os profissionais da escola devem assumir o compromisso com a inclusão, evitando a delegação exclusiva ao professor especializado (PLETSCH, 2009; SILVA, 2014).
  3. Fortalecimento da gestão democrática: a participação das famílias e dos conselhos escolares deve ser prevista no PPP como estratégia de controle social e de ampliação da cultura inclusiva (GADOTTI, 2004; SOUSA; FERREIRA, 2024).
  4. Formação docente: programas permanentes de formação continuada são indispensáveis para capacitar professores a desenvolver práticas pedagógicas acessíveis e colaborativas (IMBERNÓN, 2011; PIMENTA; ANASTASIOU, 2014).
  5. Autoavaliação institucional: processos avaliativos anuais, inspirados no Index para a Inclusão, permitem identificar barreiras, estabelecer metas claras e monitorar resultados de forma participativa (MENINO-MENCIA, 2019).

A literatura mostra ainda que escolas que ressignificam o PPP como projeto coletivo e inclusivo conseguem transformar não apenas práticas pedagógicas, mas também culturas e relações institucionais. Ribeiro, Duboc e Souza (2020) observam que, quando os princípios da equidade e da diversidade estão articulados à gestão democrática, o PPP se converte em instrumento de transformação social, fortalecendo a cidadania e a justiça educacional.

Portanto, os achados reforçam que a adaptação do PPP não é mera atualização formal, mas processo de ressignificação profunda. Suas proposições devem alinhar-se a marcos legais e referenciais teóricos, mas, sobretudo, precisam nascer da participação efetiva da comunidade escolar. É nesse movimento que o PPP pode se consolidar como documento estratégico, vivo e transformador, capaz de impulsionar a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva.

 

CONCLUSÕES

A análise desenvolvida neste artigo evidencia que o Projeto Político-Pedagógico (PPP) é um instrumento estratégico para a consolidação de uma escola inclusiva, desde que ressignificado como processo coletivo, democrático e transformador. Os achados da literatura demonstram que, embora a inclusão esteja frequentemente registrada como princípio, ainda há fragilidades em sua operacionalização, sobretudo no que se refere à clareza de metas, à corresponsabilidade entre profissionais e à participação da comunidade escolar.

Autores como Mantoan (2015), Sassaki (2006) e Pletsch (2009) ressaltam que a inclusão escolar não se limita à adaptação de métodos ou recursos, mas implica mudança estrutural e cultural que desloca o foco do “déficit individual” para a eliminação das barreiras contextuais. Nesse sentido, o PPP deve ser compreendido como espaço para institucionalizar práticas colaborativas, interdisciplinares e avaliativas que efetivem a equidade educacional.

As proposições reunidas neste estudo apontam caminhos concretos: planejamento colaborativo com pauta inclusiva; fortalecimento da gestão democrática e dos conselhos escolares; formação docente inicial e continuada com foco na diversidade; institucionalização de mecanismos de autoavaliação; e articulação intersetorial entre educação, saúde e assistência social. Tais medidas, quando incorporadas ao PPP, ampliam a corresponsabilidade e favorecem a construção de uma cultura escolar inclusiva.

Conclui-se que a adaptação do PPP na perspectiva da inclusão não se restringe a uma exigência legal, mas representa compromisso ético e político com a democratização da escola pública. Mais do que um documento formal, o PPP deve funcionar como processo vivo, em constante atualização, capaz de mobilizar todos os sujeitos da comunidade escolar em torno de um projeto coletivo de transformação. Assim, reafirma-se que a inclusão só se concretiza quando o PPP articula princípios normativos, referenciais teóricos e práticas concretas, garantindo acesso, participação e aprendizagem para todos os estudantes.

Além disso, é necessário compreender que a consolidação de uma escola inclusiva não é tarefa exclusiva da instituição escolar, mas depende também do engajamento de políticas públicas consistentes, de investimentos em infraestrutura acessível e da valorização do trabalho docente. A articulação entre escola, família e sociedade amplia as possibilidades de superação das desigualdades, fortalecendo uma rede de proteção e de promoção dos direitos educacionais.

Este estudo reforça a importância de novos trabalhos que analisem experiências concretas de adaptação de PPPs em diferentes contextos brasileiros. Pesquisas empíricas que investiguem práticas exitosas e seus impactos sobre a aprendizagem de estudantes público-alvo da educação especial poderão enriquecer a literatura e oferecer subsídios ainda mais consistentes para a formulação de políticas e para o aperfeiçoamento da gestão escolar. Dessa forma, o PPP continuará a se afirmar como ferramenta estratégica para a construção de uma escola pública inclusiva, democrática e socialmente justa.

Outro ponto que merece destaque é a necessidade de fortalecer a cultura de avaliação permanente no âmbito escolar. O uso de instrumentos como o Index para a Inclusão (MENINO-MENCIA, 2019) pode auxiliar no monitoramento das metas estabelecidas, garantindo que o PPP seja efetivamente acompanhado e revisado. Essa perspectiva de avaliação participativa, que envolve todos os atores escolares, contribui para consolidar a corresponsabilidade e transformar o PPP em ferramenta dinâmica, ajustada às necessidades reais da comunidade.

Cabe também refletir sobre a formação inicial de professores. Embora a formação continuada seja um caminho importante, não é suficiente se os cursos de licenciatura permanecerem alheios às demandas da inclusão (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014). Inserir disciplinas, práticas de estágio e metodologias voltadas à diversidade é fundamental para que o professor ingresse na carreira com maior preparo, diminuindo a distância entre a teoria aprendida e os desafios concretos da sala de aula.

Finalmente, é preciso considerar que o PPP inclusivo não apenas atende a demandas escolares, mas se insere em um projeto mais amplo de sociedade. A escola é espaço privilegiado de construção de valores democráticos, e um PPP que contemple a diversidade de forma efetiva contribui para a formação de cidadãos críticos, participativos e conscientes de seus direitos. Assim, a adaptação do PPP não é apenas uma necessidade pedagógica, mas também uma contribuição para a consolidação da democracia e da justiça social no Brasil.

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[1] Artigo publicado na EBWU no Curso de Mestrado em Ciências da Educação como trabalho de nivelamento de estudos das disciplinas básicas. Mestranda Priscila Luiza Montenegro Moreira. E-mail: priegibson@gmail.com

[2] Professora Orientadora da EBWU Dra. Cecília Mitsue Harada Tsutsui. Email: draceciliatsutsui@gmail.com

 

Arquivo – ARTIGO_CIENTÍFICO Mest. Francisca Helena

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