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TEOLOGIA CONTEXTUAL: FUNDAMENTOS E CONTRIBUIÇÕES RELEVANTES PARA O LABOR TEOLÓGICO CONTEMPORÂNEO

por José Roberto Pereira dos Santos

TEOLOGIA CONTEXTUAL: FUNDAMENTOS E CONTRIBUIÇÕES RELEVANTES PARA O LABOR TEOLÓGICO CONTEMPORÂNEO

 ROBERTO DOS SANTOS[1]

 Resumo:

A teologia contextual, ou a maneira de elaborar a Teologia desde e para um contexto, tornou-se preocupação entre teólogos e teólogas a partir dos anos 60. Desde essa época, o termo contexto se tornou crucial para distinguir traços característicos do trabalho e do produto final do teólogo e da teóloga: a teologia. Havia a preocupação de que a Teologia representas­ se os traços culturais, sociais, políticos, econômicos e religiosos do lugar desde o qual e para o qual ela se destinava. A maneira de avaliar se uma teologia era boa, passou a ser na medida em que ela representava legitimamente o seu lugar de origem. Dentre esses teólogos, temos Carlos René  Padilla, que advogou, nos anos 70, uma proposta  de contextualização do Evangelho  para a América Latina. Outro teólogo foi Pedro Savage, nos anos 80, que desenvolveu um programa para uma teologia evangélica contextual para a América Latina.

Palavras-chaves: Teologia contextual. Evangelho. Igreja. Cultura.

Abstract:

Contextual theology, or the way of elaborating theology from and to a context, has become a concern among theologians and theologians since the 1960s. Since that time, the term context has become crucial in distinguishing characteristic features of work and product of theologian and theologian: theology. There was concern that theology represents the cultural, social, political, economic, and religious traits of the place from which it was intended. The way to assess whether a theology was good was to the extent that it legitimately represented its place of origin. Among these theologians, we have Carlos René Padilla, who advocated in the 1970s a proposal for contextualizing the Gospel for Latin America. Another theologian was Pedro Savage, in the 1980s, who developed a program for a contextual evangelical theology for Latin America.

Keywords: Contextual thology. Gospel. Church. Culture.

  1. INTRODUÇÃO

 Teologia Contextual é uma filosofia cristã que tenta ver os princípios da Bíblia para além de seu contexto cultural. Aspectos da teologia contextual incluem a adaptação das práticas não-cristãs para fins cristãos, decidindo quais afirmações bíblicas aplicadas apenas à cultura de origem, e determinar como princípios bíblicos se aplicam a nova tecnologia. Algumas dessas facetas pode ser visto nos sermões e nas cartas do Novo Testamento. Um dos aspectos da teologia contextual, conhecido como aculturação, procura adaptar quaisquer peças compatíveis de uma cultura não-cristã para fins cristãos. Um exemplo bíblico de aculturação pode ser encontrada no sermão de Paulo em Atos 17:22-31. Falando em Atenas, Grécia, Paulo citou filósofos e poetas gregos para provar que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos. Usando poetas conhecidos, Paul tornou mais fácil para os atenienses a aceitar a sua mensagem. Esse mesmo tipo de contextualização está em exposição quando um ministro cita um filme ou livro atual para ilustrar seu ponto de vista. Considerando a relevância cultural de uma instrução bíblica é um outro aspecto da teologia contextual. Certas declarações bíblicas são considerados universais, relevante para todos os povos e culturas, enquanto outros são cultural, aplicando-se apenas na cultura original. Qualquer coisa que a Bíblia não trata especificamente também pode ser discutido sob a teologia contextual. Teologia Contextual procura encontrar os princípios subjacentes de comandos bíblicos e aplicá-los à cultura moderna. Muitos cristãos encorajar grande cautela ao usar teologia contextual.

A teologia contextual, ou a maneira de elaborar a Teologia desde e para um contexto, tornou-se preocupação entre teólogos e teólogas a partir dos anos 60 (BRANDT, 1999, p. 167-185).[2] Desde essa época, o termo contexto se tornou crucial para distinguir traços característicos do trabalho e do produto final do teólogo e da teóloga: a teologia. Havia a preocupação de que a Teologia representas­ se os traços culturais, sociais, políticos, econômicos e religiosos do lugar desde o qual e para o qual ela se destinava. A maneira de avaliar se uma teologia era boa, passou a ser na medida em que ela representava legitimamente o seu lugar de origem.

Desde esse período se percebe o interesse de um grupo de teólogos evangélicos latino-americanos na teologia contextual. Esse interesse partiu da convicção de que esta era a maneira pela qual a Teologia faria grande contribuição para a igreja evangélica na situação em que se encontrava a América Latina.

Dentre esses teólogos, temos Carlos René  Padilla (1978, p. 12-30), que advogou, nos anos 70, uma proposta  de contextualização do Evangelho  para a América Latina. Outro teólogo foi Pedro Savage (1985, p 53-81), nos anos 80, que desenvolveu um programa para uma teologia evangélica contextual para a América Latina.

Neste início de século 21, mais um teólogo, Juan Stam (2005, p. 121-136), discutiu sobre a necessidade da contextualização da teologia na América Latina dos nossos dias. Ele já havia elaborado discussão semelhante nos anos 80 (1984, p. 92-136).

No Brasil, entre os teólogos e teólogas evangélicos, há pouco ou nenhum estudo sobre a Teologia contextual. O objetivo deste capítulo é ajudá-los a conhecê-la melhor, refinando o seu uso da noção de contexto, situando-a historicamente, identificando seus elementos, indicando os modos de realizá-la e avaliando as suas possibilidades para os dias de hoje.

  1. REFINANDO A NOÇÃO DE CONTEXTO

Teologia contextual se trata de teologia a partir de e para um contexto. Mas, o que se entende por contexto? A palavra portuguesa contexto, tem sua origem no Latim.[3] O verbo latino é contexo ou contexere; o advérbio contexte; e o substantivo: contextus. O uso do verbo contexere indica a ação de formar algo tecendo, entrelaçando, como fazer uma colcha de retalhos a partir da ligação dos retalhos de tecidos, ou uma blusa de lã a partir da ligação entre seus fios, ou uma carta a partir das diversas palavras, frases e parágrafos. O produto final, a colcha de retalhos, a blusa de lã ou a carta, é a soma dos muitos retalhos de tecidos, dos fios de lã e das palavras, frases e parágrafos. A obra concluída representa as diversas partes reunidas ou tecidas, e é chamada tessituracontextura, ou contexto.

Então, o que é o contexto? É a obra concluída e as diversas partes que para ela contribuíram.  Não é possível separar o produto final das suas partes, e nem as partes do produto final. Uma coisa se explica em função da outra, sem separação ou valorização de uma em prejuízo da outra. Toda obra é contextual. Contextualizar a obra é perceber o entrelaçamento ou a ligação entre as suas diversas partes, sem perder de vista a obra como um todo. Mas também é fazer a obra a partir do ajuntamento das suas partes para que ela venha a existir (ABBAGNANO, 2000, p. 199-200). Esta noção de contexto é amplamente utilizada pelas Ciências que observam e estudam o ser humano em seu ambiente, sobretudo, as Ciências da sociedade, da literatura e das artes em geral, e da linguagem.[4] Para as Ciências da sociedade, o contexto é a reunião de várias  circunstâncias  que acompanham e explicam um fato ou uma situação. É assim que o assalto a uma padaria é explicado desde um conjunto de situações econômicas, psicológicas, religiosas, políticas, e assim por diante. A soma de todos esses fatores é necessária para contextualizar o assalto e explicá-lo.

Nas Ciências da literatura e das artes em geral, o contexto é todo conjunto de palavras, sons ou imagens que contribuem para a produção de um livro, de uma música, de uma pintura, escultura, filme ou peça teatral. Também é toda a situação histórica e linguística de onde foram retirados os recursos para a construção daquela obra.

Nas Ciências da linguagem,[5][6] contexto diz respeito às diversas situações: religiosa, social, histórica, política, econômica, vital, psicológica, fenomenológica, e outras que, somadas, ajudam a dar sentido a uma palavra usada por um falante de determinada língua. A depender desse conjunto de situações, será diferente o significado dado à palavra.

E quanto à teologia? A Teologia também depende do contexto para sua compreensão (CONTE, 2006, p. 145-176). Temos primeiro, o contexto linguístico, pois a teologia lida com palavras, faladas ou escritas, em uma determinada língua. Em segundo lugar, temos o contexto histórico, pois a teologia é realizada em determinadas situações históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais. Em terceiro lugar, temos o contexto discursivo, pois a teologia reúne as ideias que a língua expressa em uma determinada situação histórica para falar sobre Deus às pessoas de deter­ minada época que são capazes de ouvir e compreender o que ela diz. Portanto, toda teologia é contextual, isto é, produzida e recebida em um contexto específico. Estudar uma teologia é, também, contextualizá-la, ou seja, observar o contexto de sua produção e recepção.

Mas, e quando esta teologia é transmitida e recebida em outro contexto, diferente, um pouco ou muito, do contexto original em que ela foi produzida e recebida? Em termos de Cristianismo, isso aconteceu por meio da evangelização ou missão cristã aos diversos povos do mundo. Como foi que esta teologia contextual se inseriu neste outro contexto? Como ela foi recebida em outro contexto? Usando os exemplos da colcha de retalhos, da blusa de lã ou da carta, é o mesmo que dizer que eles foram levados para outro lugar diferente daquele no qual e para o qual foram feitos. Como algo feito em um contexto se encaixa em outro contexto, para o qual não foi feito, sequer pensado? Esta dificuldade da teologia não foi percebida claramente até a segunda metade do século passado.

  1. SITUANDO A TEOLOGIA CONTEXTUAL NA HISTÓRIA

A percepção da dificuldade da introdução e recepção de uma teologia produzida e recebida em um contexto para outro contexto é recente, e tem a ver  com  outras  significativas mudanças que ocorreram na ordem mundial das nações a partir dos anos 50. Surgiram as nações reunidas ao redor da expressão: Terceiro Mundo ou mundo das nações subdesenvolvidas (GIBELLINI, 1998, p. 447-485). Esta foi uma expressão criada pelo economista francês Albert Sauvy, nos anos 60. Ele a usou para identificar as ex-colônias europeias na Ásia oriental e na África, que alcançaram sua independência ao longo dos anos 50 a 70 do século passado. Sociologicamente, a expressão veio a designar uma realidade  vasta  e  complexa  que  compreende  a América Latina, o Caribe, a África, a Ásia e a Oceania meridional […] apresenta uma realidade multiforme no que diz respeito à situação econômica, ao projeto político e à expressão cultural[…] feita de povos oprimidos e culturas desprezadas, que, no início dos anos 70, […] passou a incluir também os trabalhadores imigrados e as minorias marginalizadas” (GIBELLINI, 1998, p. 448).

O impacto dessas mudanças em igrejas já existentes nas nações do Terceiro Mundo, também repercutiu nas teologias que se introduziram entre elas e foram por elas recebidas. Este choque se deu a partir de dois movimentos principais. Um deles foi a fundação, por teólogos protestantes e católicos destas regiões do mundo, da Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo – EATWOT, a fim de produzir uma teologia autóctone, isto é, produzida a partir de e para os contextos destas regiões.

Um exemplo é a Declaração final do seu segundo Congresso, onde menciona um programa para a teologia africana: A teologia africana deve ser uma teologia contextual, que corresponda ao contexto da vida e da cultura em que vive o povo. […]

A contextualização significa que a teologia deverá tratar da libertação de nosso povo da “escravidão cultural” […] Uma vez que a opressão não se encontra somente na cultura, mas também nas estruturas políticas e econômicas e nos meios de comunicação dominantes, a teologia africana deve ser também uma teologia da libertação. (GIBELLINI, 1998, p. 451)

Estes teólogos tinham em comum a percepção de que a teologia produzida nos contextos das igrejas missionárias não oferecia respostas para os problemas locais enfrentados pelas novas igrejas que se consolidavam no Terceiro Mundo.

E, pior, a teologia era ocidental demais, isto é, representava a dominação cultural ocidental da qual estas nações desejam se libertar por inteiro.[7]

Outro esforço partiu do Conselho Mundial de Igrejas – WCC, interessado na continuidade da sua formação teológica nos antigos campos de missão do Terceiro Mundo. Em Gana, 1950, a assembleia do WCC, refletiu sobre a urgente tarefa de desenvolver o treinamento teológico e ministerial para as igrejas protestantes localizadas na Ásia, África e América Latina de um modo mais adaptado e adequado aos contextos particulares, em meio às transformações sociais, políticas e econômicas em andamento. Para isso, foi constituído um Fundo de Educação Teológica – TEF, vinculado à Comissão Mundial para a Evangelização e Missão -WCEM, administra­ do por três mandatos consecutivos (BERGQUIST, 1973, p. 244-253).

No primeiro mandato do TEF (1958-1964), o alvo era oferecer a alguns estudantes e professores de instituições teológicas do Terceiro Mundo o padrão de excelência acadêmica da educação teológica ocidental, a fim de elevar o nível da formação teológica das lideranças pastorais.

As estruturas físicas de alguns seminários teológicos existentes foram melhoradas, bibliotecas formadas, obras teológicas clássicas traduzidas para a língua nacional, os Mestrados e Doutorados foram estimulados por meio de bolsas de estudos nos Seminários e Universidades do Ocidente. Esperava-se que uma liderança pastoral melhor formada intelectualmente fosse capaz de responder aos desafios que o Terceiro Mundo impunha às jovens igrejas locais. 

No segundo mandato (1965-1970), houve uma correção de rumos. O projeto foi orientado não mais para as lide­ ranças pastorais, mas para a capacitação das lideranças leigas locais em seu próprio lugar de trabalho e vida. Assim, elas poderiam assumir a evangelização de suas nações, reduzindo a dependência para com as igrejas protestantes ocidentais.

No terceiro Mandato (1971-1976), apareceu a primeira menção ao termo contextual aplicado a este tipo de formação teológica e ministerial.[8][9] Este refletia a preocupação de que a fidelidade das igrejas locais no Terceiro Mundo fosse para com a missão em seu próprio contexto, em termos de: produção de uma formação ministerial orientada para o ser­ viço à igreja local; educação voltada para as questões próprias dos contextos das igrejas locais em vista da transformação daqueles contextos.

Redução da dependência financeira dos programas de formação teológica dos recursos externos ocidentais; autenticidade teológica caracterizada por um interesse nos próprios problemas e necessidades da igreja local.

James Bergquist, um dos diretores-associados do TEF à época, afirmou que as questões alistadas acima impuseram a “necessidade de buscar formas de expressão teológica mais profundamente enraizadas na cultura local e a desenvolver estruturas para a educação e ministério apropriadas às situações missiológicas concretas do Terceiro Mundo” (BERGQUIST, 1973, p. 251). É a isso que pretendeu responder o termo contextualização.

O Relatório Ministério no Contexto, de 1972, produzido pelo TEF para orientar a sua nova plataforma, oficializou a noção de contextualização para substituir o conceito de indigenização. Textualmente, o TEF entendia a distinção como segue: Ele [o termo contextualização] quer dizer tudo que está implícito no conceito familiar “indigenização” e ainda busca ir além. Contextualização tem a ver com a maneira como abordamos a peculiaridade dos contextos do Terceiro Mundo. A indigenização tende a ser usada com o sentido de responder ao Evangelho em termos das culturas tradicionais. Contextualização, enquanto não ignora isto, leva em consideração o processo de secularização, tecnologia e a luta por justiça humana, que caracteriza o atual momento histórico das nações do Terceiro Mundo. É claro, portanto, que a contextualização é um processo dinâmico, não estático. Ele reconhece a contínua natureza da mudança de cada situação humana e da possibilidade de mudança, assim, de um caminho sempre aberto para o futuro. A agenda da teologia contextual no Terceiro Mundo tem prioridades próprias. Ela deve expressar sua autodeterminação por optar desinibidamente por uma teologia da mudança, ou por reconhecer o inconfundível significado teológico que questões como justiça, libertação, diálogo com pessoas de outras crenças e ideologias, poder econômico etc. impõe à teologia.(KWAN, 2005, p. 236-250).

Para realizar seus objetivos, o TEF buscou nas diversas nações do Terceiro Mundo associações de seminários teológicos com as quais firmasse parcerias. No Brasil, este papel coube à Associação de Seminários Teológicos Evangélicos – ASTE, fundada em 19 de dezembro de 1961, que congregava os principais seminários teológicos evangélicos do Brasil à época.[10]

A situação da formação teológica no Brasil era representativa do que acontecia em outras partes do Terceiro Mundo. Historicamente, ela foi direcionada para a formação de pastores, que não somente lideravam as igrejas como também as denominações eclesiásticas, onde os destinos das igrejas eram decididos. Estas lideranças serviam ao empreendimento missionário protestante mundial de preparar pastores para as igrejas nos campos de missão. Seu olhar se voltava para as sedes ou centros no exterior que governavam esse empreendi­ mento, e, por isso mesmo, não havia a mínima reflexão sobre a vida e o ministério das igrejas em seu contexto.

Nos anos 60, no Brasil e em outros lugares do mundo, este modelo de empreendimento missionário foi duramente criticado por líderes evangélicos nacionais envolvidos na formação teológica dos pastores locais. Para o prof. Jaci Maraschin, a formação teológica praticada nos seminários teológicos era sub-produto da formação teológica que se fazia em igrejas europeias e norte-americanas, de caráter exclusiva­ mente acadêmico. Sua discordância considerava três fatos:

[…] os nossos seminários estavam no Brasil e não no Primeiro Mundo, e a Igreja Brasileira deveria- cuidar de seu problema, não os outros. […] a educação teológica não é academicismo e sim crescimento vivencial na fé. O crescimento vivencial acontece ligado com suas condições de vida. […]o processo educacional deve  dar-se no meio dos próprios em­ bates  e problemas  do mundo (LONGUINI NETO, 1970, p. 3-9).

Outro líder evangélico da época, Rubem Alves, queixou-se que a formação teológica tradicional padecia de dois problemas limitantes: vinculava-se exclusivamente ao contexto da Igreja, e em função da sua edificação, expansão e reforma. Para ele, a formação teológica deveria se abrir para considerar as exigências da realidade secular a fim de relacionar-se com ela e gerar uma consciência que só poderia ser criada no contexto de profundo envolvimento no mundo secular, com suas dores e esperanças. Nesse contexto, a formação teológica poderia se tornar uma “prática de liberdade” (ALVES, 1970, p. 10-20).

Outro desses líderes, Aharon Sapsezian, secretário-geral da ASTE à época, (LONGUINI NETO, 1970, p. 37-48) afirmou que os frutos do investimento de décadas das  missões  protestantes  na  formação  teológica no Brasil não  produziram  resultados  favoráveis  em  termos da formação de um ministério caboclo, mas na formação de uma elite teológica sem ligação com as questões da terra. A prova era a falta de formação de um pensamento  teológico  sólido, criativo e contextual no Brasil.

As iniciativas institucionais do WCC, somadas aos esforços pessoais de teólogos e teólogas do Terceiro Mundo, resultaram em teologias contextuais que foram protagonistas em seus contextos, inclusive ultrapassando-os. Pode-se mencionar a teologia da libertação, na América Latina; a teologia negra, na África do Sul; a teologia negra e as teologias feministas, nos Estados Unidos; as teologias da cultura e as teologias do diálogo religioso, na Ásia.

Semelhantemente, foi estimulada a introdução de métodos pedagógicos contextuais inovadores, sobretudo centrados no projeto da educação  libertadora  de Paulo  Freire. A formação teológica foi direcionada para toda a igreja, incluindo os leigos como igualmente qualificados para recebê-la juntamente com os candidatos ao ministério pastoral ordenado. Foi introduzida e desenvolvida a extensão da educação teológica aos lugares onde se encontravam os candidatos à formação teológica.

Contudo, estas teologias contextuais eram produzidas em conjunto com movimentos sociais e políticos de vanguarda nos anos 60 a 80, deixando para trás as igrejas nacionais e suas necessidades próprias. Desse modo, não foi surpresa que a formação teológica continuasse elitizada, distante das preocupações ministeriais e práticas das igrejas locais, nada tendo a lhes dizer na medida em que assumia a sociedade secular como o seu contexto. Uma dicotomia, um rompimento, um afastamento aconteceu entre estas teologias contextuais e as igrejas nacionais, de modo que estas não se sentiam contextualmente representadas e teologicamente desafiadas por seus contextos. Para elas, o contexto das teologias contextuais não era o seu contexto.

Uma explicação para isso foram alguns fenômenos, até hoje ignorados, tanto nos meios ecumênicos do WCC quanto entre os teólogos e teólogas contextuais do Terceiro Mundo. Nesse período e em toda parte, lideranças nacionais se separavam das igrejas fundadas pelas missões protestantes ocidentais e constituíam novos agrupamentos de igrejas, para as quais estabeleciam uma formação teológica própria por meio de institutos bíblicos e seminários teológicos. Simultaneamente, novas agências de missão, sobretudo norte-americanas, as missões de fé, chegavam a todo o mundo com programas teológicos de treinamento evangelístico e missionário para os membros e líderes locais das igrejas nacionais. Por fim, o Pentecostalismo trazia à teologia o desafio de responder à profunda experiência com o Espírito Santo desde a qual se orientaria a nova inserção das igrejas nacionais em seu contexto.

A formação teológica ministrada por estas novas igrejas era doutrinária e pentecostal, de cunho evangelístico e ministerial, que atingia o objetivo imediato de oferecer um mínimo de fundamentação teológica às novas igrejas nos territórios nacionais. Diferentemente da maneira tradicional, estas iniciativas mantinham os alunos e professores próximos de suas igrejas de origem e habitação, utilizavam horários alternativos e flexíveis, eliminavam os internatos, enfatizavam a prática ministerial antes do conteúdo intelectual, apoiavam-se antes na experiência que na produção teológica. Estas medi­ das favoreciam o contato direto com o contexto em que as igrejas atuavam, e o resultado era que se tornavam mais próximas e pertencentes ao contexto das novas igrejas.

Contraditoriamente, isso não significou mudanças na teologia, isto é, a formação teológica assim realizada não resultou em nenhuma espécie de teologia contextual. As igrejas nacionais, separadas das suas versões protestantes ocidentais, continuaram reprodutoras das doutrinas recebidas pela antiga evangelização. As missões de fé se limitaram à reprodução de conteúdo teológico já previamente elaborado nos países de origem e suficiente à evangelização nos países às quais se destinavam. O Pentecostalismo se limitou à experiência com o Espírito Santo, ignorando qualquer reflexão sobre o impacto desta experiência em cada novo contexto. A teologia nessas novas igrejas prosseguiu conceitua, abstrata, doutrinária e distante do contexto.

Ao final do século passado, estes fenômenos produziram uma situação no mínimo curiosa. As teologias que se assumiram contextuais, pouco tinham a dizer às novas igrejas nascidas no contexto da América Latina ou do Terceiro Mundo. As novas igrejas nascidas neste contexto, ainda que quisessem, não sabiam como refletir teologicamente desde seu contexto, se limitando a reproduzir a antiga teologia recebida das missões protestantes, ou, o que é pior, as novas teologias trazidas pelo novo empreendimento missionário protestante do século 21.

Em resumo, a contextualização da teologia no Terceiro Mundo envolveu uma iniciativa externa: os órgãos protestantes ecumênicos ligados ao Conselho Mundial de Igrejas, e uma iniciativa interna: a atividade de teólogos protestantes e ecumênicos com um compromisso para com o seu contexto. Estas iniciativas não conseguiram se estender para além destes círculos ecumênicos. Fora dos quais, se gestaram novas igrejas nacionais, evangelizadoras de seus contextos e interessadas na formação teológica de seus líderes e membros para essa tarefa e para a manutenção das novas igrejas.

Esta tensão ficou evidente ao longo dos anos, cristalizando-se ao final do século passado em dois tipos de formação teológica: uma ecumênica, oriunda nos contextos das antigas missões protestantes ocidentais, produtora de teologias contextuais locais. E outra, conservadora, também originada nos antigos e novos contextos das missões protestantes ocidentais ou em iniciativas nacionais, cujas teologias e programas de formação teológica não podem ser chamadas contextuais.

Este percurso histórico nos mostra que elaborar uma teologia contextual é algo trabalhoso e carece de perceber os elementos, os modos de fazer e as possibilidades que: ela apresenta para um teólogo ou teóloga interessada em seu próprio contexto. Estes três aspectos serão tratados a seguir.

  1. IDENTIFICANDO OS ELEMENTOS

 

 

O objetivo de uma teologia contextual é fazer teologia desde e para o povo u comunidade local.[11] Afinal, é em busca de relevância e eficácia para o povo que a tarefa se justifica. A identificação da teologia com o povo leva-a a se conformar à vida que o povo vive; vida esta que se faz o contexto para a teologia.

De modo geral, as teologias contextuais do século passado, como a teologia da libertação, latino-americana ou a negra, norte-americana, identificaram o povo como grandes massas de pessoas pobres e incultas, por vezes chamadas pobres, oprimidos, explorados, marginalizados, pros de seus-direitos, sofredores, vítimas das nações empobrecidas. O contexto do povo foi definido exclusivamente a partir a situação sócio-econômica na qual viviam suas vidas. Na África, contudo, o contexto foi definido desde a cultura que marcava profundamente a vida que o povo vivia.[12]

Robert Bryant (1975, p. 11-19) demonstrou que esta era a situação da população negra na África do Sul, pois ali a situação cultural e política, e a sócio-econômica, se misturavam, na medida em que refletiam a opressão da minoria branca.[13]

Historicamente, portanto, o primeiro elemento de uma teologia contextual é o povo em suas relações vividas concretamente, sejam elas sociais e econômicas, culturais e políticas, ambientais e espirituais. Enfim, a integralidade ou totalidade da vida vivida pelo povo se torna o lugar desde onde e para onde a teologia contextual cumpre sua tarefa.

O segundo elemento  é o agente  da  teologia  contextual, isto é, quem vai ao povo e se torna odor de sua vida a fim de elaborar uma teologia que seja relevante e eficaz em seu contexto. Este papel pertence à igreja local que se encontra em meio ao povo e é parte do povo. Conforme Robert Schreiter (1985, p. 16-20), ela é iniciadora e autenticadora de qualquer teologia contextual. Dentro e a partir dela, o teólogo e teóloga realizam sua função de unir-se ao povo para viver a sua vida, de despertar a igreja local para a vida que o povo está vivendo, e de oferecer à igreja local a teologia que ela precisa para cumprir seu papel junto ao povo.

O terceiro elemento são as relações de vida que vão além do contexto do povo.[14]

O povo não vive sua vida isoladamente da vida vivida por outros povos, quer próximos, quer distantes. A teologia produzida desde e para um contexto deve se relacionar com os contextos de outros povos. Também, uma igreja local se relaciona com outras-igrejas que estão em outros contextos.

A teologia deve ser contextual pode ser elaborada de modo isolado das demais igrejas. A teologia deve ser contextual, mas deve reconhecer e aceitar o diálogo com outros contextos, na medida em que estes tenham influência direta ou indireta em seu próprio contexto.

Neste momento, surgem algumas tensões que dificultam a elaboração da teologia contextual. Como relacionar uma teologia elaborada para um contexto com outra teologia cristã universal, presente em todos os contextos?

Para um grupo de teólogos (CLAPSIS, 1993, p. 71-79), não há, exatamente, uma teologia contextual. Toda teologia sempre retirou de seu próprio ambiente os seus métodos, objetivos, linguagem e meios de comunicação e, por isso mesmo, toda teologia pertence ao seu próprio contexto. Uma teologia contextual só se justifica quando produzida para atender situações históricas locais bem definidas e em contextos não-ocidentais, s sem ocupar o espaço da teologia cristã universal entre as igrejas.

Para outro grupo de teólogos,[15] a teologia  deve  ser a mesma em toda a parte, mas pode ter aplicações ou adaptações culturais no que diz a respeito à comunhão, ao culto, à música e dança, e assim por diante, dependendo de cada contexto no qual ela é recebida. Quanto ao conteúdo propositivo a teologia, isto é, suas afirmações e declarações sobre Deus, o homem e o mundo, e assim por diante, são parte de uma interpretação cristã do mundo que não pode ser adaptada sem mais nem menos.

No máximo, pode-se traduzi-las para um contexto específico, em termos de língua, linguagem, figuras etc.[16]

Estas tensões na tarefa de produzir uma teologia contextual não devem inibir ou impedir a tentativa de teólogos e teólogas em elaborar uma tecnologia contextual eficaz no contexto de suas igrejas locais, significativa em meio à vida vivida pelo povo no meio do qual elas habitam e missionam.

Pode-se evitar uma teologia limitada demais quando ela se aproxima de todas as relações vividas por um povo. Se a teologia contextual fala a partir da presença e missão da igreja local no meio do povo no qual habita, como parte dele, é preciso que ela seja muito crítica acerca dessas relações. Cabe somente a ela indicar de que modo e quem serão aqueles que produzirão a sua teologia para seu contexto. Cabe-lhe dizer se a teologia produzida está de acordo com a sua maneira de perceber seu contexto. Cabe-lhe apresentar sua teologia a outras igrejas, desde as relações locais que podem se estender para uma região e até uma sede global. Cabe à igreja, enfim, receber e estabelecer o diálogo com outras teologias contextuais e mesmo com as afirmações universais da Teologia cristã.

A esse respeito, é um equívoco pensar que seja possível à igreja local ser tão absolutamente contextual que seja desnecessária essa recepção e diálogo com outras teologias produzidas em outros contextos, mesmo os mais antigos. Certas ideias cristãs universais, isto é, que estão em toda parte onde a fé cristã foi anunciada, sobre, por exemplo, Jesus Cristo, a salvação e a igreja, não podem ser ignoradas pela igreja local na medida em que elabora sua teologia contextual. A esse respeito, a teologia contextual o que pode ser aproveitado, o que pode ser adaptado e o que deve ser reelaborado partir do contexto ao qual a igreja local deseja se comunicar.

A teologia-contextual foi definida como uma teologia da mudança ou suficientemente flexível de modo a mudar conforme os contextos vão se alterando também. Os estímulos advindos das tensões e conflitos existentes nas diversas relações contextuais são muitas e somente concorrem para que o movimento de contextualização da teologia seja o que há de mais significativo nos dias atuais.

Isso parece sugerir que não há um método, uma maneira mecânica de elaborar a teologia contextual. É possível, porém, combinar os três elementos que não podem faltar em uma teologia contextual: o povo em seu contexto, a igreja local e o teólogo no meio do povo, e as relações contextuais.

  1. PROPONDO MODOS DE FAZER

 

 

A teologia contextual acentua a importância do contexto, indicando que o teólogo e a teóloga devem recorrer a ele a fim de fazer teologia. De início é preciso delimitar ou identificar o contexto, isto é, ter uma clara ideia acerca do contexto desde o qual e para o qual se pretende elaborar a teologia.

Cervera Conte  sugere quatro possibilidades (CONTE, 2006, p. 152-154):

  1. As características comuns de um povo, como sua língua, lugar onde mora, sua história, sua cultura, que geram uma forma comum de viver a vida. Um exemplo seria diferenciar o contexto rural de um  contexto urbano;
  2. As características sociais, econômicas, políticas que são comuns e manifestam certo tipo de viver a vida. Um exemplo seria diferenciar o contexto de mulheres jovens de um contexto de mulheres idosas;
  3. As características comuns que fazem parte de cada etapa da vida. Um exemplo seria diferenciar o contexto infantil de um contexto adolescente;
  4. As características totais comuns  à existência  humana  que a diferencia de outros tipos de existência. Um exemplo seria distinguir o contexto humano de um contexto animal.

Depois, delimitado ou identificado o contexto, é preciso estabelecer o diálogo com ele. S. Wesley Ariarajah definiu a teologia contextual como uma teologia que dialoga com e a partir de diversos contextos (1977, p. 3-11), desde a experiência de fé e compro­ misso com Jesus Cristo, em uma realidade concreta na qual a igreja se encontra.

Para Ariarajah: o diálogo requer três condições:

  1. Nova postura para com a doutrina, na qual se abre mão de conceitos e afirmações, para adotar uma exposição narrativa e vivencial da fé cristã, que possibilita o diálogo com as experiências vividas por outros povos;
  2. Novo entendimento das Escrituras, no qual se abre mão de ler apenas a Bíblia ou os textos cristão, que possibilita ouvir e ler acerca das narrativas orais e escritas de outros povos;
  3. Novo entendimento da igreja, no qual se abandona a sua vida particular, para interagir com a vida vivida por todas as comunidades humanas.

O diálogo pode ser estabelecido entre uma igreja local em meio ao seu próprio povo, ou em meio a outro povo, quando ocorre o encontro entre duas culturas diferentes. Para que ele possa ocorrer em qualquer destas situações, é preciso que a igreja local reconheça e aceite o outro parceiro de diálogo como igual a ela mesma (BONINO, 1997, p. 87-97). Para que a igualdade seja possível é necessário, em primeiro lugar, que a igreja local aprenda a perceber o quanto ela reflete certos condicionamentos teológicos que lhe são próprios, mas que impedem a prática do diálogo.[17] Para fazer esse reconhecimento, a igreja local deve  perceber  até  onde  esses  condicionamentos  teológicos refletem o próprio contexto do povo no meio do qual vive, até onde eles refletem o contexto que ela recebeu quando foi formada, por exemplo, o contexto do missionário estrangeiro, e até onde eles manifestam uma mistura de ambos à medida que se modificaram ao longo do tempo.

Essa atividade dialógica exige que a igreja local rejeite o papel de reprodutora da teologia recebida de outro contexto, e se esforce para interpretar esta teologia em seu próprio contexto (PADILLA, Op. cit., p.18). Isso implica em que ela, a igreja local, deve assumir a iniciativa no processo interpretativo da teologia contextual. Em meio à atividade dialógica da igreja local, é preciso estabelecer o papel do teólogo, aquele que ajuda a igreja local nesta atividade, pois trabalha junto a ela e ao povo no meio do qual ela vive. O teólogo é um tipo de intermediário, alguém chamado por Deus para escutá-lo a partir das exigências da vida diária do povo e das experiências com Deus na vida da igreja local (SAVAGE, Op. cit., p. 54). Seu papel é falar à igreja e ao mundo a partir da sua vivência no meio do povo e no meio da igreja local, em diálogo com o Espírito Santo, que o ilumina em suas

Ideias e intuições. Ele faz isso comparando dois contextos: o contexto de hoje e aquele da Bíblia, procurando discernir, por meio desta, a missão da igreja local em seu contexto atual.

Em resumo, o modo de elaborar a teologia contextual se apoia no diálogo entre a igreja local e o contexto do povo onde vive. Esta atividade dialógica requer uma atitude crítica da igreja local para consigo mesma e para com o contexto do povo. O papel do teólogo é apontar, para a igreja local a necessidade de realizar esta atividade dialógica; orientá-la pastoralmente na maneira de fazê-la; e auxiliá-la na avaliação e juízo dos seus resultados em termos do cumprimento de sua missão no próprio contexto. Para realizar esse trabalho, não basta ao teólogo ampla formação bíblica e histórico-teológica, mas, também sólida formação pastoral e comunitária, isto é, envolvimento com a igreja local, e profundo conhecimento do seu próprio contexto.

O passo a seguir é escolher um modelo para o diálogo entre a igreja local e seu contexto, que será a fonte da elaboração da teologia contextual. Neste aspecto, as práticas são variadíssimas, havendo necessidade de classificá-las e agrupá-las em certos modelos ou padrões.[18] Estes não devem ser usados mecanicamente,  isto  é, basta  aplicar  certa prática  de diálogo  e aparece a teologia contextual. Não se pode esquecer que igreja local e povo são realidades pessoais, e tudo pode mudar de uma hora para a outra. Os modelos, por outro lado, ajudam a mostrar se está havendo verdadeiro e efetivo diálogo que possa frutificar em uma teologia contextual, permitindo a análise  e avaliação da própria  prática.

Os modelos de prática da atividade dialógica funcionam como todo processo de comunicação: alguém fala a outra pessoa acerca de alguma coisa e este responde, estabelecendo-se um terreno comum para o entendimento. No caso da teologia contextual, a igreja local procura conversar sobre a Bíblia e a mensagem cristã com o povo em cujo contexto ela se encontra.

Uma das formas de efetuar a prática da atividade dialógica é fazer corresponder o que há de comum na Bíblia e na mensagem cristã com o que há de comum no contexto do povo. Um exemplo é fazer corresponder a vida de uma mãe na Bíblia com a vida de uma mãe no contexto do povo, procurando as semelhanças entre ambos os contextos, o da Bíblia e o do povo. Outro exemplo é fazer corresponder uma ideia sobre salvação com ideia semelhante no contexto do povo. Assim, se procura reproduzir no contexto do povo aquilo que está dito ou afirmado na mensagem cristã.

Quando não é possível encontrar elementos comuns entre o conteúdo da Bíblia e da mensagem cristã e o contexto do povo, realiza-se a substituição do conteúdo da Bíblia e da mensagem cristã por algum conteúdo semelhante no contexto do povo. Por exemplo, nem todo contexto de um povo possui formas de organização de uma igreja conforme descrita na Bíblia, então se procura outro modelo de organização de uma comunidade no contexto do povo. Outro exemplo, é que nem todo contexto de um povo possui a ideia de Rei ou Reino para falar da mensagem cristã acerca de Deus e Jesus Cristo, então é preciso achar outras ideias no meio do povo que substitua aquelas ideias.

Outra prática de atividade dialógica ocorre quando a igreja local parte do contexto do povo, procurando as maneiras pelas quais a Bíblia e a mensagem cristã será de tal maneira identificada com aquele contexto, que ela se encarna nele. O povo, por sua vez, é levado a identificar-se de tal modo com a Bíblia e a mensagem cristã, que seu próprio contexto se modifica também. Esta atividade dialógica encarnacional é ampla, aberta e crescente, favorecendo profundas mudanças no contexto do povo na medida em que ele também encontra na Bíblia e na mensagem cristã aquilo que pode produzir as mudanças nas suas relações sociais, políticas, econômicas ou culturais locais.

Não é necessário fazer uma opção exclusiva por um dos modelos de prática da atividade dialógica. Normalmente, o contexto de um povo é complexo e plural o bastante para ser alcançado por uma somente das práticas acima. Ainda assim, o modelo da encarnação é ideal, pois dá autonomia ao povo para refletir sobre o que ouve acerca da Bíblia ou da mensagem cristã em seu próprio contexto e concluir pela melhor maneira de praticá-la dentro dele, em função da transformação de sua situação concreta.[19]

Percebe-se que praticar a teologia contextual requer entrega a uma atividade dialógica que não deixa de ter o seu preço para a igreja local que deseja ser relevante e eficaz para seu povo. A ideia é tão desejável, que poucos discordariam dela. No entanto, quais são as reais possibilidades da teologia contextual? Ela é apenas uma ideia desejável, ou tem se mostrado a alternativa para a elaboração de uma teologia evangélica relevante para os dias de hoje?

  1. AVALIANDO AS POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA CONTEXTUAL PARA OS DIAS DE HOJE

 

 

A necessidade de fazer uma teologia cada vez mais contextual é amplamente reconhecida nos dias atuais. As teologias contextuais produzidas desde e para o Terceiro Mundo no século passado foram reconhecidas como fôlego novo na Teologia universal cristã. A missão cristã recebeu ar novo e sobreviveu às mudanças radicais da segunda metade do século 20 exatamente devido à descoberta a importância do contexto para a missão.

A nova ordem global, multicultural e intercultural, afeta diretamente a igreja local sua fé cristã, obrigando-a a dialogar com e entre vários contextos ao mesmo tempo.

Duas avaliações representativas das possibilidades atuais da teologia contextual são apresentadas a seguir. A primeira diz respeito à sua recepção positiva nos círculos evangélicos, historicamente resistentes à teologia contextual.

É comum, hoje, que os evangélicos reconheçam a atenção ao contexto na formação teológica das lideranças das igrejas locais nas diversas partes do mundo na qual eles atuam.[20] Esta atenção diz respeito à composição dos cursos e seu conteúdo teológico oferecido aos estudantes; ao contexto no qual a mensagem bíblica será pregada; na busca de que os programas de formação teológica sejam  elaborados  e para os contextos dos estudantes; na procura de que a administração dos cursos, desde a direção, as finanças, o plano de aula, o ensino em sala de aula, as bibliotecas e os serviços aos estudantes sejam fornecidos considerando o contexto da vida que eles vivem.

Muitos teólogos da missão evangélicos apontam para a necessidade e importância da continuidade e expansão do movimento de contextualização da atividade missionária nos campos evangélicos de missão ao redor do mundo (WHITEMAN, 1997, p. 7). Darrel L. Whiteman se mostra entusiasmado com as possibilidades de uma atividade missionária cada vez mais contextual. Porém, constata que sua prática na atividade missionária está longe de ser reconhecida e mesmo localizada.

Para que ela aconteça efetivamente, é necessário um envolvimento não apenas dos teólogos e teólogas de missão, mas também das agências e igrejas enviadoras.

Para que isso aconteça, os evangélicos devem superar o receio histórico de que a contextualização conduza sua atividade missionária a um sincretismo, isto é, uma mistura entre as afirmações universais da teologia evangélica e as características locais de cada contexto, ou que desfigure as tradições, confissões e estruturas evangélicas.

Também é necessário que as agências e igrejas enviadoras dos missionários abandonem sua intenção em prolongar o seu domínio sobre as igrejas existentes ou iniciadas nos campos missionários, que persiste apesar do fim da dominação colonial. Esta renúncia deve contar com a colaboração dos próprios líderes locais das igrejas nos campos missionários, pois formados como eles foram sob o pensamento das antigas igrejas enviadoras, eles, por vezes, rejeitam seu próprio contexto e qualquer iniciativa de relacionar o Evangelho com ele.

Na opinião de Whiteman, o aprofundamento da contextualização no movimento missionário evangélico traria muitos benefícios para as igrejas enviadoras e para as igrejas fruto da sua atividade missionária. Ao constituírem igrejas locais desde e para seus contextos, a possibilidade de transformação deste contexto aumenta consideravelmente devido à presença desta igreja em meio à vida vivida pelo seu próprio povo. A reflexão da igreja local desde e para seu contexto possibilita o entendimento da Teologia cristã desde outras vivências, o que enriqueceria as igrejas e agências enviadoras. A presença do missionário em meio à igreja local se daria mediante sua introdução como parte do corpo de Cristo em um contexto diferente do seu, mas tão legítimo quanto o seu contexto de origem.

Até aqui, os evangélicos ainda não levaram a sério a elaboração de uma teologia verdadeiramente contextual. Estas condições colocadas por Whiteman são, todavia, preliminares e necessárias ao seu surgimento. Coube ao teólogo evangélico Harvie Cohnn (1990, p. 51-63) avançar para além deste ponto em busca de uma teologia evangélica contextual.

Para ele, a mensagem do Evangelho só obtém relevância e eficácia quando se observa o contexto no qual ela é anunciada.

Não se trata de apenas transferir as ideias cristãs de um lugar para outro, como propõe a maioria dos teólogos evangélicos, mas de compreender as características que o Evangelho assume em um contexto totalmente diferente. Trata-se de refletir teologicamente não desde posições já fixadas, mas de fazê-lo enquanto a caminho com aqueles com quem se deseja comunicar o Evangelho. No atual momento, já existe considerável elaboração teológica contextual realizada por teólogos evangélicos de diversos contextos ao redor do mundo. Estes deveriam ser ouvidos primeiro, no que eles têm a dizer quanto à necessidade de que suas igrejas de origem os ouçam e prestem atenção em seus contextos a fim de lidar corretamente com eles.

Segundo Cohnn (1990), as teologias contextuais já existentes são deliberadamente ocasionais, locais, provisórias, incompletas. Elas denunciam quanto condicionamento cultural está presente nas teologias ocidentais transportadas para as igrejas locais em outras partes do mundo. As teologias contextuais se dirigem ao contexto humano particular, e conduzem a apreciar as condições sociais, culturais e históricas deste contexto como determinantes para a elaboração de uma teologia relevante e eficaz para ele. Parte de sua tarefa tem sido buscar o diálogo com as religiões não-cristãs como parte do contexto de seus povos engajando-as em uma atividade dialógica frutífera. As teologias contextuais reorientaram a teologia para a missão, recuperando a importância da Teologia para este século.

Há um pensamento comum entre esses teólogos evangélicos sensíveis ao trabalho de seus colegas nos contextos anteriormente chamados de missão, de que é possível a elaboração conjunta de uma teologia evangélica global, também chamada transcontextual ou transcultural, que traga a contribuição dos vários contextos das igrejas evangélicas ao redor do mundo. Atento e sensível a esse processo contemporâneo, Paul Hiebert sugere a formação de uma comunhão mundial de crentes que, juntos, compartilhariam a missão da igreja e seriam capazes de perceber os preconceitos culturais em cada teologia contextual, inclusive a norte-americana e europeia, ajudando as igrejas locais de todos os contextos a criticar-se e edificar-se mutuamente, em uma espécie de teologia intercontextual. (HIEBERT, Idem, p. 218-219).

A outra avaliação positiva das possibilidades atuais da teologia contextual se encontra nos círculos ecumênicos do Protestantismo. Recentemente, Dietrich Werner avaliou o legado da contextualização para a formação teológica no ambiente ecumênico ao longo dos seus últimos 50 anos.[21] Dentro de seus próprios limites, sua conclusão não se diferencia no conteúdo da autocrítica efetuada nos círculos evangélicos acima. Ele afirma que

A contextualização na educação teológica foi e ainda é um clamor por autodeterminação e autoconfiança na educação teológica das igrejas no Sul Global ou amplamente falando nas igrejas dos marginalizados que não podem se ver como mero prolongamento dos mesmos modelos e padrões da teologia e da educação teológica oferecida ao longo do tempo pelas igrejas do Ocidente. O Cristianismo no sul Global tem se autodefinido como um Cristianismo com um rompimento hermenêutico, uma certa rachadura e descontinuidade com as tradições de suas igrejas-mãe. Portanto, as instituições estabelecidas de educação teológica no Ocidente não podem se ver mais no papel de autoridade globais e modelos-mestres compulsórios para todos, mas como muito mais no papel daqueles que agora estão sendo questionados por si mesmas sobre como elas veem sua própria relevância e sua contextualidade específica em seu próprio ambiente (WERNER, Idem, p. 9).

Segundo Werner, o compromisso para a formação teológica no século 21, no âmbito ecumênico, seria aprofundar o movimento da teologia contextual. Enquanto nos anos 70 e 80 ela partiu das situações sócio-políticas e religiosas como determinantes do contexto dos povos, hoje ela deve partir.

Das tradições culturais vivas, dos símbolos religiosos, das formas não-verbais de comunicação como as artes e a música, mas, principalmente, do crescente interesse em toda a parte pela espiritualidade.

O contexto da teologia contextual deve mudar para responder aos efeitos da globalização mundial que geraram uma sociedade global. Nesta, as pessoas se encontram em cada vez mais situações nas quais convivem em contextos distintos, mas juntos, ao mesmo tempo. Isso é verdadeiro também para as igrejas e também para a formação teológica das suas lideranças e de seus membros.

No século passado, a teologia contextual partia da ideia de que os contextos eram isolados entre si, e cada teologia contextual seria elaborada para um único e exclusivo contexto. Hoje, se sabe que isso não apenas não era verdadeiro quanto ao passado, como é absolutamente impossível no presente. As teologias não apenas trafegam em seu próprio contexto, mas também de um contexto para outro sem sair do mesmo espaço de um povo.

A troca contínua de vivências recebidas de diversos contextos, simultaneamente e velozmente, requer que a elaboração da teologia contextual esteja atenta às vivências das pessoas de diferentes conjuntos de interpretações  do mundo, de mentalidades diversas, de tradições espirituais e denominacionais várias, de igrejas e ministérios e agentes de evangelização e missão diversificados, mas todos incluídos, ainda que não integrados, em uma e mesma vivência atual.[22]

A teologia não pode ser mais contextual, porém intercontextual ou intercultural.

O projeto de uma teologia contextual contemporânea, denominado intercultural, têm avançado nos círculos ecumênicos a partir do diálogo contemporâneo realizado em seu âmbito entre fé cristã e cultura (KUSTER, 2005, p. 417-432). Ecoando esse projeto, Volter Kuster toma como exemplo a Associação de Teólogos do Terceiro Mundo – EATWOT, mostrando como, ao longo destas décadas, seus teólogos acrescentaram novas preocupações àquelas das origens. Nos anos 70, as questões contextuais que chamaram a sua atenção foram situações sócio-políticas, no caso da América Latina, Coreia e Japão, e religiosas, no caso da Ásia e África. Nos anos 90, somaram-se àquelas antigas preocupações, outras como as ecológicas, e as de gênero e raça. Ultimamente, eles têm demonstrado a preocupação de que seus contextos são compostos por várias dimensões, e têm orientado a elaboração teológica contextual nesta direção, mantendo o foco na “reconstituição da dignidade humana contra as condições miseráveis de vida, a consciência de gênero e o direito às diferenças religiosas e culturais” (KUSTER, Idem, p. 423).

A partir desse exemplo, Kuster afirma que o mesmo é válido para o contexto de qualquer teólogo e teóloga nos dias de hoje em qualquer contexto que atue. Não importa onde ele ou ela viva, viverá uma vida em meio a outras pessoas, e estas se relacionam com contextos distintos do seu. Elaborar a teologia é fazê-lo desde o encontro com estas pessoas considerando suas diversas vivências atuais. Não é possível escolher uma delas apenas e considerar que sua teologia atenderá apenas a uma vivência daquela pessoa. Ele ou ela deve perceber que somente mantendo juntas estas diversas vivências será possível elaborar uma teologia relevante e eficaz que seja reflexo da própria vida que as pessoas vivem. Assim, a teologia contextual não pode ser apenas contextual, deve ser intervivencial, isto é, reconhecer cada rosto que se dirige a ela e que deseja ver-se representada nesta teologia. Quanto mais inclusiva mais representativa deste tempo se tornará a teologia.

  1. A NECESSIDADE DE IGREJAS CONTEXTUAIS

 

Entretanto, existe uma barreira muito grande para a missão urbana que não está na cidade, nem nos residentes da cidade, mas está na igreja. A sensibilidade da maioria das igrejas e dos líderes evangélicos não é urbanas e, às vezes, é até antiurbana.  Muitos métodos ministeriais foram forjados fora dos centros urbanos e importados para eles, com pouca atenção dada às barreiras desnecessárias que se erguem entre habitantes da cidade e o Evangelho. Quando tais ministérios entram na cidade e se instalam, acham difícil evangelizar e ganhar seus moradores. Eles também acham difícil preparar os cristãos para a vida em um cenário pluralista, secular, culturalmente envolvente. Assim como a Bíblia precisa ser traduzida para o vocabulário dos leitores, o Evangelho precisa ser incorporado e comunicado de uma maneira compreensível para os residentes da cidade. Quais são as características de uma igreja contextualizada e nativa para a cidade?

Em um ministério urbano, as pessoas têm consciência das diferenças culturais entre grupos étnicos/raciais e classes socioeconômicas, embora quem viva em lugares mais homogêneos (qualquer lugar é culturalmente mais homogêneo do que uma cidade grande), geralmente não enxerga como muitas das suas atitudes e de seus costumes são particulares à sua raça ou classe. Em suma, líderes eficazes da igreja urbana são muito mais educados e conscientes das perspectivas e sensibilidades dos diferentes grupos étnicos, religiosos, de classes e raciais. Moradores urbanos sabem como diferentes grupos podem usar palavras idênticas para falar algo de significado diferente. Consequentemente, eles são muito circunspectos e cuidadosos ao abordarem questões que grupos raciais veem diferentemente.

Segundo, ministérios evangélicos tradicionais tendem a ajudar pouco os crentes no entendimento de como manter sua prática cristã do lado de fora das paredes da igreja, participando das artes e teatro, negócios e finanças, escola e aprendizado, governo e política. Longe dos grandes centros, pode ser mais praticável uma vida em concomitância com o discipulado cristão, que consiste em grande parte de atividades à noite ou nos finais de semana. Isso não funciona nas grandes cidades, onde as pessoas vivem a maior parte do tempo dedicadas à carreira profissional ou às longas horas de jornada de trabalho.

Terceiro, a maioria dos membros das igrejas evangélicas são da classe média em suas culturas corporativas. As pessoas valorizam privacidade, segurança, homogeneidade, sentimentos, espaço, ordem e controle. Por outro lado, a cidade grande é cheia de pessoas irônicas, irritadas, amantes da diversidade e que têm uma tolerância muito maior com ambiguidade e desordem. Se os ministros da igreja não conseguirem trabalhar dentro da cultura da grande cidade, e, em vez disso, criarem um tipo de “complexo missionário” não-urbano, vão descobrir que não conseguem alcançar, converter, nem incorporar pessoas da sua vizinhança.

Quarto, geralmente, a igreja não-urbana está situada em vizinhança razoavelmente funcional, onde os sistemas sociais são fortes ou, pelo menos, intactos. Os bairros das grandes cidades são muito mais complexos do que de outros lugares. Entretanto, ministros urbanos eficientes descobrem como interpretar sua vizinhança. Além disso, igrejas urbanas não interpretam suas vizinhanças simplesmente para atingir grupos para evangelismo, apesar de este ser um dos seus objetivos. Eles buscam maneiras de fortalecer a saúde de suas vizinhanças, tornando-as mais seguras e lugares mais humanos para se viver. Isso é buscar o bem-estar da cidade, no espírito de Jeremias 29.

Com frequência, igrejas liberais tradicionais desenvolvem missões estritamente voltadas para a melhoria social. O objetivo delas é fazer da cidade uma sociedade mais justa e humana por meio de justiça econômica e social e do bem comum. Isto é certo em parte. Frequentemente, igrejas conservadoras tradicionais desenvolvem missões estritamente voltadas para o crescimento da igreja. O objetivo delas é crescer e aumentar a igreja de Deus dentro da cidade grande, por meio do aumento de conversões e do poder das igrejas. Em parte, isso é correto. No entanto, estas duas coisas devem ser combinadas, porque sozinhas vão fracassar. Você não pode servir a cidade sem um número constante de novos convertidos, transformados e capacitados por uma experiência de graça: o novo nascimento. Por outro lado, o crescimento da igreja sofrerá uma interrupção se as igrejas forem cheias de pessoa que ignoram ou são hostis ao bem comum de seus vizinhos. A igreja que só “faz o bem” para os da fé, e não para “todos” (Gal 6:10) será vista (Com razão!) como tribal e sectária. Se os pagãos não virem “suas boas obras” não “glorificarão a Deus”, ou pelo menos não na mesma proporção. Ironicamente, se as igrejas urbanas colocam toda sua energia no evangelismo, e não atendem às necessidades da cidade, seu evangelismo será muito menos eficaz. Uma experiência de graça leva a uma vida dedicada a obras de serviço para o necessitado (Is 1:10-18; 58:1-10; Tiago 2:14-17). Deus disse aos israelitas que eles deveriam servir às necessidades do pobre “estrangeiro”— pode ser incrédulo — porque os próprios israelitas foram estrangeiros no Egito, mas Ele os libertou (Deut 10:19). Uma experiência de graça deve sempre levar a amar, principalmente, o seu próximo pobre e incrédulo.

Biblicamente, uma experiência da graça salvadora através do evangelismo leva ao compartilhamento radical de riqueza e ajuda ao necessitado. E quando o mundo vê esse compartilhamento, que “não há pessoas necessitadas entre eles” (Atos 4:34), o testemunho evangelístico se torna mais poderoso (Atos 4:33). Assim, praticar a justiça e pregar a graça caminham de mãos dadas, não somente na experiência individual cristã, mas também no ministério e na eficácia da igreja urbana (STARK, 1997, p. 161-162).

  1. CONCLUSÃO

 

 

A proposta deste primeiro capitulo foi reconhecer a contextualidade da atividade teológica. Toda teologia é, naturalmente, contextual, por mais espalhada que ela esteja por toda a parte isto é, toda teologia é elaborada desde e para um determinado contexto.

Especificamente, porém, o contexto diz respeito à totalidade da realidade histórica de um povo em dado momento, qual a igreja local também faz parte. Contudo, o interesse da teologia contextual não está na situação histórica, mas na vida vivida dentro dela Isto é, ela pretende interpretar teologicamente a vivência humana em determinado contexto, de modo a fazer relevante e eficaz a mensagem do Evangelho e a fé cristã nas diversas situações de vida daquelas pessoas. Desde que o contexto é situado historicamente, ele tende mudar na medida em que a história de determinado povo também muda ao longo do tempo. Desse modo, a elaboração da teologia contextual na segunda metade do século passado, quando surgiu como movimento organiza do para e dentro do Terceiro Mundo considerou como determinantes a situação social, econômica, politica e religiosa das pessoas. Estas eram as preocupações do momento.

Ao final do século 20, esses interesses evoluíram para incluir a situação de determinados grupos de pessoas que viviam suas vidas praticamente à margem  de um povo, ainda que no mesmo território, ou porque formavam grupos pouco representativos dentro dele, como os grupos indígenas. Ou porque, mesmo sendo em grande número, esses grupos não eram considerados iguais em seus direitos e oportunidades, como as mulheres, por exemplo.

Neste início de século 21, a teologia contextual passou a considerar os múltiplos contextos vivenciados por um povo, de modo simultâneo e imediato. Isto é chamado de multiculturalismo. Reconhece, ainda, que um povo não apenas experimenta seu contexto próprio, mas o contexto de outros povos também, como resultado da globalização, que não é apenas econômica ou capitalista, mas também cultural. Isto é chamado interculturalismo.

Desde que cada igreja vivencia o contexto no qual se localiza, ela experimenta o choque dessas duas grandes mudanças globais: o multiculturalismo local e o interculturalismo global; Seu grande desafio, portanto, é a elaboração de uma teologia multicultural  e intercultural, de modo que as diversas relações do contexto  se sintam representados e integrados na teologia textual praticada pela igreja local desde e para seu contexto.

Para cumprir essa tarefa, não carece de mudar o modo de elaborar a teologia contextual fundada na atividade dialógica. A atividade da igreja local, com a ajuda de seus teólogos e teólogas, continua sendo de identificar o seu contexto, interagir com ele por meio da conversação a fim de encarnar a teologia desde e para sua vivência local, considerando a nova ordem global multicultural e intercultural. Nesta, deve acontecer a formação teológica das igrejas e seus líderes, a continuidade da missão cristã e o amadurecimento das teologias contextuais presentes nas diversas partes do mundo

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[1] Roberto dos Santos, pós-doutorando em Estudos de Religião pela Universidade Católica Portuguesa (UCP).

[2] Brandt aponta para dois congressos, independentes entre si, onde o termo contexto aparece como chave da elaboração teológica: “Teologia em Contexto” no Canadá, em 1967; e “Teologia dogmática ou contextual”, em Bossey, em 1971.

[3] Ela traduz a inglesa: context, a alemã: kontext, a francesa: contexte e a italiana contesto. (FARIA, 1975, p. 245); (HOU­ AISS, 2001, p. 818).

[4] Nas Ciências Sociais, em especial na Etnometodologia, usa-se a expressão contexto indicativo para designar que: “o significado da linguagem e da ação depende da situação social em que ocorrem. Em outras palavras, podemos concluir que o significado indica o contexto”. (JOHNSON, 1997, p. 52).

[5] Sobre a Linguística Pragmática, ver: MUSSALIM Fernanda, BENTES Ana Christina. Introdução à LinguísticaDomínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001, v. 2, p. 47-68.

[6] Sobre a Análise do Discurso, ver: Idem, p. 101-142.

[7] O texto de Stephen Be­ vans, Models ef Contextual Theology, no qual se apóia Cervera Conte, acrescenta que a emergência das Teologias contextuais deriva de uma nova ênfase no sujeito historicamente situado. (CONTE, 2006, p. 147).

[8] Ele consta de uma carta-circular de Nikos A. Nissiotis, Diretor do Instituto Ecumênico do Conselho Mundial de Igrejas – WCC, sobre a realização da consulta: Teologia Dogmática ou Contextual, em 1971. Nesta carta, ele colocou a possibilidade de uma teologia contextual, também denominada experimental, “que brota do cenário e pensamento históricos contemporâneos, em contraste com as teologias sistemáticas ou dogmáticas, cujo fundamento pode ser descoberto na tradição bíblica e nas declarações confessionais baseadas no texto bíblico”. (HESSELGRAVE, 1988, p. 346-348.

[9] Ignácio Cervera Conte entende que o termo contextualização existe desde os anos 60. Seu uso vinculado à Teologia ocorre a partir dos anos 70, em relação com a obra Christ in Philippine Context (1971). Generaliza-se a partir do congresso teológico de Dar es Salaam, de 1976, que desemboca na fundação da Ecumenical Association of Third World Theologians. O termo é específico do mundo de fala inglesa, que emprega, ainda, outros nomes, como: indigenização, inculturação, localização; contudo, prevaleceu contextualização, sob uso de missionários norte-americanos em missão no Terceiro Mundo. (CONTE, 2006, p. 146).

[10] Seguiremos o roteiro de análise estabelecido em: LONGUINI NETO, Luiz. Educação Teológica Contextualizada. Análise e interpretação da presença da ASTE no Brasil. São Paulo: ASTE, 1991.

[11] Herman Brandt indicou a palavra povo como a mais fundamental para definir o contexto de uma teologia contextual. (BRANDT, 1999, p. 167).

[12] Kwan advoga que a proposta da contextualização para a Ásia foi e sempre será cultural, medida em termos da religiosidade asiática, no esforço de valorizar uma cultura que carece de afirmação perante as nações e igrejas do Ocidente. Isto não significou que não se desenvolveram teologias contextuais da libertação no continente asiático, como comprovam a teologia Minjung, na Coreia e Japão, e a teologia Dálit, na Índia. (KWAN, 2005, p. 238,239).

[13] Segundo ele, as expressões orais e escritas da “Teologia Negra” que tem aparecido nos anos recentes tanto nos Estados Unidos quanto na África do Sul são importantes exemplos de esforços de indivíduos e grupos negros para interpretar os motivos bíblicos e cristãos no contexto de sua própria experiência africana ou afro­ americana. (BRYANT, 1975, p. 16).

[14] Para David Bosch, corre-se o risco de, ao vincular a ação de Deus no mundo a processos históricos e sociais localizados, universalizar o contexto local e impor os seus resultados aos demais contextos. (BOSCH, Op. cit., p. 503-516).

[15] Alguns teólogos representativos desta postura evangelical quanto à contextualização da teologia são: NICHOLLS, Bruce J. Contextualização. Uma teologia do Evangelho e da Cultura. São Paulo: Vida Nova, 1983; “Mission Theology in Context”. ln: VAN ENGEN, Charles. Mission on the Wcry. Grand Rapids: Baker Book, 1996, p. 71-89.

[16] Desde essa perspectiva, os evangelicais se inclinaram a criticar o movimento de contextualização desenvolvido no âmbito do WCC, enquanto se interessavam em desenvolver seu próprio conceito e metodologia de contextualização. Para David Hesselgrave, a contextualização, conforme assumida pelo WCC, significou a adoção da agenda do mundo como agenda da igreja, a exegese bíblica foi substituída pela prática da igreja no mundo, e a participação na tarefa missionária da igreja do Novo Testamento foi substituída pela ação de Deus no mundo. Isso levou à supervalorização das aná­ lises dos contextos culturais e sócio-políticos, com a consequente redução do papel normativo da exegese gramático-histórica e dos credos cristãos para a produção teológica nos contextos locais. Para Hesselgrave, os evangelicais conservadores ofereceram uma alternativa de contextualização da Teologia à altura no Congresso de Evangelização Mundial, em Lausanne (1972) e no Relatório de Willowbank (1974). Conforme Hesselgrave: “O objetivo final da comunicação missionária tem sido sempre apresentar a mensagem supracultural do Evangelho em termos culturalmente relevantes”. (HESSELGRAVE; ROMMEN, 1988, p.1).

[17] Para Bonino: “elas mesmas são resultado de encontros anteriores, de condições mutantes, de transculturações e inculturações, e que estão sendo constantemente modificadas por esses mesmos fatores”. (1997, p. 93).

[18] Bevans descreve um modelo como: “… construções (abstrações) que são úteis para  atravessar  através da complexidade do empreendimento da contextualização, e estas construções não devem ser consideradas, de modo algum, como exclusivas. Eles indicam para vários modos complementares de abordar e entender a contextualização da teologia”. A proposta de Bevans foi adaptada, posteriormente, por Cervera Conte. (BEVANS, Op. cit., p.187).

[19] Em uma reflexão recente sobre a taxonomia dos modelos de contextualização, Marc Cortez defende que os modelos formais existentes não consideram a natureza dos diversos discursos teológicos. Para Cortez, a natureza do discurso teológico introduz um terceiro polopolo que rompe a dicotomia bipolar procurando manter o equilíbrio dialético entre os polopolos. A natureza do discurso teológico é conceitua!. Cortez une os níveis do discurso teológico aos modelos contextuais e às noções de conceitos elaborando uma classificação tripolar. Dessa maneira, ele constitui um modelo mais amplo de contextualização, como segue: 1) Asserção ­ Paradigma – Tradução, onde as afirmações bíblicas se constituiriam nos paradigmas a serem traduzidos para o contexto que se tem em vista; 2) Inferência-Modelo-Síntese, onde as inferências das afirmações bíblicas seriam adaptadas aos modelos fornecidos pelo contexto que se tem em vista efetuando uma síntese entre eles; 3) Especulação-Teoria-Práxis, onde as conclusões às quais os modelos conduzem são informação vital em função da ação no contexto que se tem em vista (CORTEZ, 2005, p. 85-102).

[20] Ver o Manifesto on the Renewal of Evangelical Theological Education, de 1983, e republicado em 1990, do Conselho Internacional para a Educação Teológica Evangelical, ICETE. Acesso em: www.icete­ edu.org/ manifesto.html.

[21] WERNER Dietrich. Ecumenical Learning in Global Theological Education – Legacy and unfinished tasks of Edinburgh 1910. Or: Contextuality, Inter-Contextuality and Ecumenicity as key mandates for ecumenical theological education in the 21st century: 10 historical and systematic aspects. Esta é uma palestra apresentada originalmente na Escola Superior de Estudos Ecumênicos, no Instituto Ecumênico de Bossey, em 9 de Novembro de 2007e que pode ser acessada por meio do site www.oikoumene.org.

[22] Werner insiste que “os teólogos sejam bilíngues, não apenas literalmente, mas em termos de sua capacidade para reagir e comunicar em pelo menos dois diferentes conjuntos de cosmovisões, mentalidades culturais e formas diferentes de tradições espirituais e denominacionais, bem como encarnar o entendimento de uma igreja e ministério verdadeiramente multifacetados.” (WERNER, Op. Cit., p. 16).

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