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SOBREPOSIÇÕES CLINICAS ENTRE TRANSTORNO DO ESPECTO AUTISTA E TRANSTORONO BIPOLAR: ENTRE CRISES E SILÊNCIOS, SINTOMAS COMPARTILHADOS E DIAGNÓSTICOS EQUIVOCADOS

por Angelo Ribeiro Froes

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Anderson Silveira1

Ângelo Ribeiro Fróes2

 

SOBREPOSIÇÕES CLINICAS ENTRE TRANSTORNO DO ESPECTO AUTISTA E TRANSTORONO BIPOLAR: ENTRE CRISES E SILÊNCIOS, SINTOMAS COMPARTILHADOS E DIAGNÓSTICOS EQUIVOCADOS

 

Clinical overlaps between autistic spectrum disorder and bipolar disorder: Between crises and silences, shared symptoms and mistaken diagnoses

 

Resumo

 

Este artigo aborda as sobreposições clínicas entre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno Bipolar (TB), com foco nos desafios diagnósticos gerados por sintomas compartilhados, como alterações de humor, impulsividade, isolamento social e rigidez comportamental. A complexidade se intensifica diante da similaridade de manifestações clínicas, especialmente em fases iniciais ou quando o paciente apresenta comorbidades. A partir de uma análise teórica e de um estudo de caso clínico, o trabalho discute os critérios diagnósticos, as limitações dos instrumentos de avaliação e a importância do olhar clínico qualificado para evitar diagnósticos equivocados. Ressalta-se que o diagnóstico preciso depende de uma escuta atenta, de uma equipe interdisciplinar e de uma compreensão profunda das nuances subjetivas de cada quadro. Conclui-se que o equívoco entre crises emocionais e silêncios comunicacionais pode comprometer o tratamento, sendo necessário investir em formação continuada para profissionais da saúde mental.]

 

 

Palavras-chave: Autismo. Transtorno Bipolar. Diagnóstico Diferencial. Saúde Mental. Clínica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 Doutor em Psicologia Clinica, artigo publicado na EBWU no Curso de Doutorado em Psicologia como trabalho  cientifico. E-mail:and.tec@hotmail.com / asqualidadedevida@asterapiaetreinamento.com

2 Orientador, professor doutor.

 

INTRODUÇÃO

 

O diagnóstico diferencial entre Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno Bipolar (TB) representa um desafio clínico significativo. A sobreposição de sintomas, como alterações de humor, impulsividade, dificuldades sociais e sensoriais, pode levar a confusões diagnósticas. Este artigo tem como objetivo discutir as principais semelhanças e diferenças entre os dois transtornos, ressaltando a importância de uma avaliação cuidadosa e multidisciplinar.

Embora o Transtorno do Espectro Autista seja tradicionalmente identificado por déficits na comunicação social e por comportamentos repetitivos e restritivos, muitos indivíduos, especialmente adolescentes e adultos, manifestam oscilações emocionais intensas que podem ser confundidas com sintomas típicos do Transtorno Bipolar. Por sua vez, o TB, caracterizado por episódios de mania e depressão, pode apresentar-se com traços comportamentais que lembram o espectro autista, como retraimento social, dificuldades de regulação emocional e rigidez de pensamento.

Essa intersecção sintomática pode levar a diagnósticos imprecisos, atrasos no tratamento adequado e impactos significativos na qualidade de vida dos pacientes. A ausência de marcadores biológicos claros e a dependência de critérios clínicos tornam ainda mais necessária uma abordagem abrangente, que considere o histórico de desenvolvimento, o contexto familiar, e as particularidades subjetivas de cada indivíduo.

Neste sentido, o presente estudo propõe uma análise crítica das fronteiras clínicas entre o TEA e o TB, buscando oferecer subsídios teóricos e práticos para profissionais da saúde mental que enfrentam o desafio de diferenciar essas condições em contextos de atendimento psicológico e psiquiátrico.

Este artigo aborda as sobreposições clínicas entre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno Bipolar (TB), evidenciando os desafios enfrentados no processo de diagnóstico diferencial. Ambas as condições compartilham manifestações como irritabilidade, oscilações de humor, impulsividade, rigidez comportamental, dificuldades de regulação emocional e isolamento social, o que pode gerar confusão diagnóstica, especialmente em adolescentes e adultos. A ausência de marcadores biológicos específicos e a complexidade das manifestações subjetivas tornam o processo avaliativo ainda mais delicado, exigindo uma escuta clínica qualificada e contextualizada.

Por meio de revisão teórica e apresentação de estudo de caso, este trabalho discute a importância da anamnese detalhada, do uso de instrumentos padronizados e da atuação interdisciplinar no reconhecimento dos critérios que diferenciam ambos os transtornos.

 

 

Considera-se que a confusão entre crises emocionais do TB e os silêncios comunicacionais do TEA pode levar a intervenções equivocadas, comprometendo o prognóstico e a adesão ao tratamento. Assim, destaca-se a necessidade de capacitação contínua dos profissionais da saúde mental para que se reconheçam os limites e as intersecções entre essas condições.

 

2. O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por déficits persistentes na comunicação social e por padrões restritos, repetitivos e inflexíveis de comportamento, interesses ou atividades. Essas manifestações tendem a aparecer precocemente, ainda na infância, e interferem significativamente no funcionamento adaptativo do sujeito. Já o Transtorno Bipolar (TB) é um transtorno do humor que envolve episódios distintos de mania, hipomania e/ou depressão, marcados por alterações intensas de energia, impulsividade, autoestima, pensamento acelerado e comportamentos de risco ou retraimento extremo.

Contudo, na prática clínica, observa-se uma zona de sobreposição sintomática entre os dois quadros. Tanto crianças quanto adultos com TEA podem vivenciar episódios de desregulação emocional, crises de raiva, impulsividade e comportamentos disruptivos — o que pode ser interpretado como sinais de mania. Da mesma forma, em quadros bipolares, sobretudo na infância e adolescência, é comum a presença de dificuldades na interação social, isolamento, pensamento literal e interesses peculiares, o que pode evocar o espectro autista aos olhos de um observador menos experiente.

Estudos recentes têm demonstrado que muitos indivíduos autistas, especialmente os que se encontram nos níveis mais leves do espectro (antigamente descritos como síndrome de Asperger), são erroneamente diagnosticados com Transtorno Bipolar, resultando em tratamentos medicamentosos inadequados e ineficazes. Essa confusão é agravada pela variabilidade de sintomas ao longo do tempo, pela falta de conhecimento clínico sobre a apresentação atípica do autismo em adultos, e pela pouca integração entre abordagens psiquiátricas e psicossociais.

Por outro lado, pacientes com TB podem apresentar, durante episódios depressivos mais profundos, retraimento social, hipersensibilidade a estímulos e dificuldade de expressão emocional — características frequentemente associadas ao TEA. A ausência de uma linha do tempo clara quanto ao início e evolução dos sintomas contribui para erros diagnósticos, que impactam diretamente na eficácia do tratamento e na saúde mental do paciente.

 

 

 

A avaliação diagnóstica, portanto, precisa ir além da sintomatologia momentânea. É fundamental considerar aspectos do desenvolvimento infantil, histórico familiar de transtornos neuropsiquiátricos, contextos ambientais, funcionamento escolar e social, além da aplicação de instrumentos padronizados. Testes neuropsicológicos, entrevistas clínicas estruturadas e a observação longitudinal do comportamento são ferramentas imprescindíveis para diferenciar os dois transtornos, considerando suas especificidades e suas possíveis comorbidades.

A atuação de uma equipe multidisciplinar — composta por psicólogos, psiquiatras, neuropsicopedagogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais — amplia a possibilidade de uma escuta clínica mais precisa e evita interpretações simplistas. É necessário compreender que tanto o TEA quanto o TB podem coexistir em um mesmo indivíduo, o que exige ainda mais cuidado na formulação diagnóstica e no delineamento do plano terapêutico. O desenvolvimento contínuo da sensibilidade clínica e da formação técnica dos profissionais é indispensável para o avanço na precisão diagnóstica e na garantia de um cuidado ético e efetivo.

 

2.1. Transtorno do Espectro Autista (TEA)

 

O Transtorno do Espectro Autista é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits persistentes na comunicação social e na interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Os sinais geralmente surgem nos primeiros anos de vida, embora possam variar em intensidade e apresentação. Indivíduos com TEA podem apresentar dificuldades em compreender normas sociais, interpretar emoções e manter relacionamentos interpessoais, bem como demonstrar hiper ou hiposensibilidade a estímulos sensoriais.

Além das manifestações clássicas, o TEA frequentemente se associa a desafios emocionais, como ansiedade, irritabilidade e crises emocionais, que podem ser confundidas com sintomas de transtornos do humor. A complexidade do quadro exige uma avaliação detalhada, considerando o histórico do desenvolvimento, o contexto familiar e escolar, além do uso de escalas específicas para autismo, como o ADOS-2 (Autism Diagnostic Observation Schedule) e o ADI-R (Autism Diagnostic Interview-Revised).

O reconhecimento precoce e o diagnóstico correto são essenciais para o desenvolvimento de intervenções eficazes e individualizadas.

   

  1. 2. Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)

 

O Transtorno Afetivo Bipolar é uma condição psiquiátrica caracterizada por alterações cíclicas e marcantes do humor, que se manifestam em episódios de mania, hipomania e depressão. Esses episódios são acompanhados por mudanças na energia, no comportamento, no pensamento e na capacidade funcional do indivíduo. Durante as fases maníacas, o paciente pode apresentar euforia, impulsividade, insônia e aumento da atividade dirigida a objetivos, enquanto os episódios depressivos são marcados por tristeza profunda, anedonia e retraimento social.

No entanto, o TAB apresenta heterogeneidade em sua apresentação clínica, principalmente em crianças e adolescentes, que podem apresentar sintomas atípicos e sobreposições com outros transtornos neurodesenvolvimentais. A avaliação diagnóstica do TAB baseia-se em critérios estabelecidos pelo DSM-5, com ênfase na identificação da duração e intensidade dos episódios, além da exclusão de outras condições médicas e psiquiátricas. A compreensão do padrão temporal dos sintomas é fundamental para diferenciar o TAB de outros transtornos com manifestações semelhantes, como o TEA.

 

  1. 3. Fatores genéticos para o Transtorno do Espectro Autista (TEA)

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é amplamente reconhecido como uma condição multifatorial, na qual fatores genéticos desempenham um papel central na sua etiologia. Estudos de famílias, gêmeos e investigações moleculares têm evidenciado que o componente hereditário é significativo, embora a complexidade genética envolva múltiplos genes e interações ambientais.

Pesquisas com gêmeos mostram que a concordância para TEA é substancialmente maior entre gêmeos monozigóticos (idênticos) do que dizigóticos (fraternos). Estimativas sugerem que a herdabilidade do TEA varia entre 60% a 90%, indicando uma forte influência genética. No entanto, a heterogeneidade fenotípica do TEA sugere que diferentes combinações de variantes genéticas podem levar a manifestações clínicas variadas.

Do ponto de vista molecular, foram identificadas diversas mutações e variantes genéticas associadas ao TEA, incluindo alterações em genes envolvidos no desenvolvimento neuronal, sinapse, comunicação celular e regulação da expressão gênica. Exemplos notáveis incluem mutações nos genes SHANK3, NRXN1, CNTNAP2 e MECP2, entre outros. Essas mutações podem ocorrer em forma de variantes hereditárias ou mutações de novo, que surgem espontaneamente no indivíduo e não são encontradas nos pais.

Além disso, síndromes genéticas específicas, como a síndrome do X-frágil, a síndrome de Rett e a esclerose tuberosa, apresentam alta prevalência de sintomas autistas, o que reforça a importância dos fatores genéticos no quadro clínico do TEA.

Entretanto, a complexidade genética do TEA não se limita a um único gene ou mutação. Acredita-se que uma combinação de múltiplas variantes genéticas de pequeno efeito, somadas a fatores ambientais, contribuem para o risco global de desenvolvimento do transtorno. Entre os fatores ambientais considerados estão infecções maternas durante a gravidez, exposição a toxinas, prematuridade e complicações perinatais, que podem interagir com a predisposição genética.

O avanço das técnicas de sequenciamento genético e estudos de associação genômica ampla (GWAS) tem possibilitado a identificação de novas variantes e a compreensão mais detalhada dos mecanismos biológicos subjacentes ao TEA. Contudo, o desafio atual reside em integrar esses dados genéticos à prática clínica para melhorar o diagnóstico precoce, prognóstico e desenvolvimento de intervenções terapêuticas personalizadas.

Em suma, os fatores genéticos representam um pilar fundamental na compreensão do TEA, sendo imprescindível continuar investindo em pesquisas que desvendem as complexas interações genético-ambientais que determinam a manifestação desse transtorno neurodesenvolvimental.

 

  1. 4. Fatores genéticos para o Transtorno de Afetivo Bipolar (TAB)

 

O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é uma doença psiquiátrica complexa e multifatorial, caracterizada por alterações significativas no humor, que vão desde episódios maníacos ou hipomaníacos até quadros depressivos profundos. Assim como em muitos transtornos psiquiátricos, a genética desempenha um papel fundamental na vulnerabilidade ao desenvolvimento do TAB, embora o mecanismo exato da hereditariedade ainda não esteja totalmente elucidado.

Estudos de famílias, gêmeos e adoção fornecem evidências robustas de que o TAB possui alta herdabilidade, estimada em aproximadamente 60% a 85%. Gêmeos monozigóticos apresentam uma concordância muito maior para TAB do que gêmeos dizigóticos, reforçando a influência genética no transtorno. Além disso, a presença de familiares de primeiro grau com TAB aumenta significativamente o risco de manifestação da doença.

Do ponto de vista molecular, diversos genes têm sido associados ao TAB, embora nenhum gene isolado seja determinante para o diagnóstico. A hipótese atual sustenta que o TAB resulta da interação de múltiplos genes de pequeno efeito, envolvendo sistemas neuroquímicos relacionados à regulação do humor, como os neurotransmissores serotonina, dopamina e noradrenalina.

Genes ligados a esses sistemas, assim como aqueles relacionados à sinalização intracelular e regulação do estresse, têm sido foco de pesquisas.

Estudos de associação genômica ampla (GWAS) têm identificado loci genéticos associados ao TAB, incluindo variações em genes como CACNA1C (envolvido em canais de cálcio), ANK3 (relacionado à estrutura do citoesqueleto) e ODZ4, entre outros. Essas descobertas apontam para uma base genética heterogênea e poligênica, sugerindo que múltiplas vias biológicas estejam envolvidas na patogênese do transtorno.

Além dos fatores genéticos, evidências indicam que interações gene-ambiente são essenciais para o desencadeamento do TAB. Fatores ambientais como estresse psicossocial, trauma precoce, uso de substâncias e infecções podem atuar como gatilhos em indivíduos geneticamente predispostos.

A complexidade genética do TAB também se reflete na variabilidade clínica observada, incluindo diferenças na idade de início, gravidade dos episódios, padrão cíclico e resposta ao tratamento. Isso dificulta a identificação de biomarcadores precisos e exige abordagens personalizadas para diagnóstico e manejo clínico.

Por fim, o aprofundamento no conhecimento dos fatores genéticos envolvidos no TAB não apenas contribui para a compreensão dos mecanismos neurobiológicos do transtorno, mas também abre caminhos para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas inovadoras e para a prevenção em populações de risco elevado.

 

2.5.  RECONHECIMENTO E AVALIAÇÃO DO PACIENTE TEA E TAB

 

O processo de reconhecimento e avaliação clínica dos pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) exige uma abordagem cuidadosa, multidimensional e sensível à complexidade que envolve a apresentação desses transtornos. Ambos compartilham manifestações sintomáticas que podem levar a confusões diagnósticas, especialmente em estágios iniciais do acompanhamento ou em contextos de comorbidades.

No caso do TEA, o reconhecimento precoce é fundamental para o desenvolvimento de intervenções eficazes. Os primeiros sinais geralmente aparecem nos primeiros anos de vida e envolvem atrasos no desenvolvimento da linguagem, dificuldades na interação social, comportamentos repetitivos, resistência à mudança e hipersensibilidade sensorial. A avaliação diagnóstica deve incluir observações clínicas diretas, entrevistas com familiares, histórico de desenvolvimento e aplicação de instrumentos padronizados, como o ADOS-2 (Autism Diagnostic Observation Schedule) e o ADI-R (Autism Diagnostic Interview-Revised), além de escalas como o CARS (Childhood Autism Rating Scale).

Por sua vez, o diagnóstico do TAB é mais desafiador na infância e adolescência, pois os episódios de mania podem se manifestar de forma atípica, como agitação, irritabilidade extrema, impulsividade e comportamentos desorganizados — aspectos que também podem estar presentes no TEA. Em adultos, o reconhecimento do TAB costuma seguir os critérios do DSM-5, que define episódios maníacos, hipomaníacos e depressivos com base na duração, intensidade e impacto funcional dos sintomas. A avaliação deve contemplar entrevistas estruturadas, como a SCID (Structured Clinical Interview for DSM Disorders), além da análise do histórico familiar e pessoal de transtornos do humor.

Em ambos os casos, a escuta clínica qualificada é indispensável. Os profissionais devem considerar o contexto familiar, o histórico educacional, os fatores ambientais e os aspectos subjetivos de cada paciente. Muitas vezes, comportamentos como isolamento, explosões emocionais, alterações de sono e crises de ansiedade podem ser interpretados de formas distintas conforme o viés da formação do avaliador, o que exige uma postura ética, interdisciplinar e atualizada.

Outro ponto fundamental na avaliação é a possibilidade de coexistência dos dois transtornos — isto é, um mesmo paciente pode apresentar simultaneamente TEA e TAB. Nesses casos, é imprescindível uma equipe multiprofissional composta por psiquiatras, psicólogos, neurologistas, terapeutas ocupacionais e pedagogos, a fim de garantir um diagnóstico preciso e uma intervenção mais eficaz e ajustada às necessidades reais do sujeito.

Por fim, tanto para o TEA quanto para o TAB, o diagnóstico não deve ser encarado como um rótulo, mas como uma ferramenta clínica que favorece o autoconhecimento, a organização do cuidado e a orientação adequada para o desenvolvimento emocional, social e funcional do paciente ao longo da vida.

 

 

Quadro Comparativo: TEA x TAB – Aspectos Clínicos para Reconhecimento e Avaliação

Aspectos Transtorno do Espectro Autista (TEA)      Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)
Início Infância precoce (geralmente antes dos 3 anos) Adolescência ou início da idade adulta (mas pode surgir na infância)
Comunicação Social Déficits persistentes na interação e na linguagem social Pode haver retraimento social durante episódios depressivos
Humor Estável, mas pode haver crises de irritabilidade e ansiedade Oscilação entre mania/hipomania e depressão, com períodos de humor estável
Padrões de Comportamento Repetitivos, restritos e inflexíveis Impulsividade, comportamentos de risco (em mania), lentificação (em depressão)
Sono Alterações frequentes desde a infância Insônia durante a mania, hipersonia na depressão
Sensibilidade Sensorial Hiper ou hipossensibilidade sensorial Pode ocorrer, mas não é característica central
Função Cognitiva Pode variar: de déficit intelectual a altas habilidades Normal ou com prejuízo durante fases agudas do transtorno
Curso do Transtorno Contínuo, com intensidade variável ao longo da vida Episódico, com recaídas e remissões
Resposta a Medicação Pouca resposta a estabilizadores de humor e antipsicóticos Boa resposta a estabilizadores de humor (ex: lítio) e antipsicóticos atípicos

 

2.6. QUAIS SÃO OS PASSOS PARA FAZER O DIAGNÓSTICO DO TEA?

Os passos para fazer o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) envolvem uma avaliação clínica minuciosa e multidisciplinar, baseada em critérios estabelecidos por manuais diagnósticos como o DSM-5-TR e o CID-11. O processo deve considerar o desenvolvimento da criança, os comportamentos observáveis e o contexto social e familiar.

Abaixo estão os principais passos estruturados:

  1. Levantamento do Histórico de Desenvolvimento
  • Anamnese detalhada com os pais ou cuidadores, incluindo:
    • Marcos do desenvolvimento (linguagem, socialização, coordenação motora)
    • Comportamentos repetitivos, hiperfoco, reações a mudanças
    • História familiar de TEA ou outros transtornos do neurodesenvolvimento
  1. Observação Clínica Direta
  • Análise da comunicação verbal e não verbal, contato visual, reciprocidade social e comportamentos atípicos.
  • Observação da brincadeira simbólica, interação com o ambiente e com outras pessoas.

 

  1. Aplicação de Instrumentos Padronizados
  • Utilização de protocolos validados para triagem e diagnóstico, como:
    • ADOS-2 (Autism Diagnostic Observation Schedule)
    • ADI-R (Autism Diagnostic Interview-Revised)
    • CARS-2 (Childhood Autism Rating Scale)
    • M-CHAT-R/F (Modified Checklist for Autism in Toddlers – para triagem precoce)
    • Vineland Adaptive Behavior Scales (avaliação do comportamento adaptativo)
  1. Avaliação Neuropsicológica (opcional, mas recomendada)
  • Testes cognitivos e de linguagem (ex: WISC-V, SON-R, Peabody, etc.)
  • Avaliação de funções executivas, memória, atenção, percepção social
  • Identificação de comorbidades como TDAH, ansiedade, dislexia, etc.
  1. Avaliação Multidisciplinar
  • Envolvimento de profissionais como:
    • Psicólogo (a) clínico
    • Psiquiatra infantil ou neurologista
    • Fonoaudiólogo (a) (para questões de linguagem e comunicação)
    • Terapeuta ocupacional (para sensorial e habilidades funcionais)
    • Pedagogo (a) ou neuropsicopedagogo (a)
  1. Estabelecimento do Diagnóstico
  • Baseado nos critérios diagnósticos do DSM-5-TR:
    • Critério A: Déficits persistentes na comunicação e interação social
    • Critério B: Padrões restritos e repetitivos de comportamento
    • Critério C: Início precoce (mesmo que reconhecido tardiamente)
    • Critério D: Prejuízo significativo no funcionamento diário
  1. Devolutiva e Encaminhamentos
  • Explicação clara e empática do diagnóstico à família
  • Orientações sobre:
    • Intervenções terapêuticas (ABA, TEACCH, fonoaudiologia, TO)
    • Apoio escolar e direitos legais (inclusão, laudos, benefícios)
    • Acompanhamento contínuo

2.7. QUAIS SÃO OS PASSOS PARA FAZER O DIAGNÓSTICO DO TAB?

 

Os passos para o diagnóstico do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) exigem uma avaliação clínica detalhada, com base em entrevistas clínicas, histórico psiquiátrico, familiar e pessoal, além de critérios definidos por classificações internacionais como o DSM-5-TR e o CID-11.

 

A seguir, estão os principais passos clínicos para o diagnóstico do TAB:

  1. Entrevista Clínica Detalhada
  • Levantamento de sintomas atuais e passados, especialmente relacionados a:
    • Oscilações de humor (euforia, irritabilidade, tristeza profunda)
    • Alterações no sono, energia, apetite, libido e funcionalidade
  • Identificação de padrões cíclicos ou episódicos nos estados emocionais
  • Tempo de duração dos episódios (mania: ≥7 dias, hipomania: ≥4 dias, depressão: ≥2 semanas)

 

  1. Investigação do Histórico Pessoal e Familiar
  • Histórico de episódios maníacos, hipomaníacos ou depressivos anteriores
  • Verificação de comportamentos de risco, como gastos excessivos, promiscuidade, impulsividade
  • Presença de casos de TAB, suicídio ou outros transtornos do humor na família

 

  1. Aplicação de Instrumentos de Avaliação Clínica
  • Escalas padronizadas para rastreio e apoio diagnóstico:
    • MDQ (Mood Disorder Questionnaire) – triagem para transtorno bipolar
    • YMRS (Young Mania Rating Scale) – avaliação da gravidade da mania
    • HAM-D (Hamilton Depression Rating Scale) – sintomas depressivos
    • CIDI (Composite International Diagnostic Interview) – entrevista estruturada
  1. Diferenciação com Outros Transtornos
  • Avaliar se os sintomas não são explicados por:
    • Transtorno depressivo maior
    • TDAH
    • Transtorno de personalidade borderline
    • Transtornos psicóticos ou uso de substâncias
  • Atenção especial a diagnósticos confundidos em adolescentes e adultos jovens

 

  1. Análise do Funcionamento Psicossocial
  • Avaliação do impacto dos episódios no trabalho, estudo, relações sociais e autocuidado
  • Investigação de hospitalizações, episódios psicóticos ou tentativas de suicídio

 

  1. Avaliação Multidisciplinar (quando disponível)
  • Equipe pode incluir:
    • Psiquiatra (papel central no diagnóstico)
    • Psicólogo (a) (com avaliação do comportamento, humor e cognição)
    • Neuropsicólogo (a) (em casos complexos, para investigar funções executivas)
    • Assistente social e familiares para relato do ciclo e histórico funcional

 

  1. Estabelecimento do Diagnóstico Segundo o DSM-5-TR
  • TAB Tipo I: ao menos 1 episódio maníaco, podendo ou não haver episódios depressivos
  • TAB Tipo II: ao menos 1 episódio depressivo maior e 1 episódio hipomaníaco
  • Ciclotimia: oscilações crônicas de humor com sintomas subclínicos.
  • Outros tipos especificados ou não especificados

 

  1. Devolutiva Diagnóstica e Plano Terapêutico
  • Explicação clara ao paciente e/ou família sobre:
    • A natureza do transtorno
    • A importância da adesão ao tratamento contínuo
    • O uso de estabilizadores de humor, psicoterapia e hábitos saudáveis
    • Riscos de automedicação ou interrupção do tratamento.

CONCLUSÃO

 

O presente trabalho abordou as complexas sobreposições clínicas entre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), destacando os inúmeros desafios enfrentados por profissionais da saúde mental no processo de diferenciação diagnóstica entre essas duas condições. Ao longo da análise, foi possível identificar que, embora o TEA e o TAB pertençam a categorias distintas, neurodesenvolvimento e transtorno do humor, respectivamente — ambos compartilham sintomas que, se analisados fora de contexto, podem gerar diagnósticos equivocados, comprometendo o tratamento e a qualidade de vida dos indivíduos. As crises emocionais intensas, alterações de sono, impulsividade, dificuldades de socialização e variações comportamentais são exemplos de manifestações clínicas que podem se apresentar tanto no TEA quanto no TAB. Esse entrelaçamento de sintomas exige um olhar clínico minucioso, sensível às nuances subjetivas de cada paciente, além de profundo conhecimento técnico dos critérios diagnósticos definidos pelo DSM-5 e CID-11. A avaliação deve ser sempre multifatorial, considerando histórico de vida, desenvolvimento neuropsicomotor, contexto ambiental, presença de comorbidades, além do uso de instrumentos de avaliação padronizados e validados.Destacou-se ainda a importância dos fatores genéticos em ambos os transtornos. Enquanto o TEA possui forte base hereditária associada a mutações e variantes genéticas específicas, o TAB apresenta herdabilidade igualmente significativa, com a influência de múltiplos genes e fatores epigenéticos. Contudo, apesar dos avanços da neurociência e da genética, o diagnóstico clínico permanece, até o momento, como o principal recurso para a identificação e manejo dessas condições.Outro ponto fundamental discutido foi o risco de confusão diagnóstica, especialmente em adolescentes e adultos, que frequentemente apresentam quadros atípicos, com manifestações emocionais e comportamentais não clássicas. A inadequação do diagnóstico pode levar ao uso de psicofármacos desnecessários, rotulações equivocadas e abordagens terapêuticas ineficazes — além de impactar negativamente a autoestima e o processo de subjetivação dos pacientes.Diante disso, este trabalho reforça a urgência de capacitação contínua dos profissionais da saúde mental, da ampliação do acesso a serviços multidisciplinares de avaliação e da promoção de uma escuta clínica ética, empática e livre de preconceitos diagnósticos. Também se reconhece a necessidade de políticas públicas que garantam um diagnóstico precoce e humanizado, com suporte familiar, inclusão educacional e suporte psicossocial adequados.Por fim, compreender as fronteiras tênues entre o TEA e o TAB não é apenas uma questão técnica, mas um exercício de cuidado com a singularidade de cada sujeito.

A clínica exige tempo, presença e responsabilidade diante do sofrimento humano  e esse deve ser o compromisso ético que norteia qualquer diagnóstico e intervenção.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

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AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Artmed, 2022.

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LORD, Catherine et al. Autism spectrum disorder. The Lancet, v. 392, n. 10146, p. 508–520, 2018.

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STOLLENWERK, Mônica et al. Diagnóstico diferencial entre transtornos do humor e transtornos do neurodesenvolvimento. Revista Brasileira de Psiquiatria Clínica, v. 50, n. 1, p. 43–51, 2023.

VOLKMAR, Fred R.; PAULS, David L. Autism and related disorders. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 61, n. 3, p. 245–258, 2020.

VOLKMAR, Fred R.; PAULS, David. Autism and related conditions. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 44, n. 3, p. 217–232, 2003.

 

 

APÊNDICE

 

ANÁLISE GRÁFICA

 

O gráfico a seguir apresenta uma comparação de intensidade de sintomas entre indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno Bipolar (TB). Os dados são ilustrativos e visam demonstrar a sobreposição clínica de determinados comportamentos.

 

Fonte: autor,2025.

 

Nota-se que sintomas como irritabilidade e impulsividade são comuns em ambos os transtornos, o que pode contribuir para equívocos diagnósticos. Por outro lado, o isolamento social e o hiperfoco são mais característicos de TEA, enquanto a oscilação intensa de humor é mais pronunciada em TB.

 

 

 

 

 

ESTUDO DE CASO

 

Paciente M., 17 anos, foi encaminhado para avaliação psiquiátrica após episódios frequentes de irritabilidade intensa, insônia, e comportamentos de retraimento social. O histórico familiar incluía transtorno bipolar por parte materna.

Inicialmente, o paciente foi diagnosticado com Transtorno Bipolar Tipo I, recebendo tratamento medicamentoso com estabilizadores de humor. Após seis meses, os sintomas de oscilação de humor diminuíram, porém persistiam padrões rígidos de rotina, dificuldades severas de interação social e interesses restritos, o que levantou a hipótese de um diagnóstico concomitante de TEA.

Com a realização de uma avaliação neuropsicológica detalhada, foi confirmado o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista de nível 1. O plano terapêutico foi reestruturado, incluindo intervenções comportamentais, terapia ocupacional e acompanhamento psicológico especializado, com melhora significativa no funcionamento social e acadêmico.

 

 

Revision List

#1 on 2025-jul-08 ter  07:35+-10800

#2 on 2025-jul-08 ter  07:48+-10800

Autores

Ângelo Fróes
Author: Angelo Froes
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