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REMESSA OBRIGATÓRIA: BREVE COMENTÁRIO AO ARTIGO 19 DA LEI DE AÇÃO POPULAR E SEU EFEITO TRANSLATIVO CONDICIONADO

por joanesgomes0@gmail.com
REMESSA OBRIGATÓRIA: BREVE COMENTÁRIO AO ARTIGO 19 DA LEI DE AÇÃO POPULAR E SEU EFEITO TRANSLATIVO CONDICIONADO

REMESSA OBRIGATÓRIA: BREVE COMENTÁRIO AO ARTIGO 19 DA LEI DE AÇÃO POPULAR E SEU EFEITO TRANSLATIVO CONDICIONADO MANDATORY SHIPMENT: BRIEF COMMENTARY ON ARTICLE 19 OF THE POPULAR ACTION LAW AND ITS CONDITIONED TRANSLATIVE EFFECT

Joanes Otávio Gomes

Doutorando no Programa de Pós-graduação em Direito da Emil Brunner Word University – Flórida – EUA. Mestre em Direito do Programa de Pós-graduação em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna – MG. Pós-Graduado em Direito e Processo Penal pela Faculdade Metropolitana do Estado de São Paulo – FAMEESP. Pós-Graduado em Direito Médico pela Universidade de Araraquara – UNIARA. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Estácio de Sá. Servidor Público Estadual.

Endereço Eletrônico: joanesgomes0@gmail.com

RESUMO
O objetivo geral deste trabalho é realizar um estudo dos pontos relevantes relacionados com o artigo 19, da Lei n. 4.717/65 (Lei de Ação Popular). Esta pesquisa justifica-se em virtude da aplicação deste instituto na proteção do interesse público primário que engloba o microssistema processual coletivo, além de sua divergência doutrinária quanto à sua natureza jurídica e discussão judicial em sua aplicação na tutela de determinados direitos coletivos em seu sentido lato sensu, porém, com maior destaque, encontra-se o efeito translativo que se mostra condicional ao mesmo. Baseou-se na metodologia de revisão bibliográfica narrativa e exploratória. Constatou-se que a remessa obrigatória se aplica em grande parte do microssistema processual coletivo, porém com algumas exceções trazidas pelo Poder Judiciário e a própria doutrina. Em conclusão, verificou-se que a aplicação do instituto deve ser realizada com cautela, fazendo-se necessário a análise de cada caso na proteção do interesse coletivo, levando em conta suas peculiaridades e mudanças legislativas ocorridas e sua localização dentro do microssistema processual coletivo.

Palavras-chave: Ação Popular; jurisprudência; natureza jurídica; recursos; remessa obrigatória.

ABSTRACT

The general objective of this paper is to make a brief comment on relevant points referring to article 19 of Law 4.717/65, which regulates Popular Action. This research is justified by the application of this institute in the protection of the primary public interest that encompasses the collective procedural microsystem, in addition to its doctrinal divergence as to its legal nature and judicial discussion in its application in the protection of certain collective rights in the lato sensu meaning, but with greater prominence is the translative effect that is conditional in this institute. It was based on the methodology of narrative and exploratory bibliographic review. It was found that mandatory remittance applies to a large part of the collective procedural microsystem, but with some exceptions brought by the Judiciary and the doctrine itself. In conclusion, it was found that the application of the institute must be carried out with caution, making it necessary to analyze each case in the protection of the collective interest, taking into account its peculiarities and legislative changes that occurred and its location within the collective procedural microsystem.

Keywords: Popular Action; jurisprudence; legal nature; resources; mandatory shipping. Sumário: 1. Introdução. 2. Remessa obrigatória – algumas observações. 3. Remessa obrigatória: análise do art. 19 caput da lei de ação popular. 3.1 Conceito. 3.2 Natureza jurídica. 3.3 (In)constitucionalidade da remessa obrigatória. 3.4. A exceção quanto aos limites quantitativos e qualitativos na remessa obrigatória e sua aplicação por analogia ao microssistema processual. 4. O efeito translativo condicionado em sede de ação popular. 5. Remessa obrigatória: análise do artigo 19, § 1º – Agravo de Instrumento. 6. Remessa obrigatória: análise do artigo 19, § 2º – Sentença contra o autor. Considerações finais. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por finalidade, utilizando a pesquisa bibliográfica realizada a partir de publicações especializadas e julgados, efetuar uma análise da Lei n. 4.717/65 que regula a Ação Popular, especialmente o seu artigo 19, caput e seus parágrafos que tratam da remessa obrigatória, agravo de instrumento e apelação. Nesse sentido, verifica-se a
importância de realizar um estudo da lei e de suas alterações frente à realidade, entre o que
vem sendo decidido pelos órgãos jurisdicionais na aplicação no caso concreto e a
interpretação doutrinária, apontando as peculiaridades que cercam os institutos que fazem
parte de um microssistema processual na proteção do interesse público primário,
especificamente no que se refere à remessa obrigatória.
Importante ressaltar que a Ação Popular constitui importante instrumento para o
exercício da democracia direta ao permitir que qualquer cidadão postule a anulação ou
declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
Desta forma, considerando o período em que a Lei n. 4.117/65 (Lei de Ação Popular)
entrou em vigor até sua aplicação nos dias atuais, demanda uma interpretação sistemática em
torno do tema, para que possa haver uma máxima eficácia na proteção do interesse público,
sem que haja conflitos que impeçam seus efeitos.
Ao intérprete cabe, frente a uma norma, buscar o sentido que adeque à realidade
social. Frente a isso, a Lei de Ação Popular é de 1965, cumprindo esclarecer que nesse lapso
temporal até os dias atuais a sua interpretação ficou a cargo do aplicador do direito. Apesar de

o fato da remessa obrigatória ter suas semelhanças com o instituto similar do Código de
Processo Civil (art. 496), com este não se confunde, pelos motivos que serão expostos neste
trabalho.
Considerando tal contexto, este estudo avaliou os principais aspectos conexos ao
microssistema processual coletivo, sobretudo os que versam sobre a remessa obrigatória,
tendo como base a seguinte indagação: quais foram as alterações sofridas no artigo 19, da Lei
de Ação Popular com base na interpretação jurisdicional e doutrinária à luz da Constituição
Federal de 1988.
Como hipótese, verifica-se a existência de uma complexa alteração ocorrida na
hermenêutica jurídica do artigo 19 e seus parágrafos da Lei de Ação Popular, sendo uma das
principais mudanças o efeito translativo, que passa a ter sua aplicação diferenciada.
O objetivo geral é averiguar os principais tópicos relacionados à remessa obrigatória
contida no microssistema processual do qual faz parte a Lei de Ação Popular. Sobre a
definição dos objetivos específicos, estabeleceu-se o seguinte: a) verificar aspectos históricos
e conceituais sobre a remessa obrigatória; b) investigar a importância da sua aplicação na
proteção do interesse público; c) analisar a alteração ocorrida no efeito translativo do instituto
e; d) além dos principais julgados que envolvem o tema.
A metodologia adotada neste estudo foi de revisão bibliográfica narrativa e
exploratória.

2. REMESSA OBRIGATÓRIA – ALGUMAS OBSERVAÇÕES

Originalmente a Lei de Ação Popular (Lei n. 4.717/1965) previa sua aplicação
somente a atos lesivos ao patrimônio público, assim definidos em seu artigo 1º, § 1º como “os
bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico” 1 . Desta forma, a
Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXIII, ampliou as hipóteses de cabimento
permitindo o seu uso na defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e inovando ao trazer
a moralidade administrativa como objeto de proteção.
Contudo, deve ser anotado que são institutos diversos a ação popular de proteção ao
erário daquela cuja finalidade é a defesa do meio ambiente.
Em relação à violação da moralidade administrativa como causa autônoma, ou seja,
quando não há efetiva lesão pecuniária do patrimônio público, existe grande divergência
1 BRASIL. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a Ação Popular. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm. Acesso em: 22 mar. 2021.

jurisprudencial sobre sua aplicabilidade.
Conforme entendimento do STF tem que:

(…) jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, segundo a qual não é condição
da ação popular a menção na exordial e a prova de prejuízo material aos cofres
públicos, posto que o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal,
estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e
impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material público
ou de entidade de que o Estado participe, ao patrimônio moral, ao cultural e
ao histórico. 2

Assim, e nesse sentido o Supremo Triunal Federal (STF) tem entendimento formado
de que é possível o ajuizamento de ação popular pela violação da moralidade administrativa
como causa autônoma, sendo, portanto constitucional.
2.1. O duplo grau de jurisdição e o contexto histórico da remessa obrigatória
Para que se possa compreender a remessa obrigatória faz-se necessário esclarecer o
que vem a ser o duplo grau de jurisdição. Nas lições de Canotilho 3 o conceito de duplo grau
seria o reexame da matéria decidida pelo juiz de 1° grau, por outro juiz de instância superior.
Para Cintra, Grinover e Dinamarco 4 se trata da garantia de um novo julgamento pela instância
superior de decisão proferida pelo juiz a quo. Segundo Oliveira e Braz 5 não há previsão do
duplo grau de jurisdição no texto constitucional, vindo tal princípio a derivar do princípio do
devido processo legal e do juiz natural. Decorre, portanto de um direito implícito em que
todos têm direito ao reexame da matéria decidida pelo juiz de 1° grau. Apenas a Constituição
do Império previa de forma expressa tal instituto, conforme preconizava em seu artigo 158 6 ,
todas as demais se tem como um princípio implícito.
Existe, portanto, previsão em documentos internacionais referentes a direitos
2 BRASIL. Direito Constitucional e Processual Civil. Ação popular. Condições da ação. Ajuizamento para
combater ato lesivo à moralidade administrativa. REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 824.781 MATO GROSSO, Brasília, p. 01 – 31, 2015. Disponível
em: https://www:google:com/amp/s/stf:jusbrasil:com:br/jurisprudencia/861462394/repercussao-geral-no-
recurso-extraordinario-com-agravo-rg-are-824781-mt-mato-grosso-0000275-9620078110041/inteiro-teor-
861462397/amp. Acesso em: 10 ago. 2021.
3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5.ed. Coimbra:
Almedina, 2002.
4 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
5 OLIVEIRA, Ricardo de Jesus Colares de; BRAZ, Sebastião Ricardo Braga. O DUPLO GRAU DE
JURISDIÇÃO, COMO DIREITO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016.
6 Desta maneira estabelecia a Constituição do Império, em seu artigo 158: “Para julgar as Causas em segunda e
última instância haverá nas Províncias do Império as Relações, que forem necessárias para comodidade dos
Povos”.

humanos do duplo grau de jurisdição podemos citar, por exemplo, o Pacto de São José da
Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, todos
ratificados pelo Brasil com previsão na alínea h do item 2 do artigo 8º da (CADH). Mazzuoli 7
nos ensina que os tratados internacionais pactuados regem pelo princípio da pacta sunt
servanda, assim os tratados ratificados pelos países devem ser cumpridos, denunciados ou ser
feito reserva naquilo que não for de concordância do país. Desta forma, quanto aos artigos
referentes ao duplo grau de jurisdição o Brasil não fez qualquer reserva, devendo portanto dar
efetivação.
Didier Júnior 8 dispõe que o duplo grau de jurisdição não está expressamente previsto
na Constituição Federal de 1988 e que a ideia desse instituto nasce através de uma
interpretação sistemática que não se encontra no texto escrito constitucional, mas na suas
entrelinhas. De acordo com Nery Júnior 9 , estaria previsto o duplo grau de jurisdição na
Constituição Federal de 1988 quando esta preconiza a existência de tribunais com
competência para julgar causas originais e em grau de recurso.
Ensina-nos Baleotti 10 que o duplo grau de jurisdição se trata de um princípio
constitucional com posição de igualdade com os demais princípios, vinculando assim, de
forma implícita, as demais normas jurídicas que com ele se comuniquem. O ministro Fux 11 ao
se manifestar como relator na ADPF 167 leciona que jurisprudência do STF é no sentido de
que quando houver lei conferindo competência originária a tribunal superior o duplo grau de
jurisdição não será aplicado. Esse entendimento decorre do fato de que além de não ser
absoluto o duplo grau de jurisdição a Constituição Federal prevê julgamentos em instância
única e que essa escolha é política do legislador.
Tal instituto encontra-se na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, incisos
LIII, LIV, LV e LVI 12 , ou seja, o que determina o duplo grau de jurisdição em nosso
7 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 10.ed.rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
8 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Juspodvm, 2003. v. 2.
9 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo:
RT, 1997.
10 BALEOTTI, Francisco Emilio; LEAL JUNIOR, João Carlos. O duplo grau de jurisdição revisitado. Revista
de Direito Brasileira, v. 1, p. 51-75, 2011.
11 BRASIL. Plenário reafirma competência do TSE para julgar recurso contra diplomação. ADPF 167, Brasília,
p. 01 – 02, 2018. Disponível em: https://portal:stf:jus:br/noticias/verNoticiaDetalhe:asp?idConteudo=371611.
Acesso em: 09 ago. 2021.
12 Artigo 5º […] – LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV –
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes; LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios

ordenamento jurídico é a presença de um juiz competente e um processo legal que oportunize
ao acusado o contraditório e a ampla defesa por todos os meios de provas lícitas. No artigo
108 13 do texto constitucional há a previsão no âmbito dos tribunais federais que pelo princípio
da simetria alcança também os estados da federação.
Conforme a doutrina:

A Constituição Federal descreve a estrutura do Poder Judiciário e cria Tribunais, cuja
função, preponderantissimamente, é a de julgar recursos. Não está, de fato, expresso
na Constituição o princípio do duplo grau de jurisdição (o que não é óbice a que seja
considerado princípio constitucional) e se sabe que a lei ordinária cria, como acabou
de criar, “exceções” a esse princípio (o que também não conflita com a natureza de
princípio constitucional que tem esta regra). (…). Ademais, trata-se de princípio
constitucional, no sentido de que não pode ser inteiramente suprimido, porquanto, se o
fosse, os Tribunais, criados pela Constituição Federal, nada teriam a fazer, dado que o
grosso do que fazem é julgar recursos. 14

Ainda, no que se refere a sua constitucionalidade a doutrina tem o seguinte
entendimento: “Do que se disse, portanto, se pode legitimamente concluir que o duplo grau de
jurisdição é, sim, um princípio constitucional. Nem por isso, todavia, como se observou, tem-
se que será inconstitucional o dispositivo legal que determinar seja, em certas condições,
suprimido da parte o direito ao duplo grau de jurisdição 15 ”.
Portanto, valendo-se da constitucionalidade que aflora o duplo grau de jurisdição,
mais ainda há no duplo grau de jurisdição obrigatório que busca a proteção do direito público
primário na sua interposição de ofício pelo magistrado.
Posto isso, oportuno se faz uma breve regressão histórica da remessa obrigatória que
teve sua origem no direito medieval, especificamente no direito lusitano.

O estudo histórico do reexame necessário – originariamente denominado recurso de
ofício – denota seu surgimento no Direito Medieval ostentando matizes mais fortes e
acentuados em Portugal, mais especificamente no processo penal, como uma
proteção ao réu, condenado à pena de morte. Nas Ordenações Afonsinas, o recurso
de ofício era interposto, pelo próprio juiz, contra as sentenças que julgavam crimes
de natureza pública ou cuja apuração se iniciasse por devassa, tendo como finalidade
corrigir o rigor do princípio dominante e os exageros introduzidos no processo
inquisitório. 16

ilícitos. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 abr. 2021).
13 Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: (…) II – julgar, em grau de recurso, as causas decididas
pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.
(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 abr. 2021).
14 WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma
do Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 95-96.
15 Ibid.

Na realidade, historicamente, o antigamente denominado “recurso de ofício” tinha
por escopo proporcionar uma garantia ao réu na seara penal em virtude da predominância do
processo inquisitório. No ordenamento jurídico brasileiro sua atuação se dá exclusivamente
no âmbito cível. Segundo Alfredo Buzaid apud Didier Jr. e Cunha 17 , no ano de 1.355 D.
Afonso IV criou, no dia 12 de março, as denominadas Ordenações Afonsinas que impunham
ao juiz apelar polla Justiça nos delitos que se davam por queixa ou ex officio.
Esse sistema vigorou até o advento das Ordenações Manuelinas, também
denominada Código Manuelino, consagrando a apelação ex officio, tanto nas sentenças
definitivas como nas interlocutórias. De tal modo, Júlio César Rossi apud Koehler 18 relata que
a apelação ex officio de origem no processo penal português tinha por finalidade limitar os
poderes do magistrado para que liberdades não fossem cerceadas por questões pessoais em
virtude do caráter inquisitório que permeava o processo.
Não obstante o instituto ter origem no direto processual penal, segundo Miriam
Fecchio Chueiri sua inserção no direito brasileiro ocorreu no processo civil sem nenhuma
influência com o instituto lusitano. Além disso, o seu surgimento como remessa obrigatória
no Processo Civil tinha por escopo a proteção do interesse público contra a corrupção que
pudesse perscrutar o erário. Sob a análise de Guedes 19 , ele considera que houve uma
incorporação do instituto português na defesa do erário através do processo civil.
No direito brasileiro, conforme bem menciona Nery Junior 20 , surgiu com a Lei de 4
de outubro de 1831 21 na qual previa a apelação ex officio. Há ainda quem entenda que a

16 CUNHA, L. C. da; DIDIER JR, F. Remessa necessária no Novo CPC. In: DIDIER, Fred (coord.).
Repercussões do novo CPC. Advocacia Pública. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 124.
17 DIDIER JR., F; CUNHA, L. C. da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões
judiciais e processo nos tribunais. 13. ed. v. 3. Salvador: Juspodivm, 2016.
18 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A remessa necessária no projeto do novo Código de Processo
Civil. Revista do Tribunal Regional Federal da 5ª. Região, Recife, n. 100, p. 303-320, out./dez. 2012.
Disponível em:
https://www.academia.edu/10847714/A_remessa_necess%C3%A1ria_no_projeto_do_novo_C%C3%B3digo_de
_Processo_Civil. Acesso em: 4 dez. 2020.
19 GUEDES, J. C. Duplo grau ou duplo exame e atenuação do reexame necessário nas leis brasileiras. In: NERY
JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e
outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
20 NERY JUNIOR, N. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997.
21 […] Art. 90. Fica extincto o actual Erario, e o Conselho da Fazenda. As justificações, que até agora se faziam
neste Tribunal, serão feitas perante os Juizes Territoriaes, com audiencia do Procurador Fiscal; e as sentenças,
que nelle se proferirem a favor dos justiticantes, serão sempre appelladas ex-officio para a Relação do districto,
sob pena de nullidade. Os processos ultimados dos justificantes lhes serão entregues, sem dependencia de
traslados. (BRASIL. Lei de 4 de outubro de 1831. Dá organização ao Thesouro Publico Nacional e às
Thesourarias das Provincias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-4-10-1831.htm.
Acesso em: 22 mar. 2021).

Constituição Federal de 1937 22 , em seu artigo 101, parágrafo único, que possibilitava ao
presidente de qualquer tribunal interpor recurso, trouxe a figura da remessa obrigatória.
Porém, há dois pontos que merecem atenção no texto constitucional: um dele está no verbo
“poderá”, que traz a ideia de faculdade e não obrigação, e o segundo ponto é o direito
protegido que preconiza o artigo 101, nº II, nº 2, letra b 23 que não preiteia um interesse
público, portanto não se pode, neste caso, concluir que a Constituição de 1937 tratou da
remessa obrigatória. Em continuidade, tal instituto permaneceu no Código de Processo Civil
1939 24 , artigo 822, com a intitulação de apelação necessária ou ex officio, que poderia ser
interposta pelo magistrado através de simples declaração.
O Código de Processo Civil de 2015 25 em seu artigo 496 caput, I, parágrafo 2°
manteve o instituto na defesa do interesse público quando a sentença for proferida contra a
Fazenda Pública.
Finalizada essa breve análise histórica, vale destacar que a remessa obrigatória
contida na Lei de Ação Popular possui peculiaridade própria, sendo que, no momento em que
a referida lei entrou em vigor em 1965 era tratada como recurso ex officio, devendo o juiz
declarar na própria sentença. Com a alteração ocorrida em 1973 26 foi retirado a denominação
de recurso ex officio e a determinação que “recorrerá o juiz”, reforçando uma nova
interpretação do instituto. Aliás, a expressão recurso ex officio é claramente equivocada na
medida em que elemento essencial dos recursos a voluntariedade o que resta incompatível
com a obrigação de recorrer..

22 Art 101 – Ao Supremo Tribunal Federal compete: […] Parágrafo único – Nos casos do nº II, nº 2, letra b ,
poderá o recurso também ser interposto pelo Presidente de qualquer dos Tribunais ou pelo Ministério Público.
(BRASIL. Constituição Federal 1937. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em: 22 mar.
2021).
23 Art 101 – Ao Supremo Tribunal Federal compete: […] II – julgar: […] 2º) em recurso ordinário: b) as decisões
de última ou única instância denegatórias de habeas corpus; (BRASIL. Constituição Federal 1937. Constituição
dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em: 22 mar. 2021).
24 Art. 822. A apelação necessária ou ex-officio será interposta pelo juiz mediante simples declaração na própria
sentença. (BRASIL. Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/del1608.htm. Acesso em: 19 mar. 2021).
25 Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo
tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público; […] § 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1o, o tribunal julgará a
remessa necessária. (BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 22 mar. 2021).
26 Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente
caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973). (BRASIL. Lei nº 4.717, de
29 de junho de 1965. Regula a Ação Popular. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm. Acesso em: 22 mar. 2021).

A Lei n. 4.117/1965, que rege a remessa obrigatória no âmbito da Ação Popular, em
seu artigo 19 busca submeter, em casos de carência de ação ou sua improcedência, aqui no
caso do pedido, independentemente da manifestação ou vontade da parte em recorrer à
sentença a análise do tribunal. Sendo tal procedimento conhecido também como “duplo grau
de jurisdição necessário”, além de permitir nos parágrafos 1º e 2º que a parte autora intente
recursos segundo seus próprios critérios.

3. REMESSA OBRIGATÓRIA: ANÁLISE DO ART. 19 CAPUT DA LEI DE AÇÃO
POPULAR

A análise da remessa obrigatória perpassa pelo artigo 19 caput da Lei de Ação
Popular no qual serão abordadas as nuances relativas ao seu conceito, natureza jurídica,
(in)constitucionalidade e a exceção quanto aos limites quantitativos e qualitativos na remessa
obrigatória e sua aplicação por analogia ao microssistema processual.

3.1 Conceito

Conforme conceituam Gonçalves e Gonçalves 27 a remessa obrigatória é uma
condição legal, ou seja, imposta por lei, que exige que a sentença seja reexaminada pelo
tribunal para que haja a sua plena eficácia e, desta forma, trata-se de uma condição.
Dada a importância da matéria tratada, em seu artigo 19, a Lei de Ação Popular
estabelece o reexame necessário da sentença sempre que se concluir pela carência ou
improcedência da ação: “A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da
ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito
suspensivo” 28 . Os termos técnicos utilizados não estão corretos, pois o adequado é carência da
ação, ainda que dissociado do que deliberado no CPC/2015, ou improcedência do pedido.
Ao conceituar o que vem a ser a remessa obrigatória na ação popular Hely Lopes
Meirelles dispõe que:

O recurso de ofício só será interposto quando a sentença concluir pela
27 GONÇALVES, M. V. R.; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito processual civil. LENZA, P. (coord). 12.
ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. e-book.
28 BRASIL. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a Ação Popular. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm. Acesso em: 22 mar. 2021.

improcedência ou pela carência da ação. Inverteu-se, assim, a tradicional orientação
desse recurso (que nas outras ações é interposto quanto julgadas procedentes), para a
melhor preservação do interesse público, visto que a rejeição da ação popular é que
poderá prejudicar o patrimônio da coletividade, lesado pelo ato impugnado. Este
recurso é manifestado por simples declaração do juiz na conclusão da decisão, mas,
se o magistrado o omitir, deverá o Tribunal considerá-lo interposto e reapreciar o
mérito do julgado inferior que deu pela improcedência ou pela carência da ação,
avocando o processo. 29

Além disso, há de se ressaltar que para Gomes Júnior et al. 30 a remessa obrigatória
inverte a lógica jurídica do instituto do Código de Processo Civil, haja vista a natureza do
próprio processo em caso de carência da ação ou sua improcedência. A remessa obrigatória no
CPC/15 31 tem como escopo as sentenças contrárias à Fazenda Pública.
Gomes Júnior et al. 32 esclarece que não existe conflito, no caso de procedência do
pedido, entre a remessa obrigatória do CPC e a Lei n. 4.717/65, isto porque a Lei de Ação
Popular possui regulamentação própria e protege interesse público primário, enquanto que no
CPC o interesse público é secundário, porém, contrário do que preconiza a Súmula 45 do
STJ 33 , ocorrendo a procedência parcial caberá remessa obrigatória, não podendo, neste caso, a
situação da Fazenda Pública ser agravada. Caso o pedido seja parcialmente deferido, a
remessa será somente na parte contrária à Fazenda Pública. Idêntica posição é ser aplicada em
sede de Ação Popular. A remessa obrigatória somente incide de forma favorável ao que
postulado pelo autor popular, jamais contra.

29 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de
Injunção, Habeas Data. 17. edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 112.
30 GOMES JUNIOR, L. M et al. Ação Popular – Aspectos Polêmicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
31 Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo
tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à
execução fiscal. § 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a
remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. § 2º Em qualquer
dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária. § 3º Não se aplica o disposto neste artigo
quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I – 1.000
(mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – 500
(quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de
direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III – 100 (cem) salários-mínimos para todos
os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. § 4º Também não se aplica o
disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: I – súmula de tribunal superior; II – acórdão
proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos
repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de
competência; IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do
próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. (BRASIL. Lei nº 13.105,
de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 22 mar. 2021).
32 GOMES JUNIOR, L. M. et al. Comentários à Lei de Ação Popular. 1. ed. Rio de Janeiro: GZ, 2020.
33 BRASIL. STJ. Súmula 45. No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à
Fazenda Pública. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/sumstj/article/view/5231/5356. Acesso em: 20 mar.
2021.

3.2 Natureza jurídica

A remessa necessária do Código de Processo Civil é aplicável quando o Estado é
derrotado em uma demanda, enquanto na Lei de Ação Popular a mesma incide quando o
cidadão que propôs a ação na defesa do erário é vencido. A parte em comum é que em ambos
os casos o reexame é medida de proteção ao interesse público, porém, como se aplicam a
perdas de polos distintos da ação (passivo no CPC e ativo na Lei de Ação Popular).
Importante ressaltar que o duplo grau de jurisdição, presente tanto no reexame
necessário do CPC quanto no “reexame invertido” da Lei de Ação Popular, não possui
natureza recursal. Primeiramente porque o CPC possui um rol taxativo de recursos (artigo
496), não estando o reexame obrigatório incluso na Lei de Ação Popular, e porque a
imposição do duplo grau de jurisdição impede o trânsito em julgado da sentença até que haja
seu reexame, independente de prazo, diferentemente do que ocorre com recursos, que uma
vez passado o prazo para sua interposição leva ao trânsito em julgado da decisão não
recorrida. Ademais, o recurso é voluntário, enquanto o reexame é obrigatório. Neste sentido
comentam Cunha e Didier Júnior:

Enquanto não for procedida à reanálise da sentença, esta não transita em julgado,
não contendo plena eficácia. Desse modo, não havendo o reexame e,
consequentemente, não transitando em julgado a sentença, será incabível a ação
rescisória. Eis mais uma razão pela qual o reexame necessário não pode ser tido
como um recurso. Não interposto o recurso contra a sentença, esta irá transitar em
julgado, cabendo ação rescisória pelo prazo de 2 (dois) anos. No caso do reexame,
caso não venha a ser determinado na sentença, esta não irá transitar em julgado,
sendo despropositado o manejo de ação rescisória, à míngua de pressuposto
específico. 34

Embora parte da doutrina entenda que não se trata de recurso, há posicionamentos
contrários, destacando-se o argumento de Fred Didier Júnior quanto aos requisitos que devem
conter para que um recurso seja caraterizado:

Na maioria dos países, os recursos caracterizam-se por conter (a) provocação ao
reexame da matéria e (b) impugnação da decisão recorrida. Pode-se dizer que, no
Brasil, a definição de recurso só pode apegar-se a (a) e não a (a) + (b), pois a remessa
necessária é recurso não impugnativo: o juiz recorre oficiosamente da própria
sentença, provocando-lhe o exame sem contra ela insurgir-se. 35

34 CUNHA, L. J. C. da; DIDIER JR, F.. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões
Judiciais e Processo nos Tribunais. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 481.
35 CUNHA, L. C. da; DIDIER JR, F. Remessa necessária no Novo CPC. In: DIDIER, Fred (coord.)
Repercussões do novo CPC. Advocacia Pública. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 129-130.

Quanto à celeuma que envolve o tema referente à natureza jurídica da remessa
obrigatória, Nelson Nery afirma que: “A doutrina dominante entende como nós, no sentido de
não atribuir à remessa obrigatória a qualidade de recurso. Em nosso sentir tem natureza
jurídica de condição de eficácia da sentença” 36 .
Conforme bem lembram Gonçalves e Gonçalves 37 , no Código de Processo Civil o rol
é taxativo para os recursos, numerus clausus, ou seja, só ocorrerá impugnação se estiver em
conformidade com o determinado em lei. Tal regra não se aplica à remessa necessária da Lei
de Ação Popular, como foi visto, por não se tratar de recurso.

3.3 (In)constitucionalidade da remessa obrigatória

Outro ponto que merece ser mencionado refere-se à questão da constitucionalidade
da remessa obrigatória. Embora tal questionamento não se encontre em ênfase no judiciário,
em virtude da sua atual interpretação conforme a Constituição percebe-se, muito pouco, que
na doutrina ainda há posicionamento divergente.
Como exemplo, Francisco Barros Dias 38 relata que, em virtude de o instituto ter como
base o processo penal inquisitório lusitano e ferir diversos princípios como a celeridade
processual, a igualdade processual das partes, a economia processual, dentre outros, torna a
remessa obrigatória inconstitucional.
Contudo, quando se analisa o objetivo da remessa obrigatória, sendo no CPC o
interesse público secundário e o da Lei de Ação Popular o interesse público primário, não há
que se falar em inconstitucionalidade dada a especialidade da matéria analisada. A finalidade
de proteção a uma certa categoria de direitos afasta a pecha de inconstitucionalidade.

3.4. A exceção quanto aos limites quantitativos e qualitativos na remessa obrigatória e
sua aplicação por analogia ao microssistema processual

No que se refere às exceções contidas no artigo 496, § 3º e artigo 496, § 4º do CPC,
em que naquele há uma limitação na dimensão econômica e neste uma limitação em virtude
36 NERY JUNIOR, N. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 60.
37 GONÇALVES, M. V. R.; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito processual civil. LENZA, P. (coord.). 12.
ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. e-book.
38 SOUZA, Emerson Cortezia de. A Remessa Obrigatória nas Ações Coletivas. 2008. Dissertação (Mestrado
em Direito) – Universidade de Ribeirão Preto, São Paulo, 2008, 138 p.

de consonância da sentença com orientação jurisprudencial assente, não se vislumbra
aplicabilidade no artigo 19 da Lei de Ação Popular quanto ao primeiro caso, isto com base no
que vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça.
Não se pode cercear a remessa obrigatória, que tutela o interesse público primário e
moralidade, em virtude de limites econômicos. Além disso, a aplicação do reexame necessário
na Ação Popular, conforme previsto em seu artigo 19, não admite exceções como ocorre no
reexame necessário do CPC (previstas no § 3º do artigo 496), além de se tratar de lei especial.
Ocorre que, quanto à limitação qualitativa, caso de consonância da sentença com
orientação jurisprudencial ou administrativa assente, § 4º do artigo 496, será aplicada a
remessa obrigatória de acordo com o que preconiza o CPC em seu artigo 932, IV 39 . Contudo, a
aplicação analógica deste mesmo dispositivo é mais complexa.
Embora a Lei n. 7.357/1985, que disciplina a Ação Civil Pública, não preveja a
aplicação da Lei de Ação Popular, mas somente a aplicação subsidiária do Código de
Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça tem precedente pela aplicação analógica do
artigo 19 da Lei de Ação Popular às ações civis públicas:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANOS AO
ERÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA. ART.
19 DA LEI Nº 4.717/64. APLICAÇÃO. 1. Por aplicação analógica da primeira parte
do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública
sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário. Doutrina. 2. Recurso especial
provido. (STJ – REsp 1108542 SC 2008/0274228-9, Relator Ministro Castro Meira,
data de julgamento 19/05/2009, T2, Segunda Turma, DJe 29/05/2009) 40

Importante notar que a própria lei da ação civil pública prevê, em seu artigo 19, a
utilização subsidiária do Código de Processo Civil, o que, nos casos elencados no artigo 496
do CPC, leva ao reexame necessário.
Considera-se, portanto, que grande parte das disposições procedimentais constantes
do Código de Processo Civil é aplicável à referida ação constitucional, e um tanto quanto
repetitivo seria apontar cada uma das disposições compatíveis. Portanto, cuida-se o

39 Art. 932. Incumbe ao relator: IV – negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento
firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (BRASIL. Lei nº
13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 22 mar. 2021).
40 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. REsp 1108542/SC 2008/0274228-9. Relator:
Ministro Castro Meira. Data de julgamento 19/05/2009, T2 – Segunda Turma, DJe 29/05/2009. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4248684/recurso-especial-resp-1108542-sc-2008-0274228-910. Acesso
em: 10 mar. 2021.

comentário em questão de tratar das especificidades da Lei de Ação Popular de modo a
demonstrar alguns pontuais dispositivos no Código de Processo Civil que são incompatíveis,
logo, não aplicáveis à legislação referida. 41

4. O EFEITO TRANSLATIVO CONDICIONADO EM SEDE DE AÇÃO POPULAR

O efeito translativo é a possibilidade que possui o tribunal de analisar matérias de
ordem pública, ainda que não questionadas em recurso.

É a aptidão que os recursos em geral têm de permitir ao órgão ad quem examinar de
ofício matérias de ordem pública, conhecendo-as ainda que não integrem o objeto do
recurso. É decorrência natural de elas poderem ser conhecidas pelo juízo
independentemente de arguição. Questões como prescrição, decadência, falta de
condições da ação ou de pressupostos processuais poderão ser examinadas pelo
órgão ad quem ainda que não suscitadas. 42

Assim, enquanto o efeito devolutivo devolve ao tribunal aquilo que foi suscitado no
recurso, o efeito translativo permite examinar tudo sem que tenha sido suscitado, desde que
seja matéria de ordem pública.

Todos os recursos ordinários são dotados de efeito translativo, incluindo os
embargos de declaração e os agravos. Se o tribunal, por exemplo, ao apreciar um
agravo de instrumento interposto pelo autor contra decisão que não concedeu uma
liminar por ele solicitada, constata a falta de uma das condições da ação, julgará, de
ofício, o processo extinto sem resolução de mérito, não importando que a questão
não tenha sido aventada. 43

Ocorre que, por força dos artigos 9º e 10 do CPC 44 , os recursos em sede de ação
popular não poderão ser examinados pelo tribunal sem que as partes tenham tido a
oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria que tenha de ser decidida de
ofício.
41 Art. 22. Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os
dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação. (BRASIL. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965.
Regula a Ação Popular. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm. Acesso em: 22
mar. 2021).
42 GONÇALVES, M. V. R.; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito processual civil. LENZA, P. (coord.). 12.
ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. e-book.
43 Ibidem.
44 Art. 9º. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único.
O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência
previstas no art. 311, incisos II e III ; III – à decisão prevista no art. 701 .
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não
se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de
ofício. (BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 22 mar. 2021).

Assim, por aplicação subsidiária do CPC 45 na Lei de Ação Popular, o efeito
translativo dos recursos estão condicionados à manifestação das partes para que o tribunal
possa examinar, ainda que relacionado a matéria de ordem pública.

5. REMESSA OBRIGATÓRIA: ANÁLISE DO ARTIGO 19, § 1º – AGRAVO DE
INSTRUMENTO

No tocante à aplicação do § 1º do artigo 19 da Lei de Ação Popular, ou seja, ao
cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias, a jurisprudência do STJ
também tem entendimento formado no sentido de ser possível devido à aplicação análoga da
Lei de Ação Popular:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO.
LACUNA EXISTENTE NA LEI Nº 7.347/85. APLICAÇÃO DO ART. 19, § 1º,
DA LEI N. 4.717/65. ANALOGIA. COLMATAÇÃO EMPREENDIDA NO
ÂMBITO DO MICROSSISTEMA LEGAL DE TUTELA DOS INTERESSES
TRANSINDIVIDUAIS. ART. 1.015, XIII, DO CPC. 1. Discute-se a aplicação, por
analogia, do art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular) na hipótese em
que o agravo de instrumento é interposto contra decisão interlocutória proferida no
âmbito de ação civil pública, matéria que extrapola a tese firmada no julgamento dos
REsp’s 1.696.396/MT e 1.704.520/MT (Tema nº 988), sob o rito repetitivo. 2. Nas
ações civis públicas, cabível se revela a interposição de agravo de instrumento
contra decisão interlocutória, devendo a lacuna existente na Lei n. 7.347/85 (Lei de
Ação Civil Pública) ser colmatada mediante a aplicação de dispositivo também
integrante do microssistema legal de proteção aos interesses ou direitos coletivos, a
saber, o art. 19, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (Lei de Ação Popular). Nessa toada
hermenêutica: REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017. 3. Afora
isso, o cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias
proferidas em demandas coletivas também encontra amparo no próprio inciso XIII
do art. 1.015 do CPC/2015, cujo dispositivo admite a interposição do recurso
instrumental em “outros casos expressamente referidos em lei”. Nesse mesmo
sentido: AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2019, DJe 4/12/2019. 4. Recurso especial
provido. (STJ. Resp 1828295 MG 2019/0210684, Relator Ministro Sergio Kukina.
Data do julgamento, 11/02/2020, T1 – Primeira Turma, data de publicação DJe,
20/02/2020) 46 .

Assim, quando o agravo de instrumento é interposto contra decisão interlocutória nas
hipóteses previstas pelo artigo 1.015 do CPC, fica evidente que o mesmo deve ser utilizado.
45 Art. 22. Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os
dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação. (BRASIL. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965.
Regula a Ação Popular. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm. Acesso em: 22
mar. 2021).
46 BRASIL. STJ. REsp 1828295/MG. Relator Ministro Sérgio Kukina Data do julgamento, 11/02/2020, T1 –
Primeira Turma, data de publicação DJe, 20/02/2020. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/287438709/stj-12-03-2020-pg-6902. Acesso em: 10 mar. 2021.

Porém, este mesmo artigo do Código de Processo Civil, prevê a utilização do agravo
de instrumento em “outros casos previstos em lei”. Ocorre que fora estas possibilidades, a lei
da ação civil pública por si só não prevê nenhuma hipótese, apenas remetendo à utilização
subsidiária do CPC, ou seja, para o cabimento de agravo de instrumento contra decisão
interlocutória estranha ao rol do artigo 1.015 do CPC é necessário utilizar a aplicação
analógica do artigo 19 da Lei de Ação Popular. Tal malabarismo jurídico tem seus críticos,
conforme podemos observar o que dispõe André Vasconcellos Roque:

Ainda que, de fato, (i) o art. 1.015, XIII do CPC/2015 contemple o cabimento do
agravo de instrumento em “outros casos expressamente referidos em lei” e (ii) ação
civil pública, ação popular, ação de improbidade administrativa, mandado de
segurança coletivo e mandado de injunção coletivo formem o microssistema de
ações coletivas, como (iii) o art. 19, § 1º da Lei nº 4.717/1965 visa tão somente a
uniformizar o sistema recursal das decisões interlocutórias proferidas na ação
popular com o CPC, a conclusão a que se chega (iv) pela teoria do microssistema, é
que nada há de peculiar, em linhas gerais, a respeito do cabimento do agravo de
instrumento nas ações coletivas. Assim, também nas ações coletivas (ressalvada
disposição especial em contrário, como o art. 17, § 10 da Lei nº 8.429/1992), o
recurso cabível contra as decisões interlocutórias proferidas em primeira instância
será o agravo de instrumento, nas hipóteses do art. 1.015 do CPC/2015. Nos demais
casos, não se admitirá a interposição imediata de qualquer recurso, devendo a
matéria ser rediscutida em eventual apelação ou nas suas contrarrazões, com
fundamento no art. 1.009, § 1º. 47

Em julgado recente do Superior Tribunal de Justiça firmou-se o entendimento que a
exigência de adequação aos requisitos exigidos no Código de Processo Civil para impugnação
de decisões interlocutórias não se aplica no bojo da ação popular. Assim sendo, descabe a
aplicação do artigo 1.015 do CPC/15, haja vista que, ao remeter a outros casos expressamente
previstos em lei, em seu inciso XIII permite o agravo de instrumento do artigo 19, § 1º em
outros casos.

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. DECISÃO DECLINATÓRIA DA
COMPETÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO.
MICROSSISTEMA DE DIREITO COLETIVO. PRESTÍGIO. 1. Conforme
estabelecido pelo Plenário do STJ, “aos recursos interpostos com fundamento no
CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão
exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”
(Enunciado Administrativo n. 3).2. A discussão travada nos presentes autos consiste
em saber se é cabível agravo de instrumento, no bojo de ação popular, contra
decisão que declinou da competência. 3. O aresto distrital não conheceu do recurso
por entender (…) A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva,
prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento
(art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do
47 ROQUE, André Vasconcellos. O Cabimento do Agravo de Instrumento: Ações Coletivas. GenJurídico, 2017,
n.p. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/01/15/cabimento-do-agravo-de-
instrumento/#:~:text=Ou%20seja%2C%20todas%20as%20decis%C3%B5es,pela%20aplica%C3%A7%C3%A3
o%20conjunta%20dos%20arts. Acesso em: 21 fev. 2021.

CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o
cabimento daquele recurso em “outros casos expressamente referidos em lei.” 7.
Agravo interno provido para anular o aresto recorrido e determinar que o Tribunal a
quo examine o agravo de instrumento ali interposto, como entender de direito. (STJ.
AgInt no REsp 1733540/DF, 2018/0076435, Rel. Ministro Gurgel de Faria. DJ:
04/12/2019, T1 Primeira Turma, DJe 04/12/2019) 48

Assim, não há que se falar em taxatividade quanto à impugnação de agravo de
instrumento na ação popular, abrangendo esse entendimento a todo microssistema processual
coletivo em virtude da sua especialidade.

6. REMESSA OBRIGATÓRIA: ANÁLISE DO ARTIGO 19, § 2º – SENTENÇA
CONTRA O AUTOR

Importante questão a ser esclarecida está no fato de que a previsão do agravo de
instrumento no § 1º e a apelação no § 2º do artigo 19 não esgotam ou excluem outros
institutos recursais. Gomes Júnior et al. 49 acerca do tema esclarece que a previsão legal
contida na Lei de Ação Popular do agravo de instrumento e apelação não é taxativa, embora
houvesse entendimento contrário este já se encontra superado e, em se tratando de processo de
conhecimento, todos os institutos recursais são aplicáveis à Lei de Ação Popular. No mesmo
sentido Teori Albino Zavascki assim dispõe a cerca do tema:

Embora a lei não faça menção expressa à matéria, é de se entender, por imperativo
lógico, que a regra ampliadora da legitimação para o recurso de apelação se estende
aos demais recursos posteriormente cabíveis, embargos de declaração, embargos
infringentes, recurso especial, recurso extraordinário. 50

Ao se referir à apelação em sede de ação popular Fabrício Rocha Bastos relata que:
Na ação popular (artigo 19, LAP), o recurso de apelação, quando interposto de
sentença que julga procedente o pedido, será sempre recebida com efeito suspensivo
(ope legis), ou seja, terá o denominado duplo efeito. Nos casos de sentença de
absolvição de instância ou de improcedência, a apelação ostentará somente efeito
devolutivo. 51

Embora haja esse posicionamento, existem doutrinadores em sentido contrário,

48 BRASIL. STJ. AgInt no REsp 1733540/DF, 2018/0076435, Rel. Ministro Gurgel de Faria. DJ: 04/12/2019,
T1 Primeira Turma, DjE 04/12/2019. Disponivel em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/860011168/agravo-interno-no-recurso-especial-agint-no-resp-1733540-
df-2018-0076435-7. Acesso em: 10 mar. 2021.
49 GOMES JÚNIOR, L. M. et al. Comentários à Lei de Ação Popular. 1. ed. Rio de Janeiro: GZ, 2020.
50 ZAVASCKI, T. A. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 7. ed. rev., atual.
e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 79-98.
51 BASTOS, F. R. Do Microssistema da Tutela Coletiva e a Sua Interação com o CPC/2015. Revista do
Ministério Público do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 68, abr./jun. 2018, p. 131.

conforme Meirelles 52 entende que em todos os casos, ou seja, havendo a carência, procedência
ou improcedência da ação o efeito será suspensivo no caso de apelação, destacando que a
única diferença serão os legitimados ativos, que no caso de carência e improcedência do
pedido fica a encargo do Ministério Público, do autor ou qualquer cidadão.
Gomes Júnior et al. 53 traz à baila a atuação do Ministério Público, se este poderia ou
não atuar contra o autor no caso de procedência do pedido. Assim, há aqueles conforme
Mancuso 54 que entendem que a norma necessita de atualização alterando o § 2º dando poderes
ao Ministério Público de recorrer mesmo contra o autor e a favor do réu na defesa do interesse
público.
Outros, como Zavascki 55 , que coaduna com a ideia de que o § 2º deve ser
interpretado à luz da Constituição Federal de 1988 em que o Ministério Público deve atuar na
defesa do interesse público não importando se seja do réu ou autor. Embora existam tais
posicionamentos, certo é que a celeuma ainda esta longe de se terminar e, a priori, a
conclusão que se pode chegar é que a atuação do Ministério Público é em prol da defesa do
interesse público e conforme o que dispõe o texto da Lei de Ação Popular atuará a favor do
interesse público, não importando se autor ou réu.
Quanto à terminologia utilizada na lei que somente o “cidadão” terá o direito de
recorrer também é bastante polêmica, haja vista que o posicionamento atual de cidadão é
aquele que possui título eleitoral apto a votar, hoje já existe entendimento de que o conceito
de cidadão deve ser com base na Constituição Federal, necessitando de uma conceituação
mais abrangente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que a remessa obrigatória não se trata de um instituto exclusivo do
Código de Processo Civil, recebendo tratamento próprio na Lei de Ação Popular e em outras
leis especiais.
Seu surgimento histórico teve origem no direito medieval no processo penal lusitano,
e incorporado pela primeira vez no direito brasileiro na Lei de 4 de outubro de 1831, passando
52 MEIRELLES, H L. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção,
habeas data, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, e arguição de
descumprimento de preceito fundamental. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2001.
53 GOMES JÚNIOR, L. M. et al, op. cit.
54 MANCUSO, R. de C. Ação Popular. 8. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015.
55 ZAVASCKI, T. A. Processo Coletivo: tutela dos direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

a fazer parte do Código de Processo Civil e legislação extravagante.
Verificou-se que o reexame necessário na Lei de Ação Popular possui atuação
inversa do instituto contido no processo civil, haja vista que a ação popular, sendo julgada
procedente, não haverá reexame obrigatório, enquanto que no CPC, caso a Fazenda Pública
seja derrotada haverá a aplicação do instituto. Porém, em virtude de se tratar do reexame
obrigatório na Lei de Ação Popular fazer parte de uma lei extravagante, o reexame obrigatório
do CPC não será aplicado na Lei de Ação Popular caso a Fazenda Pública seja vencida.
Analisou-se que a natureza jurídica do instituto é condição sine qua non de eficácia
da sentença, embora exista corrente minoritária que entenda se tratar de recurso. Ainda, feito a
abordagem quanto à constitucionalidade do instituto, constatou que a corrente majoritária
entende ser constitucional, pois a remessa obrigatória é realizada em razão do interesse
público primário.
Concluiu-se que a exceção contida no artigo 496, §3º do CPC não se aplica ao
instituto da Lei de Ação Popular, mas apenas o disposto no mesmo artigo em seu §4º no que
se refere ao limite qualitativo. Além disso, constatou-se que aos direitos individuais
homogêneos não se aplica a remessa obrigatória. Quanto ao efeito translativo dos recursos
percebeu-se que sua aplicação no microssistema processual deve ser condicionada, conforme
artigos 9º e 10 do CPC.
Considerando que o assunto ainda é pouco explorado, recomenda-se mais pesquisas
na área, haja vista que a Lei de Ação Popular foi aprovada em 1965, sendo anterior à
Constituição Federal de 1988, necessitando de uma interpretação à luz do texto constitucional.
Sugere-se, ainda, que outros estudos sejam desenvolvidos para discutir e fortalecer o tema da
presente pesquisa, levando-se em consideração a evolução da sociedade e da necessidade
inclusive de uma nova legislação, devendo estar em consonância com os princípios
constitucionais.

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direitos. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora

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#1 on 2022-out-01 sáb  10:22+-10800

#2 on 2022-out-01 sáb  10:56+-10800

#3 on 2022-ago-23 ter  08:34+-10800

#4 on 2022-ago-23 ter  08:44+-10800

#5 on 2022-ago-23 ter  08:48+-10800

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