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RELATO DE CASO COM PROPOSTA REFLEXIVA: O PAPEL DA COMUNICAÇÃO NOS CUIDADOS PALIATIVOS

por Christiany da Silveira Lima
Family therapy session featuring parents and child with therapist in a cozy office setting.

 

SÍRIO-LIBANÊS ENSINO E PESQUISA

CHRISTIANY DA SILVEIRA LIMA

 

 

 

 

 

 

RELATO DE CASO COM PROPOSTA REFLEXIVA: O PAPEL DA COMUNICAÇÃO NOS CUIDADOS PALIATIVOS

 

São Paulo

2023

CHRISTIANY DA SILVEIRA LIMA

RELATO DE CASO COM PROPOSTA REFLEXIVA: O PAPEL DA COMUNICAÇÃO NOS CUIDADOS PALIATIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Instituição de Ensino e Pesquisa Sírio-Libanês para conclusão do curso de Especialização em Cuidados Paliativos Pediátricos

Orientadora: Dra Graziela de Araújo Costa

 

São Paulo

2023

RESUMO

Os Cuidados Paliativos Pediátricos (CPP) são uma área inovadora dentro da assistência à saúde, promovido por uma equipe multidisciplinar, com o objetivo de aliviar sofrimento e melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares que vivenciam doenças agudas ou crônicas que ameaçam a vida. Para ser possível alcançar os objetivos, se faz necessário uma boa comunicação tanto entre equipe e paciente ou família, como também entre as equipes assistentes. Os profissionais de saúde precisam estar atentos para todas as formas de comunicação e a importância delas para o desenvolvimento de uma boa relação entre o profissional e o paciente. O objetivo desse estudo foi, a partir de uma relato de caso, levantar uma reflexão sobre a comunicação e a relação profissional e paciente ou família. O resultado foi destacar que essa relação tem papel fundamental para o alívio do sofrimento e superação das dificuldades durante todo o processo de doença. A partir de uma breve revisão bibliográfica fica claro a importância da comunicação para o desempenho da prática dos cuidados paliativos pediátricos, a necessidade de avaliação das habilidades de comunicação durante a graduação dos profissionais de saúde e também a necessidade do apoio às famílias na comunicação durante toda a jornada de doença da criança.

PALAVRAS-CHAVE: Cuidados Paliativos Pediátricos, Comunicação, Relações Interpessoais, Equipe de assistência ao paciente

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO 5

2

OBJETIVO 6

3

MÉTODO 6

4

RELATO DE CASO 6

5

RESULTADOS 9

6

DISCUSSÃO 10

7

CONCLUSÃO 14

8

BIBLIOGRAFIA 15

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

Os Cuidados Paliativos Pediátricos (CPP) são uma área inovadora dentro da assistência à saúde e tem como objetivo melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares que vivenciam doenças agudas ou crônicas que ameaçam a vida. O CPP é promovido por uma equipe multidisciplinar, que pode ser composta por médico, enfermeiro, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo e capelão. A partir de uma abordagem interdisciplinar acessam prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação e tratamento de sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais. Dessa forma, esses profissionais têm o papel de auxiliar no manejo dos sintomas, construir um sistema de suporte para os pacientes e familiares, integrandos todos aspectos de cuidado (1).

Os CPP são indicados para crianças acometidas por doenças crônicas ou agudas que ameacem a vida. As doenças que ameaçam a vida normalmente têm início com tratamento modificador de doença, visando todo investimento terapêutico disponível à medida que a doença avança até o estágio que predomina a abordagem paliativa. Essa transição do cuidado com intenção paliativa é um processo contínuo e sua dinâmica difere para cada paciente, tornando-se prioritário para garantir qualidade de vida, conforto e dignidade (2).

Figura 1. Modelo integrado de cuidados paliativos para doenças crônicas progressivas.

Nota: CFV = Cuidados ao Fim da Vida

Fonte: Cuidados paliativos na prática clínica, Vol.1. Ministério da Saúde/ Instituto Nacional do Câncer (INCA).

A comunicação é o eixo principal para conseguir promover os CPP. Inicialmente é necessário conhecer não só sobre a doença e sua evolução como também o paciente, seus cuidadores e sua família, pois só assim é possível criar vínculo e acessar suas dores e dificuldades, facilitando a abordagem multidisciplinar e atingindo os objetivos dos CPP. O profissional de saúde ele tem o papel de direcionar, orientar e acompanhar pacientes e familiares nesse processo. Neste sentido, é necessário habilidades básicas de comunicação como: Perguntar, informar e escutar. O método envolve perguntas aberta e reflexões. É recomendado que o profissional inicie a conversa com pergunta aberta, ou seja, que não pode ser respondida facilmente com uma palavra ou frase simples. O objetivo da pergunta aberta é estimular o paciente e familiar a falar o máximo possível, facilitando a reflexão e elaboração do assunto. Já a reflexão é o elemento crucial na escuta ativa e consiste em conectar o que o paciente disse com o que o profissional ouviu. É recomendado que o profissional faça uma pergunta aberta para cada duas reflexões, para não correr o risco de gerar indução na fala do paciente ou familiar (3).

O processo de escuta ativa depende de dois personagens: o locutor e interlocutor. A escuta ativa é uma estratégia de intervenção em saúde utilizada para mediar a comunicação, obter informações, minimizar as angústias, diminuir o sofrimento do assistido e possibilitar o indivíduo ouvir o que está sendo dito, favorecendo a autorreflexão. Desta forma, o profissional necessita de treinamento de habilidades que fortaleçam a sua capacidade diante de situações adversas. E para isso, requer atenção cuidadosa ao que o paciente diz, visualização clara do que foi dito, formulação da hipótese por meio de uma abordagem não defensiva, ou seja, atender com respeito à outra pessoa, escutando com todos os sentidos focados no discurso (3,4).

No entanto, a comunicação envolve a dimensão verbal e não-verbal. A verbal consiste em toda forma de comunicação baseada nas palavras ditas, mensagens escritas e linguagem de sinais. (5) Por outro lado, a comunicação não-verbal envolve o olhar, postura, tom de voz, acenos de cabeça, gestos, e a posição postural. O profissional da saúde pode facilitar essa comunicação mantendo o contato visual com o paciente durante a consulta, a fim de conseguir observar reações emocionais durante o atendimento. Essas dimensões, somadas a empatia, promovem melhores resultados na comunicação em cuidados de saúde, pois propicia um ambiente caloroso e amigável. É importante o profissional atentar para coerência da sua comunicação verbal e não verbal durante o atendimento, pois quando utilizada em harmonia reduz ansiedade e facilita o compartilhamento por parte do paciente ou do familiar (6).

2 OBJETIVO

O presente estudo objetivou descrever a importância do processo de comunicação em cuidados paliativos a partir de um relato de caso.

3 MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório de relato de caso com proposta reflexiva, realizado a partir de revisão de prontuário e pesquisa bibliográfica.

4 RELATO DE CASO

V.S.D.R., feminino, 7 meses, transferida da Maternidade Escola Assis Chateaubriand para o serviço no qual trabalho aos 4 meses de vida, traqueostomizada e gastrostomizada, dependente de ventilação mecânica.

Nasceu de parto cesáreo, devido sofrimento fetal agudo, prematura de 36 semanas e 5 dias, nasceu em morte aparente (Apgar 0-3-4) tendo sido entubada e reanimada na sala de parto. A criança evoluiu com quadro de encefalopatia hipóxica grave, apresentou várias crises convulsivas ainda nos primeiros 2 meses de vida. Realizou ultrassom transfontanela que mostrou insulto hipóxico isquêmico grave – estado subagudo/crônico; extensa encefalomalácea multicística dos hemisférios cerebrais, evoluindo com redução volumétrica cerebral global.

Aos 5 meses de vida evoluiu com quadro de diarreia persistente, fissura anal, urticária, sendo diagnosticada com alergia a proteína do leite de vaca (APLV). Realizada a troca da dieta e apresentou melhora do quadro. Durante o internamento apresentou vários quadros infecciosos, sendo um dos quadros mais importantes, uma pneumonia grave necessitou de parâmetros altos na ventilação mecânica e instabilidade clínica, chegando a apresentar queda de saturação ao manuseio; a paciente não apresentava condições nem de remoção para centro cirúrgico para realizar punção de acesso venoso central (AVC). Nesse momento, conversei com a mãe de forma muito cautelosa, pois ela estava grávida de seu segundo filho. Inicialmente perguntei o que ela estava entendendo do quadro atual da criança, e depois falei sobre a gravidade do quadro clínico e risco que a paciente tinha de não resistir a esta infecção e vir a óbito. A mãe, que sempre foi pouco comunicativa, não quis falar nada e apenas chorou ao final da conversa. Ao perguntar se ela gostaria de fazer alguma pergunta, ela apenas gesticulava com a cabeça dizendo que não.

A paciente manteve-se estável, dentro da gravidade clínica e foi aos poucos se recuperando sendo possível reduzir os paramentos da ventilação mecânica. E, logo após a recuperação desse quadro infeccioso, eu sai desse setor, pois estava apenas substituindo a licença maternidade de uma colega por 6 meses. Um mês após sair do acompanhamento dessa unidade, tirei férias e ao retornar, a enfermeira do setor pede que eu passe na unidade assim que possível pois a mãe dessa paciente perguntou várias vezes onde eu estava e pediu que avisasse quando eu voltar. Eis que a própria mãe me encontra no corredor, pede que eu espere e de repente volta correndo com um presente na mão. Era um chaveiro em forma de seringa que ela mesma tinha feito. Naquele momento fiquei muito surpresa com a atitude dela. Elogiei, pois estava muito bonito, bem feito e brinquei dizendo que ela tinha escondido esse dote. Ela sorriu e ficou envergonhada, então agradeci e pedi um abraço, mas ela deu um abraço com muita vergonha. A mãe já estava no terceiro trimestre de gravidez e pouco tempo depois teve que se afastar, pois iria nascer a segunda filha.

Meses depois teve início a Pandemia de Covid-19 e os pacientes crônicos tiveram que ficar internados sem acompanhantes e sem visitas, em unidades não covid 19 e os pais recebiam notícias somente pelo telefone. Após 2 meses do início da Pandemia, a paciente novamente apresentou piora do quadro respiratório, realizou exames e foi iniciado tratamento para pneumonia. Porém, a paciente evoluiu com piora clínica rápida, foi confirmado infecção por Covid-19 e criança foi a óbito após 4 dias do início do quadro. Os pais receberam a notícia pelo telefone e a mãe mostrou-se bastante revoltada, pois não aceitava ter sido afastada da filha e não aceitava o diagnóstico de Covid-19.

Como a família morava no interior do estado e estávamos com escassez de transporte devido a pandemia, os pais só conseguiram ir ao hospital no dia seguinte ao óbito.

A assistente social foi procurar até os plantonistas do dia para informar que os pais estavam indo ao hospital e a mãe estava muito grosseira ao telefone, exigindo falar com o médico pessoalmente. Eu estava no plantão e me disponibilizei para conversar. A mãe ficou muito surpresa de me ver pois esperava falar com o médico que ligou para comunicar o óbito.

No momento da conversa estavam a mãe e o pai, que conheci naquele momento. Conversamos sobre toda história clínica da criança e como ela tinha evoluído, suas fragilidades, o momento crítico que estávamos vivendo devido a pandemia e o óbito. Os pais compreenderam a situação, e não se mostraram revoltados em nenhum momento da conversa. No final, a mãe ficou me olhando com os olhos cheios de lágrimas e senti enorme vontade de abraçá-la, mas não aconteceu, pois naquele momento não era permitido devido as regras da pandemia. Ela enxugou as lágrimas, baixou a cabeça ficou mexendo no celular e de repente ela vira a tela para mim e mostra a foto da outra filha que estava em casa e com saúde. Comentei sobre a foto, mas naquele momento não entendi aquela atitude e isso me gerou angústia. No final passamos álcool nas mãos e fizemos questão de dar um aperto de mão e ela esboçou um sorriso.

5 RESULTADOS

Dois fatores me chamaram muita atenção nesse caso. O primeiro foi a importância do vínculo com a família e, consequentemente, a aceitação do desfecho de forma mais leve. O segundo foi como é difícil compreender o outro quando tem uma postura mais reservada e não verbaliza muito.

Diante de momentos difíceis e desafiadores, não sabemos como iremos nos comportar, chegando a surpreendermos com nós mesmos.

Na nossa formação acadêmica somos treinados para a busca incansável pela cura e isso nos traz enormes frustrações com o decorrer da vida profissional, gerando sensação de incapacidade e impotência. Esse sentimento de impotência reflete diretamente na relação médico-paciente, levando muitas vezes a desenvolvermos uma relação menos afetuosa, já que não tenho “a solução” para o problema ou levando a um distanciamento dessa relação para nos protegermos uma vez que não somos mais capazes de trazer a cura. Com a pós-graduação em CPP aprendi que o vínculo com o paciente e sua família nos permite acessar dores não verbalizadas e não identificadas num simples exame físico. Uma boa relação médico-paciente só é possível a partir de uma comunicação que gere acolhimento, clareza, confiança, apoio e disponibilidade. Essa relação, somado a mostrar-se disponível, mesmo quando não temos mais a condição de cura física total, tem o poder de aliviar o sofrimento e oferecer a melhor qualidade de vida para cada momento no curso da doença, gerando um sentimento de satisfação não só para o paciente e sua família, mas também para equipe que o assiste.

6 DISCUSSÃO

A comunicação é o início para desenvolvimento de todo os tipos de relacionamentos e é a ferramenta chave dos CPP pois é a partir dela que conseguiremos acessar todas as dores e sofrimentos dos pacientes e familiares. Um dos principais objetivos é o tratamento da dor, seja ela de dimensão física, social, emocional ou espiritual. A dor foi definida em 1987 como “uma experiência desagradável que associamos principalmente com dano tecidual ou representada em termos de tecido”. Em 2020, a associação internacional dos estudos da dor modificou a definição para “Uma experiência sensorial e emocional desagradável associada ou semelhante a um dano tecidual real ou potencial”, incluindo agora aqueles que não sabem ou não podem se expressar em palavras (7).

Os CPP devem usar uma abordagem multilíngue já que grande parte de seus pacientes são não-verbais ou estão impossibilitados de utilizar a fala como ferramenta de comunicação (7). Bellieni (2022) (7) classifica a comunicação dos pacientes em 6 tipos de linguagens: linguagem verbal, linguagem corporal, a linguagem ambiental, linguagem inconsciente, linguagem evidenciada em laboratório e a linguagem da tecnologia. Quando o profissional de saúde reúne todas essas formas de linguagens, fica mais fácil perceber independente de timidez, o humor do paciente, seu nível de sofrimento ou superação, capacidade de verbalizar ou ausência de vínculos entre profissionais e paciente.

O mesmo autor compreende que a linguagem verbal é a forma de comunicação predominante, porém, nem sempre expressa honestamente o pensamento do paciente. Especialmente em CPP não podemos utilizar essa linguagem com um grande número de pacientes como bebês, pacientes com algum tipo de deficiência ou autistas. A linguagem corporal vem tanto das atitudes do corpo e rosto, assim como o silêncio são partes cruciais da linguagem. Podendo ser bem significativas em casos de angústia ou decisões difíceis. A linguagem inconsciente pode ser observada em adultos como lapsos, piadas bem-humoradas, repetições de conceitos e esquecimentos, expressando um desconforto em analogia com a causa que a provocou. Particularmente em crianças podemos observar em fotos ou em desenhos feitos pelos pacientes (7).

Dentro dessa classificação dos 6 tipos de linguagem nos pacientes, 2 desses tipos são difíceis de caracterizar nas crianças, são eles: linguagem ambiental e tecnológica. A linguagem ambiental é a maneira como os pacientes lidam com o seu ambiente e sua higiene podendo ter efeito comunicativo absoluto – a bagunça ou ordem, segundo Lacan, revelam nossos desejos não expressos. Outra é a linguagem tecnológica que fala a partir do domínio e do acesso fácil a tecnologia, pois a forma como o paciente interage com a tecnologia, seja usando de forma excessiva ou ignorando, pode nos falar como o paciente está interagindo em seu mundo. Dessa forma, para ser possível obter informações a partir dessas linguagens, precisamos levar em consideração a idade e o grau de desenvolvimento cognitivo (7).

Todavia, os tipos de linguagem só são eficientes no CPP a partir de uma escuta ativa, uma ferramenta importante de comunicação que precisa ser utilizada desde o primeiro contato com o paciente ou familiares. Ela envolve sinais de atenção continuada, mostrando interesse para indicar ao falante que o ouvinte está prestando atenção ao que está sendo dito. A escuta é não só um instrumento importante para obtenção de informações, como também pode minimizar as angústias e diminuir o sofrimento do assistido, pois possibilita ao indivíduo ouvir o que está sendo dito e gera uma autorreflexão (4).

A escolha do médico por parte do paciente envolve a avaliação de como esse profissional se comunica. Quando as linguagens verbais e as não verbais são utilizadas de forma correta e coerente, é observada uma maior satisfação por parte dos pacientes, proporcionando uma redução da ansiedade e facilitando o compartilhamento de informações. Pequenas observações podem contribuir para a melhor abordagem do paciente durante uma consulta, como por exemplo: o paciente está posicionado de frente para o profissional e não realizar muitas anotações, mantendo o maior contato visual possível, acenos com a cabeça e tom de voz (6).

Um estudo (6) realizado com estudantes de medicina, avaliou a comunicação dos alunos durante a anamnese, observando assim a necessidade de um maior treinamento em habilidades de comunicação durante a formação acadêmica, já que essa ferramenta é de suma importância na área da saúde e não é abordada de forma direta durante a graduação.

A comunicação como ferramenta em CPP não se limita aos cuidados com o paciente, mas se estende a familiares e cuidadores. Para os pais, receber o diagnóstico de uma doença grave no filho é algo muito estressante e desafiador. Irá mudar toda a rotina da família, trazendo desafios para novo gerenciamento de tempo, financeiro, enfrentamento e na comunicação da família. Os pais referem alguns obstáculos para um relacionamento aberto e honesto com seus filhos, como preocupação de sobrecarregar as crianças, desejo de proteger o filho doente do medo e de outros sentimentos desagradáveis, medo da reação do filho, preocupação que as crianças perderiam a confiança nelas e de se sentirem muito sobrecarregados (8).

Estudo (8) relata que a maioria dos pais de crianças com câncer em estágio terminal evitaram discussões com seus filhos sobre a morte. Cerca de um quarto destes pais se arrependeram de não ter conversado com seus filhos, mas sentiam que as crianças estavam cientes de sua morte iminente. Muitas vezes as crianças não querem falar da morte para também proteger seus pais. A recomendação é que os pais tenham uma comunicação aberta e honesta com crianças doentes sobre seu diagnostico de câncer. As crianças menores gostam de conversar com os pais e muitas vezes se sentem ansiosas quando as informações sobre sua doença são omitidas. Já os pais são motivados a conversar abertamente com os filhos quando percebem que isso ajuda os proteger do medo, facilita o enfrentamento e para permitir que seu filho se envolva nas tomadas de decisões. O autor destaca a necessidade de um olhar cuidadoso com os pacientes pediátricos, já que, a criança tem preferências individualizadas e flutuantes ao longo do curso da doença para envolvimento na tomada de decisões. Desta forma, avaliar se há ou não interese de estarem presentes nas divulgações das informações é de suma importância. A qualidade da comunicação entre pais e filhos deve ser individualizada de acordo com as características da criança como humor ou gravidade da doença e não com a idade da criança e tempo de diagnóstico.

O efeito do tempo na comunicação entre pais e filhos com diagnóstico de câncer foi avaliado em um recente estudo (8) no Estados Unidos/ Tennessee, foi observado que a comunicação entre pais e filhos pode piorar ao longo do tempo, contrariamente ao que se esperava. No entanto, o estudo apresentou limitações do estudo como “n” não representativo para população.

Neste sentido, a adolescência é uma fase de transição da infância para vida adulta, caracterizada pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, social e pelos esforços do individuo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive. Desta forma, um diagnóstico de doença ameaçadora a vida, como por exemplo um câncer, gera muitas dúvidas e pode desencadear autocríticas físicas, sociais e processos emocionais. Essa faixa etária merece um olhar mais criterioso do CPP. A equipe de médicos assistentes devem estar preparados e antecipar a abordagem aos principais desafios relacionados a essa fase de desenvolvimento como: vida sexual e reprodutiva, independência, segurança financeira, apoio social e cuidados de fim de vida. Essa abordagem deve ser elaborada de acordo com a idade cronológica, tempo de diagnóstico e de tratamento (9).

Como o objetivo do CPP é o cuidado tanto com o paciente como também com os familiares e cuidadores, temos que estar atentos quando o paciente possui irmãos. É importante apoiar essa família para que os irmãos hígidos não sejam negligenciados e possam expressar seus sentimentos, facilitando assim o enfrentamento do momento e posteriormente superação. A satisfação dos irmãos com a comunicação familiar, está diretamente relacionada com a coesão familiar. os irmãos nunca ou raramente falam sobre a doença de um irmão ou irmã gravemente doente. No geral, os irmãos descrevem ter uma vida ativa, com amigos e atividades, mas apresentam sentimento de insegurança, sabendo que a vida pode mudar a qualquer momento (10).

Um estudo (10) realizado na Suécia, fez uso de algumas ferramentas (figuras de urso demonstrando emoçoes como raiva, tristeza, alegria; uma seleção de 27 palavras mais citadas em pesquisas anteriores com crianças que tinham irmãos com necessidade de cuidados paliativos e imagem de um corpo humano em branco para que pudessem completar as figuras desenhando) para facilitar a comunicação e assim compreender quais eram seus sentimentos e o que seria mais importante pra eles naquele momento. Foi observado que a causa que levou o irmão necessitar de CPP fez diferença nos sentimentos desenvolvidos pelos irmãos hígidos. Quando a necessidade de CPP foi secundária a um acidente, os irmãos hígidos apresentavam sentimento de culpa. Em contrapartida, quando a necessidade de CPP foi devido a alguma doença rara, esses irmãos saudaveis achavam que faziam parte de uma família especial e feliz. Ferramentas de comunicação, como as utilizadas neste estudo, podem ser úteis para os profissionais de saúde iniciarem a comunicação, compreender e apoiar ainda mais as necessidades de cada irmão.

Além da comunicação entre profissional e pacientes ou família, é de suma importância que as equipes que prestam assistência ao paciente, tenham uma comunicação eficaz, pois a comunicação interprofissional está diretamente relacionada com segurança no tratamento do paciente. Quando ineficaz pode resultar em atraso no tratamento, erro diagnóstico e de medicação, lesão no paciente e até levar ao óbito. Alguns dos obstáculos que podem contribuir para uma comunicação interprofissional ineficaz são: a falta de confiança, falta de experiência, complexidade de caso, a natureza perturbadora dos ambientes de saúde e falta de estrutura e padronização (11).

No entanto, existe ferramentas que podem facilitar nesse processo como a Pediatric Early Warning Systems (PEWS). É um instrumento quando foi utilizado em pacientes pediátricos com câncer, mostrou contribuir para melhora da comunicação tanto entre as equipes assistentes, como tambem entre equipe e pacientes ou família, facilitando interação. Além disso, o instrumento permitiu a construção de vínculo, forneceu orientações precoce e gerou maior envolvimento das famílias nos cuidados com os filhos. Essa ferramenta é utilizada para avaliação do paciente, à beira leito, a partir de uma pontuação e de um algoritmo de ação, favorecendo assim a identificação precoce da piora clínica do paciente e indicação de cuidados intensivos pediátricos. Os cuidadores presenciam as avaliações, acompanhando de perto a evolução dos filhos. As participações deles contribuem com informações, além de ajudar na elaboração da aceitação da piora clínica (12).

7 CONCLUSÃO

A comunicação é a pedra fundamental para alcançar os objetivos dos CPP e, na maioria dos casos é um desafio. Fica claro que o acolhimento, a criação de vínculo entre equipe e paciente ou família, e estar atento a todas as formas de linguagens é o caminho que devemos buscar para que haja uma boa comunicação. Esse caminho se torna ainda mais difícil para profissionais da área da saúde devido à escassez de tempo, sobrecarga de trabalho e falta de treinamento em habilidades de comunicação.

Precisamos estar atentos e dar apoio às famílias na comunicação não só no momento do diagnóstico como também durante todo o curso da doença do filho, facilitando assim uma melhora crescente na comunicação entre pais e filhos (doentes e hígidos) ao longo do tempo. Ferramentas de comunicação como desenhos, livros ou jogos, podem ser úteis e devem ser utilizadas com crianças para facilitar o início da comunicação, dar recursos que ajudam a criança se expressar e também podem ajudar na compreensão de cada etapa do processo.

Dentro dos CPP, a comunicação é o ponto chave para ter acesso as dores e sintomas dos pacientes, e assim conseguir realizar adequado controle de sintomas em todas as dimensões. Vale ressaltar que, em algumas situações, a comunicação, seja ela verbal ou não verbal, será a principal “medicação” para aliviar o sofrimento e permitir que o paciente vivencie a terminalidade com conforto.

8 BIBLIOGRAFIA

  1. World Health Organization. Newsroom. Fact sheets. Palliative care. Geneva: WHO, 2020.Disponível em http://www.who.int/news-roo/fact-sheets/detail/palliative-care. Acesso em: 03 jan. 2022.

  2. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Cuidados Paliativos Na Prática Clínica. A avaliação do Paciente em Cuidados Paliativos, Vol 1, Rio de Janeiro: INCA, 2022. Disponível em:  https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/avaliacao-do-paciente-em-cuidados-paliativos-cuidados-paliativos-na-pratica. Acesso em: 03 jan. 2022.

  3. Figlie, NB. Entrevista Motivacional e Terapia Cognitivo- Comportamental no Tratamento do uso de Substâncias Psicoativas. In: Neide A. Zanelatto; Ronaldo Laranjeira. (Org.). O Tratamento da Dependência Química e as Terapias Cognitivo-Comportamentais.1 ed. Porto Alegre: Grupo A, 2013, p.273-290.ISBN 978-85-65852-24-1.

  4. Mesquita AC, Carvalho EC. A escuta terapêutica como estratégia de intervenção em saúde: uma revisão integrativa [Therapeutic Listening as a health intervention strategy: an integrative review]. Rev Esc Enferm USP. 2014 Dec;48(6):1127-36. Portuguese. doi: 10.1590/S0080-623420140000700022. PMID: 25626514.

  5. Trovo de Araújo MM, da Silva MJ. Estratégias de comunicação utilizadas por profissionais de saúde na atenção à pacientes sob cuidados paliativos [Communication strategies used by health care professionals in providing palliative care to patients]. Rev Esc Enferm USP. 2012 Jun;46(3):626-32. Portuguese. doi: 10.1590/s0080-62342012000300014. PMID: 22773483.

  6. Vogel D, Meyer M, Harendza S. Verbal and non-verbal communication skills including empathy during history taking of undergraduate medical students. BMC Med Educ. 2018 Jul 3;18(1):157. doi: 10.1186/s12909-018-1260-9. PMID: 29970069; PMCID: PMC6029273.

  7. Bellieni CV. Verbal Communication with the Patient Is Not Enough: The Six Languages of the Sick. Nurs Rep. 2022 Oct 13;12(4):726-732. doi: 10.3390/nursrep12040072. PMID: 36278765; PMCID: PMC9624342.

  8. Cowfer BA, Dietrich MS, Akard TF. Effect of time on quality of parent-child communication in pediatric cancer. Pediatr Blood Cancer. 2021 Oct; 68(10):e29091. doi: 10.1002/pbc.29091. Epub 2021 Jun 24. PMID: 34165883.

  9. Perez GK, Salsman JM, Fladeboe K, Kirchhoff AC, Park ER, Rosenberg AR. Taboo Topics in Adolescent and Young Adult Oncology: Strategies for Managing Challenging but Important Conversations Central to Adolescent and Young Adult Cancer Survivorship. Am Soc Clin Oncol Educ Book. 2020 Mar; 40:1-15. doi: 10.1200/EDBK_279787. PMID: 32324424; PMCID: PMC7328818.

  10. Kreicbergs U, Nilsson S, Jenholt Nolbris M, Lövgren M. Using Communication Tools to Explore Young Siblings’ Experiences of Having a Brother or Sister with Pediatric Palliative Care Needs. Children (Basel). 2022 Apr 29;9(5):641. doi: 10.3390/children9050641. PMID: 35626818; PMCID: PMC9139212.

  11. Cynthia Foronda, Brent MacWilliams, Erin McArthur, Interprofessional communication in healthcare: An integrative review, Nurse Education in Practice, Volume 19, 2016, Pages 36-40, ISSN 1471-5953, https://doi.org/10.1016/j.nepr.2016.04.005. (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1471595316300208)

  12. Gillipelli SR, Kaye EC, Garza M, Ferrara G, Rodriguez M, Soberanis Vasquez DJ, Mendez Aceituno A, Antillón-Klussmann F, Gattuso JS, Mandrell BN, Baker JN, Rodriguez-Galindo C, Agulnik A, Graetz DE. Pediatric Early Warning Systems (PEWS) improve provider-family communication from the provider perspective in pediatric cancer patients experiencing clinical deterioration. Cancer Med. 2022 Sep 21. doi: 10.1002/cam4.5210. Epub ahead of print. PMID: 36128882.

 

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