O VAI E VEM DA ESCRITA; MARATONANDO A LEITURA NA ESCOLA
Marisa Esposito Nogueira de Lima 1
Luciana Cruz de Freitas 2
RESUMO
O projeto “Vai e Vem da Escrita, Maratonando a Leitura na Escola” é uma iniciativa inovadora que visa promover a alfabetização de crianças do ensino fundamental I da Escola Integral Carlos Cárcano, situada no Assentamento Urucum, ao mesmo tempo em que valoriza a figura do idoso e fortalece os laços entre a escola e a comunidade. Desenvolvido com alunos do quarto ano, o projeto se destaca por sua abordagem lúdica e significativa, que utiliza a escrita como ferramenta de interação social e expressão individual.
O projeto surgiu da observação atenta da professora da turma, que notou a espontânea troca de bilhetes e recados entre os alunos. Diante desse cenário, a educadora vislumbrou uma oportunidade de transformar essa prática cotidiana em uma ferramenta pedagógica para o processo de alfabetização. A partir daí, o projeto se desdobrou em diversas etapas, envolvendo a produção de bilhetes, cartas e mensagens para diferentes destinatários.
Palavras-chave: Alfabetização. Escola. Escrita. Interação Social.
INTRODUÇÃO
O presente artigo científico tem como objetivo apresentar e analisar o projeto “Vai e Vem da Escrita, Maratonando a Leitura na Escola”, desenvolvido com alunos do quarto ano do ensino fundamental na Escola Carlos Carcano, localizada no assentamento Urucum. A iniciativa surgiu da observação atenta da professora da turma, que notou a espontânea troca de bilhetes e recados entre os alunos, tanto entre si quanto direcionados a ela e a outras colegas docentes. Diante desse cenário, a educadora vislumbrou uma oportunidade de transformar essa prática cotidiana em uma ferramenta pedagógica para o processo de alfabetização.
O projeto, realizado em uma escola de tempo integral, expandiu-se para além dos muros da sala de aula, envolvendo a comunidade local e promovendo o intercâmbio entre diferentes realidades. Os alunos tiveram a oportunidade de exercitar a escrita em diversos contextos, como na produção de mensagens afetuosas para Dona Irene, uma moradora do assentamento Urucum, e na troca de cartas com estudantes de uma escola da cidade, estabelecendo uma ponte entre o campo e o meio urbano.
O ponto alto do projeto foi a visita ao asilo, onde os alunos compartilharam recados do coração, apresentaram uma peça teatral e entregaram uma cesta de frutas, proporcionando momentos de alegria e afeto aos idosos. A culminância do projeto ocorreu no Porto Geral, um espaço simbólico de encontro e celebração na cidade.
Ao longo deste artigo, exploraremos os impactos do projeto “Vai e Vem da Escrita, Maratonando a Leitura na Escola” no desenvolvimento da escrita, da leitura e da interação social dos alunos do quarto ano. Analisaremos como a observação atenta do cotidiano escolar e a valorização das práticas espontâneas dos alunos podem gerar projetos inovadores e significativos, que contribuem para a formação integral dos estudantes e para a construção de uma escola mais conectada com a comunidade.
2 PERFIL DA TURMA DO 4º ANO: DESAFIOS E SUPERAÇÃO NO ASSENTAMENTO URUCUM
A turma do 4º ano da Escola Municipal Carlos Cárcano, localizada no Assentamento Urucum, Mato Grosso do Sul, representa um retrato da resiliência e da determinação de crianças que, apesar dos desafios diários, buscam na educação um futuro promissor. O perfil desses alunos é marcado por trajetórias singulares, unidas pelo desejo de aprender e pela esperança de construir um amanhã melhor para si e para suas famílias.
A maioria dos alunos reside no Assentamento São Gabriel, distante cerca de quarenta quilômetros do Assentamento Urucum, onde se situa a escola. Essa distância impõe um desafio diário: o deslocamento de ônibus escolar, que exige paciência, organização e, acima de tudo, coragem. As crianças, desde cedo, aprendem a lidar com a saudade da família e a enfrentar os perigos da BR-262, rodovia que liga os dois assentamentos.
A rotina desses pequenos estudantes começa muito cedo. Enquanto seus pais se dedicam ao trabalho na lavoura ou em outras atividades para garantir o sustento da família, as crianças se preparam para mais um dia de aprendizado. O ônibus escolar, muitas vezes superlotado, torna-se um espaço de convívio e de troca de experiências. Ali, as crianças compartilham seus sonhos, suas angústias e suas expectativas, fortalecendo os laços de amizade e construindo uma rede de apoio mútuo.
Em meio à complexidade da educação, a Escola Municipal Carlos Cárcano se destaca como um farol, um local onde o acolhimento e o rigor pedagógico caminham lado a lado. A chegada à escola representa um alívio e um novo começo, com seu regime integral e seu ambiente estimulante. A jornada escolar, que se estende das sete às quinze horas, é repleta de atividades diversificadas, que visam o desenvolvimento integral dos alunos. E para que essa jornada seja realmente transformadora, é preciso rigor, método e planejamento, pois, como nos ensina Paulo Freire, ‘Ensinar exige rigorosidade metódica’ (FREIRE, 1996, p. 31).
Ele faz uma reflexão sobre os desafios específicos enfrentados pelas escolas do campo, como a falta de recursos, a distância geográfica e a necessidade de adaptar o currículo à realidade local. A rigorosidade metódica, nesse contexto, exige um esforço ainda maior por parte dos educadores para garantir uma educação de qualidade para as crianças do campo.
3 ESCOLA CARLOS CÁRCANO: UM ESPAÇO DE OPORTUNIDADES E DESENVOLVIMENTO INTEGRAL
Na Escola Municipal Carlos Cárcano, os alunos do 4º ano têm a oportunidade de aprender e se desenvolver em diversas áreas do conhecimento. O currículo escolar abrange disciplinas como Português, Matemática, Ciências, Geografia, História, Artes, Inglês, Educação Física e Educação em Direitos Humanos. Através de metodologias inovadoras e de projetos interdisciplinares, os professores buscam despertar o interesse e a curiosidade dos alunos, incentivando a participação ativa e o protagonismo juvenil.
A escola integral oferece aos alunos um ambiente seguro e acolhedor, onde eles podem se sentir à vontade para expressar suas ideias, tirar suas dúvidas e desenvolver suas habilidades. Além das atividades curriculares, a escola oferece atividades complementares, como oficinas de leitura, escrita, música, teatro e esportes, que visam ampliar o repertório cultural dos alunos e estimular o desenvolvimento de suas potencialidades – uma jornada que nos convida a ‘olhar as coisas de perto e de longe, como se elas não tivessem importância nenhuma’, como sabiamente nos ensina Manoel de Barros (Barros, 1993, “O livro das ignorãças”). Poeta que viveu no Pantanal, valoriza a simplicidade e a capacidade de contemplar o mundo com um olhar atento e curioso.
A interação com outras crianças, vindas de diferentes realidades e com diferentes experiências de vida, é um dos aspectos mais enriquecedores da escola integral. Ao conviverem com colegas de diferentes origens, os alunos aprendem a respeitar as diferenças, a valorizar a diversidade e a construir relações saudáveis e colaborativas.
A Escola Municipal Carlos Cárcano representa um farol de esperança para as crianças do Assentamento Urucum e do Assentamento São Gabriel. Através da educação, esses alunos têm a oportunidade de superar os desafios da vida, de construir um futuro melhor para si e para suas famílias e de se tornarem cidadãos conscientes e engajados com o mundo ao seu redor.
4 RODA DE LEITURA E VARAL DA GENTILEZA
Para aprofundar a análise do projeto “Vai e Vem da Escrita” no artigo científico, é essencial detalhar a atividade da roda de leitura e a construção do varal da gentileza, que foram momentos cruciais para a reflexão e a internalização dos valores que o projeto busca promover.
A roda de leitura do livro “O Gentileza Gerou Gentileza”, de Santhiago Gomes, foi um momento de partilha e aprendizado. A obra, que aborda a importância da gentileza e do respeito nas relações humanas, serviu como ponto de partida para uma discussão sobre o tema do “Vai e Vem da Escrita”. Os alunos da Escola Integral Carlos Cárcano,foram convidados a compartilhar suas impressões sobre o livro, relacionando as mensagens de gentileza com a proposta de troca de “recadinhos do coração”.
Segundo Paulo Freire, “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.” (FREIRE, 1989, p. 27). Freire reforça a importância de conectar a leitura com a realidade dos alunos, permitindo que eles construam significados a partir de suas experiências. A roda de leitura, ao promover a partilha de impressões sobre o livro “O Gentileza Gerou Gentileza”, possibilita essa conexão entre a leitura e o mundo.
Após a roda de leitura, as crianças foram desafiadas a construir o “Varal da Gentileza”, um espaço onde pudessem expressar seus sentimentos e pensamentos sobre o tema. Com frases inspiradoras e mensagens de carinho, os alunos criaram um varal repleto de palavras que celebram a gentileza e o respeito. Augusto Cury: “As palavras são a matéria-prima da alma.” (CURY, 2003, p. 15). Cury destaca o poder das palavras na expressão de sentimentos e na construção da identidade. O varal da gentileza, ao permitir que os alunos expressem seus sentimentos e pensamentos sobre o tema, promove o desenvolvimento socioemocional e a internalização dos valores do projeto.
A construção do varal da gentileza foi um momento de colaboração e criatividade. Os alunos trabalharam em equipe, trocando ideias e se inspirando uns nos outros. O resultado foi um varal colorido e vibrante, que transmitia a mensagem de que a gentileza é um valor fundamental para a construção de um mundo mais justo e solidário.
A atividade da roda de leitura e a construção do varal da gentileza permitiram aos alunos aprofundarem a reflexão sobre o tema do “Vai e Vem da Escrita”, internalizando os valores que o projeto busca promover. Além disso, as atividades estimularam a criatividade, a colaboração e a expressão dos sentimentos, contribuindo para o desenvolvimento socioemocional dos alunos.
A construção do varal da gentileza, ao envolver os alunos em um trabalho em equipe, estimula a colaboração, a criatividade e o senso de pertencimento à escola – um sentimento fundamental para que cada um se sinta responsável e engajado com o bem-estar coletivo, pois, como nos lembra Rubem Alves, ‘A escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comportar como se fosse o dono’ (ALVES, 2001, p. 42).
5 VISITA À CASA DE DONA IRENE: UMA VIAGEM NO TEMPO
A visita à casa de Dona Irene, uma das moradoras mais antigas do Assentamento Urucum, representou um momento ímpar no projeto de alfabetização, proporcionando aos alunos uma experiência enriquecedora e significativa. A atividade teve como objetivo principal promover um diálogo intergeracional, permitindo que as crianças conhecessem e valorizassem a história e a cultura local através do relato de Dona Irene sobre os meios de comunicação em tempos passados.
Paulo Freire, um dos maiores educadores do mundo, nos lembra da importância de valorizar o conhecimento e a experiência de vida de cada pessoa, pois, como ele mesmo afirma, ‘Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre’ (FREIRE, 1996, p. 59), reconhecendo que o aprendizado é um processo contínuo e compartilhado.
A chegada à casa de Dona Irene foi marcada por um clima de expectativa e curiosidade. As crianças, ansiosas por conhecer a história da moradora, foram recebidas com um sorriso acolhedor e um abraço caloroso. Dona Irene, com sua sabedoria e experiência, preparou um ambiente acolhedor para receber os pequenos visitantes.
A conversa teve início com perguntas sobre a vida de Dona Irene no Assentamento Urucum. A moradora compartilhou histórias sobre sua infância, sua juventude e os desafios que enfrentou ao longo da vida. As crianças, atentas e curiosas, faziam perguntas e demonstravam interesse em conhecer cada detalhe da história de Dona Irene.
Anísio Teixeira enfatiza que “A escola não é uma ilha, mas parte integrante da comunidade” (TEIXEIRA, 1959, p. 12), promovendo a interação e a troca de conhecimentos. A visita à Dona Irene fortalece essa relação entre a escola e a comunidade, permitindo que os alunos conheçam e valorizem a cultura local.
Um dos temas centrais da conversa foi a evolução dos meios de comunicação ao longo do tempo. Dona Irene relatou como era a vida em tempos passados, quando não existiam telefones celulares, internet e televisão. Ela descreveu como as pessoas se comunicavam através de cartas, telegramas e rádios, e como a informação chegava de forma lenta e gradual.
As crianças ficaram impressionadas com as histórias de Dona Irene. Elas não conseguiam imaginar como era a vida sem as tecnologias que hoje fazem parte do seu dia a dia. A conversa com Dona Irene permitiu que as crianças valorizassem os avanços tecnológicos, mas também refletissem sobre a importância da comunicação face a face e da preservação da memória oral.
5.1 O legado de dona Irene: Memória e identidade
A visita à casa de Dona Irene não se limitou a uma simples conversa sobre os meios de comunicação. A atividade representou uma oportunidade para os alunos conhecerem e valorizarem a história e a cultura do Assentamento Urucum. Através do relato de Dona Irene, as crianças puderam compreender como era a vida em tempos passados, quais eram os costumes e as tradições da comunidade, e como as pessoas se relacionavam umas com as outras.
A experiência de ouvir as histórias de Dona Irene despertou nas crianças um sentimento de pertencimento e identidade com o Assentamento Urucum. Elas perceberam que fazem parte de uma história maior, que é construída por pessoas como Dona Irene, que dedicaram suas vidas à comunidade.
Papa Francisco: “A verdadeira sabedoria está em fazer o bem ao próximo.” (FRANCISCO, 2013). Essa citação do Papa Francisco ressalta a importância da empatia e da solidariedade na construção de um mundo mais justo e humano. A visita à Dona Irene, ao proporcionar um momento de convívio e afeto, estimula a empatia e a solidariedade dos alunos em relação aos idosos e à comunidade.
A visita à casa de Dona Irene também contribuiu para o desenvolvimento da capacidade de escuta e da empatia dos alunos. Ao ouvirem as histórias da moradora, as crianças puderam se colocar no lugar do outro, compreendendo seus sentimentos e suas experiências.
A atividade representou um momento de aprendizado e reflexão para todos os envolvidos. As crianças puderam conhecer a história e a cultura do Assentamento Urucum, valorizando o legado de Dona Irene e fortalecendo sua identidade como membros da comunidade.
A visita à casa de Dona Irene é um exemplo de como o projeto de alfabetização pode ir além do ensino da leitura e da escrita, promovendo a integração entre a escola e a comunidade, valorizando a história e a cultura local, e contribuindo para a formação de cidadãos mais conscientes e engajados com o mundo ao seu redor.
5.2 Recadinhos do coração para dona Irene: Gratidão e afeto
Após a enriquecedora visita à casa de Dona Irene, os alunos do 4º ano retornaram à sala de aula com o coração cheio de histórias e aprendizados. Inspirados pela sabedoria e pelas experiências compartilhadas pela moradora, as crianças foram convidadas a expressar seus sentimentos em um gesto de carinho e gratidão: a produção de “recadinhos do coração” especialmente dedicados a Dona Irene.
Madre Teresa de Calcutá, em uma declaração à imprensa, expressou que: “Não precisamos de armas nucleares, precisamos apenas do amor para conquistar o mundo.” Ela destaca o poder transformador do amor e do afeto. Iniciativas como os “recadinhos do coração” expressam afeto à Dona Irene, fortalecendo laços entre a escola e a comunidade.
Cada aluno, com sua individualidade e sensibilidade, dedicou-se à tarefa de escrever uma mensagem sincera e afetuosa para Dona Irene. As palavras escolhidas refletiam a admiração e o respeito que as crianças sentiram pela moradora, bem como a gratidão pelos ensinamentos transmitidos durante a visita.
Nos recadinhos, os alunos expressaram sua admiração pela história de vida de Dona Irene, sua coragem e sua resiliência. Eles agradeceram pelos ensinamentos sobre o passado, pelos relatos sobre os meios de comunicação antigos e pela oportunidade de conhecer a cultura e as tradições do Assentamento Urucum.
A citação é do filósofo romano Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.): “A gratidão é não apenas a maior das virtudes, mas a mãe de todas as outras.” Essa citação clássica destaca a gratidão como um valor fundamental que sustenta outras virtudes. Os “recadinhos do coração” expressam a gratidão dos alunos à Dona Irene, reconhecendo sua importância na comunidade e valorizando sua experiência de vida.
Além disso, os recadinhos continham mensagens de carinho e afeto, desejando a Dona Irene muita saúde, paz e alegria. As crianças expressaram o desejo de revê-la em breve e de continuar aprendendo com sua sabedoria.
A produção dos recadinhos do coração foi um momento de reflexão e emoção para os alunos. Eles perceberam a importância de valorizar as pessoas mais velhas, de aprender com suas experiências e de demonstrar afeto e gratidão.
6 A ESCRITA AFETIVA COMO FERRAMENTA DE ALFABETIZAÇÃO: A JORNADA DOS RECADINHOS DO CORAÇÃO
A atividade de produção e entrega dos “recadinhos do coração” aos alunos do assentamento Urucum transcendeu a mera expressão de sentimentos, configurando-se como uma poderosa ferramenta de alfabetização. O processo, que culminou com o retorno à casa de Dona Irene, moradora local, carregando uma cesta florida repleta de mensagens, integrou diversas habilidades e competências essenciais para o desenvolvimento da leitura e da escrita.
Inicialmente, a visita à casa de Dona Irene proporcionou um contexto significativo para a produção textual. Ao entrarem em contato com a história e as experiências da moradora, os alunos foram estimulados a refletir sobre a importância da comunicação, do respeito e da valorização das pessoas mais velhas. Essa vivência despertou a sensibilidade e a criatividade das crianças, motivando-as a expressar seus sentimentos de forma autêntica e pessoal.
Maya Angelou certa vez disse: “As pessoas esquecerão o que você disse, as pessoas esquecerão o que você fez, mas as pessoas nunca esquecerão como você as fez sentir.” ((ANGELOU, s.d.). Essa frase ressalta a importância das emoções e dos sentimentos nas relações humanas. Os “recadinhos do coração” expressam gratidão e afeto, criando um impacto emocional positivo na vida da Dona Irene e fortalecendo a conexão entre os alunos e a comunidade.
A produção dos “recadinhos do coração” envolveu a aplicação de diversas habilidades de escrita, como a organização de ideias, a escolha de palavras adequadas, a construção de frases coerentes e a utilização de recursos expressivos. Os alunos foram desafiados a colocar em prática o que aprenderam em sala de aula, demonstrando sua capacidade de produzir textos significativos e emocionantes.
“A escrita não deve ser ensinada como uma habilidade motora, mas como uma forma complexa de atividade mental” (VYGOTSKY, 1984, p. 160). Essa citação de Vygotsky enfatiza a importância de valorizar a escrita como um processo cognitivo complexo, que envolve a organização de ideias, a escolha de palavras e a construção de significados. A produção dos “recadinhos do coração” demonstra que os alunos são capazes de aplicar suas habilidades de escrita de forma criativa e significativa, expressando seus sentimentos e emoções por meio da linguagem.
O retorno à casa de Dona Irene, com a cesta florida e os recadinhos em mãos, representou um momento de culminância do processo de alfabetização. Ao entregarem suas mensagens, os alunos puderam vivenciar o impacto de suas palavras na vida de outra pessoa, fortalecendo sua autoestima e sua confiança na própria capacidade de escrita.
A atividade dos “recadinhos do coração” demonstrou que a escrita pode ser muito mais do que uma simples ferramenta de comunicação. Ela pode ser um instrumento de afeto, de conexão e de transformação social. Ao utilizarem a escrita para expressar seus sentimentos e valorizar a história de Dona Irene, os alunos do assentamento Urucum deram um importante passo em sua jornada de alfabetização, aprendendo a ler e a escrever com o coração.
7 BILHETE VIAJANTE: ELO ENTRE CAMPO E CIDADE NO PROJETO “VAI E VEM DA LEITURA”
O projeto “Bilhete Viajante”, inserido no contexto mais amplo do “Vai e Vem da Leitura” e da maratona da escrita, emergiu como uma iniciativa singular para estreitar os laços entre a Escola Municipal Carlos Cárcano, situada no Assentamento Urucum, e outra instituição de ensino da zona urbana. A proposta central consistiu na troca de bilhetes entre os alunos do 4º ano de ambas as escolas, promovendo um diálogo intercultural e estimulando a produção textual em um contexto significativo.
“O espaço não é apenas o palco da história, mas a própria história” (SANTOS, 1996, p. 61). Ele destaca a importância do espaço geográfico na construção da história e da identidade. O “Bilhete Viajante” promove a conexão entre o campo e a cidade, permitindo que os alunos conheçam e valorizem diferentes realidades e culturas.
A atividade teve início com a imersão dos alunos no universo da escrita epistolar. Através de leituras e discussões, as crianças exploraram a história dos bilhetes e cartas, bem como a importância da comunicação escrita para a construção de relacionamentos e a troca de informações. Em seguida, os alunos foram convidados a produzir seus próprios bilhetes, direcionados aos colegas da outra escola.
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 47). Paulo Freire destaca a importância do diálogo e da troca de experiências no processo de aprendizagem. O “Bilhete Viajante” facilita o intercâmbio de experiências entre alunos do campo e da cidade, enriquecendo o ensino-aprendizagem e promovendo a construção de novos conhecimentos.
As crianças do campo, com a vivacidade e a autenticidade que lhes são características, expressaram em seus bilhetes a riqueza de suas experiências no Assentamento Urucum. Relataram sobre a vida na roça, os animais, as brincadeiras ao ar livre e os desafios enfrentados no dia a dia. Compartilharam seus sonhos, seus medos e suas expectativas em relação ao futuro.
A professora regente da turma, desempenhando o papel de carteira, assumiu a responsabilidade de levar os bilhetes produzidos pelos alunos do campo até a outra escola da cidade. A viagem, por si só, representou um momento de aprendizado e reflexão. Ao percorrer o trajeto entre o campo e a cidade, a professora pôde observar as diferenças e as semelhanças entre os dois contextos, bem como a importância de promover a integração e o respeito mútuo.
Boaventura de Sousa Santos (2007) defende a importância de valorizar a diversidade e de reconhecer as diferenças como uma riqueza. O “Bilhete Viajante” promove essa valorização da diversidade cultural e social, permitindo que alunos do campo e da cidade aprendam mutuamente e construam uma visão mais ampla e inclusiva do mundo (SANTOS, 2007).
7.1 A troca de bilhetes: Um encontro de mundos e culturas
Na escola da cidade, a chegada da professora e dos bilhetes do campo foi recebida com grande expectativa. Os alunos, curiosos para conhecer um pouco mais sobre a vida de seus colegas do assentamento, aguardavam ansiosamente o momento de ler as mensagens.
Após a leitura dos bilhetes, as crianças da cidade foram convidadas a produzir suas próprias mensagens, que seriam entregues aos alunos do campo. Em seus bilhetes, os estudantes urbanos compartilharam informações sobre suas vidas, seus hobbies, seus esportes favoritos e seus sonhos para o futuro.
A professora, novamente no papel de carteira, retornou ao Assentamento Urucum com os bilhetes produzidos pelos alunos da cidade. A entrega das mensagens foi um momento de grande alegria e emoção para as crianças do campo, que se sentiram valorizadas e reconhecidas pelos colegas da cidade.
O projeto “Bilhete Viajante” demonstrou que a escrita pode ser uma poderosa ferramenta para promover a integração entre diferentes culturas e realidades sociais. Ao trocarem bilhetes, os alunos do campo e da cidade tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a vida uns dos outros, quebrando preconceitos e construindo laços de amizade e respeito mútuo.
A iniciativa reforçou a importância da escola como um espaço de encontro e de diálogo, onde as diferenças são valorizadas e as oportunidades são compartilhadas. Ao promover a integração entre o campo e a cidade, o projeto “Bilhete Viajante” contribuiu para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária.
8 ALFABETIZAÇÃO E VALORIZAÇÃO DO IDOSO EM UM PROJETO TRANSFORMADORA VISITA AO ASILO: UM ENCONTRO DE GERAÇÕES
Papa Francisco enfatizou a importância dos avós ao dizer: “Os avós têm sabedoria, têm memória. São importantes para levar a história da família. Escutem os avós!” (Francisco, 2013). Essa declaração destaca o papel fundamental dos idosos como detentores de sabedoria e memória, sublinhando sua contribuição para a continuidade da história familiar.
Um dos momentos mais marcantes do projeto foi a visita ao asilo, onde os alunos tiveram a oportunidade de compartilhar afeto e carinho com os idosos. Para essa ocasião especial, as crianças confeccionaram “recadinhos do coração”, expressando seus sentimentos de gratidão e admiração pelos idosos. Além disso, a escola fez uma cesta com frutas, levadas pelas crianças, demonstrando o cuidado e a preocupação com o bem-estar dos idosos.
A visita ao asilo foi um momento de grande emoção e aprendizado para todos os envolvidos. Os alunos tiveram a oportunidade de conhecer a história de vida dos idosos, ouvir seus relatos e compartilhar momentos de alegria e descontração. A apresentação teatral realizada pelas crianças encantou os idosos, proporcionando momentos de riso e emoção.
8.1 A alfabetização através da valorização do idoso
O projeto “Vai e Vem da Escrita, Maratonando a Leitura na Escola” demonstra que a alfabetização pode ser um processo muito mais significativo e prazeroso quando está associada a valores como o respeito, a solidariedade e a valorização do outro. Ao escreverem os “recadinhos do coração” e interagirem com os idosos, os alunos puderam colocar em prática suas habilidades de escrita, ao mesmo tempo em que desenvolviam sua sensibilidade e empatia.
A valorização do idoso, nesse contexto, não é apenas um tema transversal, mas sim um elemento central do projeto, que permeia todas as atividades e contribui para a formação integral dos alunos. Ao reconhecerem a importância dos idosos na sociedade e ao demonstrarem afeto e carinho por eles, os alunos aprendem a valorizar a diversidade, a respeitar as diferenças e a construir um mundo mais justo e solidário.
Nelson Mandela afirmou, em 1993, que “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” Essa frase destaca a importância da educação na transformação da sociedade. O projeto mencionado contribui para essa transformação ao promover a alfabetização e a valorização do idoso, formando cidadãos mais conscientes e engajados na construção de um futuro melhor.
9. CULMINÂNCIA DO PROJETO “VAI E VEM DA ESCRITA”: SABORES E SABERES ÀS MARGENS DO PARAGUAI
O projeto “Vai e Vem da Escrita, Maratonando a Leitura” alcançou seu ápice em uma celebração memorável às margens do Rio Paraguai. Emoldurado pela beleza natural da região, o evento reuniu alunos, educadores e pessoas que passavam por ali e pararam para observar, em um cenário de cores e sabores. Tapetes estendidos exibiam uma farta mesa com frutas locais como acerola, manga, laranja e banana, além de bolos e biscoitos preparados com ingredientes regionais, e o tradicional iogurte produzido no assentamento local.
No coração da culminância, as crianças, protagonistas do projeto, expressaram sua criatividade e sensibilidade ao confeccionarem “recadinhos” que exaltavam a importância dos alimentos regionais e da cultura local. Os pequenos artistas registraram em palavras e desenhos a riqueza dos ingredientes da terra e a relevância do Porto Geral, marco histórico que deu origem à cidade de Corumbá. Os recadinhos foram entregues aos presentes, disseminando a mensagem de valorização da identidade local e dos hábitos alimentares saudáveis.
Conforme destaca Milton Santos (1996, p. 154), “O lugar é o espaço onde se pode ler a história do mundo.” Essa perspectiva ressalta a importância do lugar como repositório de memória e identidade, aspecto que é valorizado pelo projeto “Vai e Vem da Escrita” ao resgatar a importância do Porto Geral e da culinária local, promovendo assim uma maior conexão dos alunos com o contexto histórico e cultural de Corumbá.
A culminância do projeto “Vai e Vem da Escrita” celebrou a jornada de aprendizado e descobertas dos alunos, que, ao longo do ano, exploraram a escrita como ferramenta de expressão e interação social. O evento, realizado em um dos cartões postais de Corumbá, reforçou o compromisso da escola com a valorização da cultura local e o desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras e significativas.
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto “Vai e Vem da Escrita, Maratonando a Leitura na Escola” revelou-se uma experiência pedagógica de grande impacto, criando uma rede de aprendizado que interligou a sala de aula, a comunidade e a rica tapeçaria histórica local. Durante sua implementação, o projeto demonstrou o potencial transformador da escrita como instrumento de autoexpressão, interação social e preservação cultural.
As diversas atividades conduzidas no âmbito do projeto, que incluíram a elaboração dos “recadinhos do coração” e as visitas à residência de Dona Irene e ao asilo local, ofereceram aos estudantes a chance de praticar a escrita de maneira significativa. Isso permitiu que explorassem diferentes gêneros literários e desenvolvessem competências essenciais em comunicação e empatia. A interação com os idosos, em particular, proporcionou uma valiosa oportunidade para que os alunos aprendessem com as experiências de vida daqueles que foram fundamentais na construção da história da comunidade. Esse intercâmbio fortaleceu os vínculos entre gerações e promoveu o respeito e a valorização da diversidade.
A culminação do projeto, realizada no emblemático Porto Geral, um cenário histórico e cultural de grande relevância em Corumbá, foi uma celebração vibrante da identidade local e dos sabores típicos da região. A exposição de frutas nativas, alimentos produzidos no assentamento local e os “recadinhos” criados pelos alunos evidenciaram o compromisso inabalável do projeto com a valorização da cultura e a promoção de hábitos alimentares saudáveis.
Em síntese, o projeto “Vai e Vem da Escrita, Maratonando a Leitura na Escola” alcançou plenamente seu objetivo de promover a alfabetização por meio de uma abordagem lúdica e significativa. Paralelamente, valorizou a cultura local, reforçou os laços comunitários e contribuiu para a formação de cidadãos mais conscientes e engajados com o seu entorno.
Além de cumprir seus objetivos iniciais, o projeto também abriu caminhos para futuras iniciativas que podem ser implementadas tanto na escola quanto na comunidade. A interação entre os alunos e os idosos, por exemplo, pode ser expandida para incluir outras atividades intergeracionais, como oficinas de contação de histórias, projetos de memória oral e outras formas de colaboração que enriqueçam a experiência de ambos os grupos.
A valorização da cultura local e dos hábitos alimentares saudáveis também pode ser aprofundada por meio de parcerias com organizações locais e instituições governamentais. Isso poderia incluir a criação de hortas comunitárias, oficinas de culinária com produtos locais e outras iniciativas que promovam a sustentabilidade e a saúde.
O sucesso do projeto “Vai e Vem da Escrita, Maratonando a Leitura na Escola” serve como um modelo inspirador para outras escolas e comunidades que buscam promover a alfabetização, a valorização da cultura local e a formação de cidadãos engajados. Ao compartilhar as lições aprendidas e os resultados alcançados, é possível inspirar e apoiar outras iniciativas que tenham objetivos semelhantes, contribuindo assim para um impacto mais amplo e duradouro.
Dessa forma, o legado do projeto vai além de sua execução inicial, oferecendo um modelo sustentável e replicável que pode ser adaptado e implementado em diferentes contextos, promovendo um futuro mais rico em aprendizado, cultura e comunidade.
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VYGOTSKY, L. S. (1984). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.
1 Artigo publicado na EWBU no curso de Mestrado em Ciências da Educação como trabalho de nivelamento de estudos das disciplinas básicas.
21Marisa Esposito Nogueira de Lima. E-mail: marisaprof2019@gmail.com
Luciana Cruz de Freitas. E-mail: pedagogico.luciana@gmail.com
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