
O ENSINO MÉDIO NO BRASIL, UMA TRAJETÓRIA HISTÓRICA
SECONDARY EDUCATION IN BRAZIL: A Historical Trajectory
Cleberson Disessa 1
RESUMO: O ensino médio no Brasil é permeado por sucessivas reformas, disputas de sentidos e desigualdades históricas, que constituem o cerne de sua trajetória. Desde sua origem elitista, voltada para a formação das classes dominantes, até as políticas de democratização, esta etapa tornou-se um campo de luta entre formação para o trabalho e formação cidadã. Este estudo terá como objetivo geral a análise da trajetória histórica do ensino médio brasileiro, definindo como suas identidades pedagógicas e sociais foram construídas pelas políticas públicas. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com base em autores contemporâneos e clássicos que discutiram educação, equidade e juventude. Os resultados da pesquisa demonstram que o ensino médio no Brasil enfrentou diferentes transformações, em sintonia com o contexto político e social observável em cada momento. É possível verificar uma trajetória de avanços legais e curriculares que, contudo, permanece marcada pelas desigualdades regionais e estruturais; as reformas mais recentes visam à aproximação do currículo com as demandas do mercado, razão pela qual surgem debates acerca da perda do caráter formativo. A ampliação do acesso não assegurou, por si só, a qualidade do ensino e a permanência dos estudantes; subsistem desafios em torno da valorização docente, infraestrutura e sentido social desta etapa. Conclui-se que o ensino médio brasileiro precisa de uma redefinição que una a formação crítica ao preparo para a vida; a escola deve ser capaz de potencializar seu papel emancipador, rompendo a lógica puramente utilitarista. Torna-se imperioso o investimento em políticas públicas integradas e a valorização dos professores. Somente assim, essa etapa poderá cumprir a tarefa de assegurar igualdade de oportunidades e cidadania plena.
Palavras-chave: Desigualdades Regionais e Estruturais. Ensino Médio. Políticas de Democratização.
ABSTRACT: Secondary education in Brazil is marked by successive reforms, competing meanings, and historical inequalities that form the core of its development. From its elitist origins—aimed at training the dominant social classes—to the later democratization policies, this stage has become a field of tension between vocational training and civic education. The main objective of this study is to analyze the historical trajectory of Brazilian secondary education, identifying how its pedagogical and social identities have been shaped by public policies. The methodology adopted was bibliographic research, grounded in both contemporary and classical authors who discuss education, equity, and youth. The results reveal that Brazilian secondary education has undergone multiple transformations in response to political and social contexts over time. Although there have been legal and curricular advances, persistent regional and structural inequalities remain; recent reforms have sought to align the curriculum with market demands, generating debates about the loss of the formative and emancipatory purpose of education. Expanding access alone has not ensured quality or student retention, as challenges related to teacher appreciation, infrastructure, and the social role of schooling persist. It is concluded that Brazilian secondary education requires a redefinition that integrates critical formation with life preparation. Schools must strengthen their emancipatory role, breaking with purely utilitarian logics. Therefore, investment in integrated public policies and teacher valorization is essential for ensuring equal opportunities and full citizenship.
Keywords: Regional and Structural Inequalities. Secondary Education. Democratization Policies.
INTRODUÇÃO
O ensino médio no Brasil é atravessado por múltiplas finalidades e disputas em torno do seu lugar social, o que o torna um dos níveis mais complicados da educação básica. Desde o seu início, no modelo elitista e preparatório para o ensino superior, não consegue ainda se afirmar como espaço de formação integral e democrática. Quatro reformas foram realizadas durante seu longo percurso no sentido de adequá-lo às demandas sociais e econômicas da época, nem sempre favorecendo, no entanto, a equidade. Ocupa, nesta passagem para o século XXI, a centralidade do debate contemporâneo em torno da juventude, do trabalho e da cidadania, concentrando suas contradições em relação à política pública, às desigualdades estruturais e às expectativas formativas. Portanto, conhecer sua trajetória histórica é preciso para se repensá-Lo, em suas funções ou em suas práticas e sentidos na contemporaneidade.
A escolha do tema justifica-se pela necessidade de se apreender as transformações e permanências que têm marcado o ensino-médio no Brasil, especialmente no presente histórico, considerando-se as reformas em curso que atingem diretamente a formação dos jovens. Pensar essa trajetória é pensar também sobre a função social da escola e sobre as condições reais de Acesso, permanência e aprendizagem. Além disso, o tema é pertinente por dialogar com questões atuais, como a fragmentação curricular, a Valorização docente e o risco de mercantilização da educação. Situando o ensino médio como espaço de construção de cidadania e criticidade, a pesquisa pode contribuir para o debate sobre políticas públicas mais equânimes e sobre práticas pedagógicas que favoreçam inclusão e sentido formativo.
A partir dessa contextualização, temos a seguinte pergunta: de que forma o ensino médio brasileiro, na sua trajetória histórica, tem conseguido articular formação humana, cidadania e preparo para o mundo do trabalho? Esta questão guia a análise das contradições existentes entre o ideal do formativo e a realidade vivida nas escolas. Parte-se do pressuposto de que, embora tenha havido avanços em relação à legislação e ao currículo, o ensino médio não chegou, até o momento, à plena identidade emancipadora. As desigualdades sociais, a falta de investimentos estruturais e a fragmentação das políticas públicas são fatores que impedem a superação da distância entre a teoria das reformas e a prática cotidiana nas escolas.
A pesquisa em pauta foi desenvolvida a partir de interlocuções em uma perspectiva considerada bibliográfica e qualitativa, de referência à análise crítica dos trabalhos acadêmicos, de documentos oficiais, de normas e dos demais textos que vão abordar a trajetória histórica do ensino médio no Brasil. A pesquisa bibliográfica é necessária, pois permite reunir uma espécie de levantamento e sistematização dos conhecimentos já elaborados quanto ao tema e permite compreender como se dão os reconhecimentos de transformações nesta etapa da educação básica entre diferentes autores e diferentes contextos históricos. O caráter qualitativo está, por sua vez, apoiado na interpretação reflexiva das fontes, priorizando a compreensão dos significados, das contradições e das intencionalidades apuradas, respeitante às práticas e às políticas educacionais.
O objetivo geral investiga a análise da trajetória histórica do ensino médio brasileiro, definindo como suas identidades pedagógicas e sociais foram construídas pelas políticas públicas. Entre as metas específicas:
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Analisar a relevância das políticas públicas na formação pedagógica e social do ensino médio, tratando da forma como reformas educacionais adiaram a dualidade cidadã e trabalho. Isso permite abordar a permanência das desigualdades e a fragmentação curricular;
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Examinar de que forma as desigualdades regionais e estruturais influenciam o acesso, a permanência e qualidade de ensino médio, de modo a evidenciar como aspectos de natureza econômica, cultural e geográfica que têm modelado as oportunidades educacionais no país. Busca-se apreender as assimetrias que ainda comprometem a democratização da etapa;
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Refletir criticamente sobre os desafios atuais do ensino médio, considerando a necessidade de políticas públicas integradas, valorização docente e currículo significativo. Propõe-se sinalizar direções teóricas e pedagógicas que favoreçam a construção de um ensino médio emancipador e socialmente justo.
2 ENTRE REFORMAS E CONTRADIÇÕES NA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO
O ensino médio no Brasil representa uma das etapas mais complexas e desafiadoras no campo da educação básica, uma vez que é repleto de desigualdades históricas e disputas de sentido acerca do papel da escola na formação da juventude. Conforme assinala Rios (2021, p. 37), “a história do ensino médio é marcada por reformas que são traduções de projetos de sociedade e modelos de sujeito que o Estado intentava formar”. Essa dualidade expressa uma intrínseca tensão entre formação para o trabalho e formação crítica e cidadã. Ao longo das décadas, diversas políticas educacionais realizaram esforços para modificar as balanças desse equilíbrio, sem que entretanto tenham logrado eliminar por completo a herança elitista e excludente de sua origem.
Desde o século XX, as reformas educacionais do ensino médio têm sido concomitantes às mudanças políticas e econômicas do país que ora voltam-se para a via da profissionalização, ora para a do acesso ao ensino superior. Barbosa (2020, p. 58) já proclamou que “cada reforma é ela mesma o retrato das forças hegemônicas de sua época, buscando adequar a educação às exigências do mercado e da produção”. Essa alternância permanente impediu que um projeto pedagógico mais contínuo e coerente pudesse ser construído. O ensino médio, portanto, tornou-se o espaço de adaptação e resistência, onde existem convivendo discursos de emancipação e práticas de controle social.
As reformas recentes, como a Lei nº 13.415/2017, redobraram as tensões sobre o currículo e ao redor da formação fragmentada. Costa (2019, p. 92) asseverou que “a nova estrutura curricular reconfigura o papel da escola e redefine o que significa aprender no século XXI, porém sem garantia de equidade”. O argumento da flexibilização, embora se apresente como incentivo à autonomia discente, acaba por ocultar as profundas desigualdades regionais e estruturais do país. Em grande parte das escolas públicas, sobretudo nas periferias, faltam recursos materiais, infraestrutura adequada e profissionais suficientes para garantir a oferta efetiva de itinerários formativos diversos e de qualidade.
A desigualdade educacional, amparada na precarização docente, destrói o ideal democrático do ensino médio. Santos (2023, p. 41) afirma que “não se pode pensar em democratização do ensino, sem que se discuta a valorização do trabalho docente e das condições objetivas de exercício da profissão”. A formação do professor, portanto, precisa ser vista como uma dimensão central na construção das políticas públicas. Sem investimento, sem autonomia pedagógica e sem reconhecimento social, o docente não consegue fortalecer práticas transformadoras nem o sentido emancipador da escola.
Outros aspectos importantes são relacionados ao impacto que as políticas de avaliação e desempenho exercem, que muitas vezes reduzem o percurso educativo a números e indicadores. Para Oliveira (2021, p. 67), ‘a lógica meritocrática atua no sentido de reforçar a competição entre as escolas e naturaliza desigualdades históricas, distanciando o ensino médio do seu compromisso social”. As avaliações padronizadas não são uma fonte de promoção da qualidade, mas de engessamento das práticas pedagógicas e de homogeneização dos currículos, os quais desconsideram as diversidades locais e culturais dos estudantes.
No decorrer do tempo, a relação entre educação e trabalho também se tornou um dos eixos centrais das reformas. De acordo com Pereira (2022, p. 104), ‘o ensino médio é o espaço em que se confrontam a racionalidade econômica com a do ideal de uma formação integral do sujeito’. A contradição persiste: de um lado, espera-se que a educação promova a produtividade e a empregabilidade; de outro, é necessário que contribua para o desenvolvimento do pensamento crítico e da consciência cidadã. Para superar tal contradição, é preciso que construída uma política educacional que reconheça a educação como um direito e não como um serviço.
As políticas de democratização do acesso ao ensino médio trazem importantes avanços, mas não eliminam as barreiras de permanência. Mendes (2020, p. 83) sustenta que “ampliar as matrículas não gera equidade a priori, porquanto o direito de estar na escola tem que ser garantido sem que este direito implique de maneira algum o direito de aprender”. Essa evasão escolar continua a ser um dos maiores desafios, especialmente em relação aos jovens em situação de vulnerabilidade. Porque os fatores pobreza, trabalho precoce e desmotivação se entrelaçam, urge que as políticas sejam intersetoriais em termos de inclusão.
Os currículos, em tanto espaços de poder e disputa, revelam os interesses de determinados grupos sociais. E Nascimento (2021, p.53) frisa: “as escolhas que se fazem em torno do que ensinar e como ensinar são sempre uma escolha política e não há como escapar disso, pois em sua escolha estão os valores, as ideologias e as disputas simbólicas”. Deste modo, ao repensar o currículo do ensino médio, se repensa a sociedade em si. Uma proposta curricular verdadeiramente democrática deve dialogar com a realidade dos estudantes, articular saberes locais e permitir a elaboração de competências críticas e criativas.
Além de constituir dimensões estruturais e políticas, o ensino médio é também atravessado por uma dimensão cultural e simbólica. Na literatura de Ferreira (2018, p. 49), “a escola é o território onde a juventude busca reconhecimento e constrói pertencimento, processo que exige escuta ativa, diálogo constante e sensibilidade social”. No entanto, o ensino médio frequentemente negligencia a diversidade das juventudes ao reproduzir práticas excludentes que enfraquecem seu caráter humanizador. Torna-se indispensável desenvolver uma pedagogia que acolha as identidades juvenis e valorize suas diferentes formas de expressão, linguagem e aprendizagem. Somente ao reconhecer o jovem como sujeito de cultura e de direito é que a escola poderá cumprir sua função emancipadora e promover uma educação verdadeiramente inclusiva e transformadora.
No cenário contemporâneo, a presença das tecnologias digitais amplifica os desafios e as possibilidades da formação. Rocha (2023, p. 78) – “a cultura digital redimensiona as formas de aprender e ensinar, exigindo do professor uma postura mediadora e crítica frente as novas mídias”. O uso pedagógico das tecnologias pode ampliar o acesso ao conhecimento, mas mostra também desigualdade de infraestrutura entre as escolas públicas e as privadas. A refrega reside em garantir um uso ético e emancipador das tecnologias, que não reproduza lógicas de exclusão.
O ensino médio, portanto, flutua entre a tradição e a inovação; entre o ideal democrático e as exigências do mercado. Almeida (2022, p. 117) constata que “as reformas educacionais só terão sentido quando estiverem alinhadas ao princípio da justiça social e à formação integral do sujeito”. A escola deve se constituir um espaço de resistência e de criação, onde o conhecimento se relacione com a realidade e com as exigências do tempo presente. O fortalecimento de práticas pedagógicas inclusivas e reflexivas é uma alternativa para transformar o ensino médio em um elemento de emancipação.
2.1. Ensino Médio em Disputa pelas Políticas Públicas e Pelos Sentidos da Formação Juvenil
O Ensino Médio brasileiro tem constituído um território de lutas simbólicas e políticas, em particular após as reformas que alteraram seus currículos e finalidades. Essas transformações carregam os interesses em conflito sobre o sentido da escola e da formação juvenil. Mendes (2021, p 47) sustenta que “o Ensino Médio se transformou em um espelho das tensões entre um projeto emancipador e um projeto de adaptação econômica”. As políticas recentes têm priorizado competências de natureza pragmáticas, recolhendo o espaço da formação crítica, de onde resulta a tensão entre educação enquanto direito e educação enquanto mercadoria, que traz no seio da juventude uma série de contradições identitárias e de pertencimento.
Nos anos recentes, a discussão acerca do Novo Ensino Médio intensificou a ideia de que a escola pública tem sido submetida a agendas neoliberais que valorizam a flexibilização e a empregabilidade. Segundo Silveira (2022, p. 89), “a centralidade dada às competências e à formação técnica se traduz em uma concepção de juventude produtiva, despolitizada e dobrada às exigências do mercado”. Tal orientação esvazia o caráter crítico da educação, alinhando-a à ideia de cidadania e comprometimento com a justiça social. Portanto, as políticas públicas educacionais têm se tornado campo de batalha entre modelos de formação e de projetos de sociedade.
A juventude, nesse cenário, passa a ser vista como uma reserva de recursos econômicos, e não como (portes sujeitos) direito. Para Figueiredo (2020, p. 113), “política educacional recente redefine o jovem como força de trabalho em processo formativo e não como cidadão em desenvolvimento integral”. Esta visão influi nas formas como as escolas organizam seus currículos, os quais privilegiam itinerários de formações tecnicistas e desvalorizam as humanidades. O risco é de se consolidar uma escola ardente com desigualdades, consolidando-a como mais um aparato do sistema em funções de seleção e de exclusão social.
Não obstante, há movimentos de resistência que exigem um entendimento mais total e emancipador do Ensino Médio. Como afirma Ramos (2023, p. 152), “a formação juvenil precisa ser vista com a construção do processo de autonomia do pensamento crítico em uma vida social consciente”. Tais propostas reivindicam a função de humanização da educação, confrontando-a com a racionalidade instrumental dominante. Esta perspectiva desafia o sistema a compreender os jovens não apenas em termos de futuros trabalhadores, mas também como sujeitos históricos que podem mudar sua realidade.
As políticas de educação pública, por isso mesmo, não são neutras, elas incorporam correlações de forças e interesses econômicos. Para Duarte (2021, p. 68), “a disputa em torno do Ensino Médio é, na verdade, uma disputa em torno do projeto de nação e do papel do Estado na formação da juventude”. O fortalecimento da posição das parcerias público-privadas e das organizações sociais no processo de formulação de políticas educacionais é indicativa da presença de atores corporativos que implementam na educação pública as mesmas lógicas empregadas no campo da economia. Essa situação é prejudicial à autonomia pedagógica das escolas e à soberania do currículo nacional.
Entretanto, entre essas disputas, surgem práticas pedagógicas inovadoras que ressignificam o cotidiano escolar. Os professores têm buscado articular o trabalho à cultura juvenil, aproximando os saberes escolares à vida dos estudantes. Na literatura de Nogueira (2019, p. 97), “a escola poderá constituir um espaço para resistência, na medida em que da construção do conhecimento, resulte uma experiência significativa e emancipatória”. Essa perspectiva retoma o protagonismo dos professores e dos estudantes na disputa pelo sentido do Ensino Médio ao afirmar que a política não se impõe linearmente, mas é ressignificada no chão da escola.
Os jovens tencionam, por sua vez, essas estruturas; são participativos em grêmios, coletivos e movimentos estudantis que pleiteiam o direito de serem ouvidos nas decisões da escola. Para Almeida (2020, p. 176), “a juventude contemporânea assimila um demandado de ser autora da política das políticas que a afetam, negando ser o objeto de intervenções”. Essa participação ativa redefiniria a relação entre a escola e a democracia, apontando para novas formas de gestão participativa, bem como de construção curricular compartilhada. Dessa maneira, a escola passa a ser um território de disputa e de criação.
Portanto, uma pluralidade de sentidos disputados no Ensino Médio brasileiro: formação para o trabalho, formação cidadã e formação integral convivem e se chocam no seio das políticas e das práticas. Observa Tavares (2022, p. 104) que “a tensão da lógica produtivista e o ideal humanista não se resolvem, mas estruturam o próprio campo educacional contemporâneo”. Compreender essas contradições, portanto, é extremamente importante para educadores e gestores que possam elaborar políticas que articulem saber, cultura e emancipação. O desafio está em não ceder à redução utilitarista da educação.
Defender um Ensino Médio democrático e inclusivo é reafirmar a centralidade do conhecimento crítico, das artes, das ciências, da filosofia. Conforme salienta Oliveira (2018, p. 59), “só uma escola que ensina a refletir e não simplesmente a reproduzir, poderá ajudar a edificar uma verdadeira sociedade justa”. Esse ideal demanda requer políticas públicas voltadas para a inclusão e a formação integral de profissionais, rompendo com a lógica da mercadoria que reduz a educação ao campo da produtividade. Resgatar o sentido ético e humanizador da formação é, com efeito, um gesto de resistência e, ao mesmo tempo, de esperança frente aos desafios do mundo contemporâneo.
Entender o Ensino Médio como arena de disputa é reconhecer que a sua transformação será feita pela ação política e pedagógica dos sujeitos que o constroem. Professores, estudantes e comunidades podem reverter a lógica da fragmentação e propor alternativas que façam sentido para a escola pública. Como sintetiza Lemos (2023, p. 211), “a verdadeira reforma é aquela que nasce do diálogo entre os que vivem a escola e sonham o seu futuro”. Nesse diálogo está a esperança de um Ensino Médio que prepare não apenas para o mundo do trabalho, mas também para o mundo da vida.
2.2. Da Formação Elitista à Democratização Inacabada do Ensino Médio no Brasil
A história do ensino médio no Brasil é marcada por profundas desigualdades, que manifestam o modelo elitista de sociedade em que se estruturaram os sistemas educacionais aqui instituídos. Desde o período imperial, essa etapa foi elaborada para poucos, voltando-se à formação das elites políticas e econômicas. Conforme Leher (2017, p. 42) “a origem do ensino secundário brasileiro está intimamente ligada à ideia de distinção social e cultural, não à democratização do saber”. Essa característica seletiva foi fundamental para funda uma escola voltada à reprodução das hierarquias sociais. As reformas que vieram a seguir se limitaram a mitigar, e não a eliminar, essa herança excludente.
Durante o século XX, o ensino médio passou por um processo de expansão institucional, mas não rompendo com o dualismo entre a formação propedêutica e a formação profissionalizante. Saviani (2018, p. 61) observa que “a separação entre quem aprende para pensar e quem aprende para fazer é a expressão pedagógica de uma sociedade desigual”. Essa cisão, longe de superar-se, foi reforçada por políticas que associaram a educação dos pobres à utilidade e à produtividade. Assim, o ensino médio afirmou-se como um campo de lutas entre inclusão formal e exclusão simbólica.
As reformas educacionais de meados do século XX procuraram administrar essa pressão pela ampliação do acesso, mas mantiveram o caráter seletivo. Para Romanelli (2016, p.88), “a escola brasileira se expandiu quantitativamente sem, contudo, ter se transformado qualitativamente”. A massificação do ensino, embora tenha consubstanciado um avanço no direito à escolarização, não ter garantido a igualdade de oportunidades. A estrutura curricular, ainda fortemente eurocêntrica, continuava a privilegiar saberes abstratos e pouco conectados à realidade social dos estudantes.
Com a promulgação da Constituição de 1988 e da LDB de 1996, o ensino médio foi reconhecido como parte da educação básica, tal reconhecimento representou um marco jurídico importante. Para Cury (2015, p. 103), “essa mudança jurídica simbolizou o início de um novo paradigma, em que a educação deixa de ser um privilégio e se afirma como um direito”. No entanto, o reconhecimento formal não se converteu, por si só, em democratização real. A desigualdade de condições de financiamento e de infraestrutura e a (não) valorização do docente continuam a perpetuar as distâncias entre as escolas públicas e privadas.
Nos anos 2000, políticas como o FUNDEB e o PROEJA ampliaram a oferta e tentaram integrar a formação básica profissional e geral Para Frigotto (2017, p. 75), “essas políticas expressam avanços na direção da inclusão, mas, ao mesmo tempo, perseguem contraditórios ao subordinarem a formação humana às lógicas produtivistas do capital”. A democratização quantitativa não coincidiu com a transformação estrutural. As desigualdades regionais e socioeconômicas (ou sociais) permaneceram barreiras para a realização da justiça educacional.
Embora o discurso da democratização esteja contido nas políticas educacionais, muitas vezes, ele esconde práticas que perpetuam a exclusão praticada. Conforme Gentili (2018, p. 92), a escola pública ‘desprovida de recursos e prestígio, torna-se uma compensação não um espaço de emancipação intelectual’. O ensino médio público, neste sentido, é relegado à zona do desvalor e as escolas privadas apropriando-se para si mesmos a produção dos melhores resultados e as melhores oportunidades. A democratização, assim, permanece incompleta, atravessada entre o ideal da igualdade e o real da desigualdade.
Essa contradição também atua sobre o currículo do ensino médio. A PME de Arroyo (2019, p. 54) nos diz que ‘o currículo é um campo de disputa, onde se decide quem tem direito ao conhecimento legítimo e quem será relegado à margem’. As reformas curriculares, muitas das quais, para mais coisas, você, comandadas por interesses estranhos e os da escola, não lograram encontrar um projeto pedagógico para/da pluralidade cultural e para a formação crítica. O ensino médio não possui construções curriculares que se comuniquem com as identidades juvenis e com as diversidades regionais.
Sobretudo, a precarização docente obstrui qualquer possibilidade de democratização. Conforme Oliveira (2018, p. 117), ‘sem professores valorizados e condições de trabalho respeitáveis, não há nem qualidade, nem transformação educacional possíveis’. A desvalorização profissional assume a forma de salários irrisórios, superlotação de turmas e de formação continuada. Essa realidade impede que os docentes sejam mediadores de um ensino crítico, socialmente comprometido.
A evasão escolar, é outro indicativo da incompletude da democratização. Dados demonstram que anualmente milhares de jovens abandonam o ensino médio em decorrência da falta de motivação, de problemas econômicos e por conta das políticas de permanência. Como Sposito (2016, p 80) diz ‘a juventude trabalhadora é quase sempre levada a escolher entre estudar e sobreviver’. O dilema presume quanto a escola ainda não tem respondido às necessidades e às expectativas dos jovens, afastando – os do seu lugar emancipador.
A cultura escolar, por sua vez, é fortemente influenciada pelos princípios da meritocracia escolar. Nogueira (2017, p. 66) critica este modelo ao afirmar que “A meritocracia escolar ignora as desigualdades de partida e legitima a exclusão como se fosse o resultado natural do esforço individual” negligenciando os contextos sociais, o sistema educacional reforça a roda vivida da desigualdade social, beneficiando aqueles que já têm as formas culturais e sociais disponíveis. A democratização requer, portanto, um novo modelo de justiça e de solidariedade.
A formação integral, presente nas diretrizes curriculares, mostra-se mais um ideal do que uma prática, segundo Dayrell (2019, p. 121) “forma integralmente o jovem é reconhecê-lo em sua dimensão cultural, política e afetiva, não simplesmente cognitiva”. Isso exige uma escola que atenda à diversidade, promova o protagonismo juvenil e valorize o saber experiencial, no entanto, a rigidez curricular e a pressão pelos resultados mantêm a escola afastada de um projeto efetivamente humanizador.
Concluir que a democratização do ensino médio permanece incompleta não significa reconhecer um fracasso, mas sim reconhecer que a igualdade educacional é um processo histórico. Como sintetiza Paro (2018, p. 112) “a escola é um espaço de contradições, mas também de possibilidades, seu potencial transformador dependerá da vontade política e do compromisso coletivo”. Assim, a luta pela democratização não se exaure na expansão do acesso, mas na ressignificação da própria função social da escola, tornando-a instrumento de justiça e de emancipação.
2.3. Educação Cidadania e Trabalho na Busca por um Ensino Médio Emancipador
O Ensino Médio, historicamente situado entre a formação geral e a formação para o trabalho, enfrenta o desafio de articular essas dimensões de maneira emancipadora. Este nível de ensino não pode ser reduzido a mera qualificação técnica, mas precisa promover uma formação que considere o desenvolvimento humano integral. A esse respeito afirma Amaral (2017, p. 42) que “a escola que forma para a cidadania é aquela que ensina o estudante a entender o mundo, a se posicionar eticamente à luz dele e a agir de modo transformador”. A formação emancipadora significa, portanto, articular conhecimento, trabalho e cidadania em um mesmo horizonte ético e político, rompendo com a fragmentação que se processou entre teoria e prática.
A educação emancipadora exige que se veja o trabalho como princípio educativo e não como mera preparação para o mercado apenas Para Souza (2018, p.(95), “a dimensão educativa do trabalho se revela quando o fazer humano é concebido como criação, expressão e transformação da realidade social”. Isso quer dizer que o ensino técnico ou profissionalizante deve estar revestido de valores críticos e éticos, que permitam ao jovem compreender o mundo e interferir nele. A escola, assim, se torna um espaço de mediação entre cultura, ciência e prática social.
No âmbito das reformas educacionais recentes, a relação entre educação e trabalho tem sido marcada por contradições. As políticas públicas têm enfatizado competências e habilidades operacionais, esvaziando o caráter humanista da formação. Como aponta Pires (2016, p. 67), “as políticas curriculares do Ensino Médio passaram a reproduzir a lógica produtivista, desnudando a dimensão política da educação”. Essa tendência coloca em risco a emergência da função emancipadora da escola, fazendo com que a juventude seja reduzida a uma inserção subordinada no mundo do trabalho; o desafio é recuperar a centralidade do sujeito enquanto agente da transformação social.
A cidadania, nesse sentido, deve ser concebida para além da dimensão jurídica; ela diz respeito de um exercício ativo na participação e na responsabilidade coletiva. Para Antunes (2015, p. 81) “A escola cidadã é a escola que ensina o aluno a ser sujeito de direitos, mas também sujeito de deveres éticos frente à comunidade e ao planeta”. A partir dela, amplia-se a função social da escola – fazer cidadãos críticos, sensíveis às desigualdades e comprometidos com a justiça social. Em suma, o Ensino Médio emancipador é um projeto político de construção da democracia cotidiana.
A articulação entre educação e cidadania requer práticas pedagógicas que fomentem o pensamento crítico e a consciência histórica. Conforme Carvalho (2019, p. 133), “educar para a cidadania significa educar os jovens para que eles percebam que a sua existência está vinculada às estruturas sociais e políticas”. Essa consciência reforça a ideia de pertença e provoca o engajamento na vida pública. O professor é o mediador dessa aprendizagem, viabilizando o diálogo entre as experiências juvenis, os conhecimentos escolares e as realidades sociais, fazendo com que o aluno entenda o poder transformador do conhecimento.
A perspectiva emancipatória exige também uma valorização das culturas juvenis como parte da construção do currículo escolar. Para Ribeiro (2017, p. 106).112), “a escola precisa reconhecer as linguagens, os modos de ser e as expressões culturais dos jovens como fontes legítimas de aprendizagem”. Essa abertura implica um repensar do papel da escola como espaço plural onde múltiplas vozes e identidades sejam possíveis. Assim, o Ensino Médio pode tornar-se um lugar de experimentação e diálogo, em que o trabalho e o conhecimento são meios de criação e não de subordinação.
O trabalho, entendido em sua dimensão formativa, deve possibilitar aos alunos a apreensão crítica das relações econômicas e sociais. Para Lima (2018, p. 59), “educar para o trabalho é educar para a autonomia, e não para a obediência cega às energias produtivas”. A emancipação ocorre quando o sujeito descobre o caráter do trabalho na reprodução da vida e na construção da sociedade, apropriando-se das ferramentas para transformá-la. Isso pressupondo também que o currículo incorpore debates sobre ética profissional, sustentabilidade e solidariedade, conectando o aprendizado às exigências sociais.
A escola emancipadora é aquela que resiste à instrumentalização da educação e que reafirma o direito ao conhecimento científico, artístico e filosófico. Para Nascimento (2016, p.74), “a formação crítica é construída quando o estudante é chamado a questionar, argumentar e criar alternativas ao que está posto”. Isso reforça a autonomia intelectual e o protagonismo juvenil, fundamentais para a cidadania ativa. Por esta razão, a escola cumpre o seu papel social, formando sujeitos para intervir na realidade e não apenas para adaptar-se à ela.
A relação entre educação, cidadania e trabalho deve, portanto, ser dialógica e ética. Como diz Pinto (2019, p.148), “a emancipação não se adotada, mas nasce da prática pedagógica consciente, que reconhece o aluno como sujeito de saber e de poder”. Essa visão supõe práticas educativas cooperativas, na qual os conhecimentos são construídos de forma compartilhada e crítica. A cidadania, assim entendida, não é um conteúdo, mas antes uma vivência contínua de diálogo, solidariedade e participação coletiva escola.
Importante ressaltar que o Ensino Médio emancipador não se edifica apenas através de políticas públicas, mas através da ação cotidiana dos educadores e das comunidades. Segundo Furtado (2017, p. 88), “emancipação é um processo político-pedagógico que se dá nas relações humanas e na construção coletiva do conhecimento”. Condições básicas para esta construção são a autonomia da escola e a valorização do educador. A resistência da escola pública às imposições tecnocráticas e a recuperação do sentido social da educação reafirmam o seu compromisso com a democracia.
A formação emancipadora pressupõe, portanto, a superação da dicotomia entre trabalho manual e intelectual. Para Torres (2015, p. 121), “a verdadeira integração entre teoria e prática realiza-se quando o saber resulta na transformação e não na dominação”. Esta síntese é a base da educação que pretende humanizar o trabalho e transformar a sociedade. O Ensino Médio deve proporcionar para os jovens não apenas a oportunidade de aprender um ofício, mas de compreender o mundo e atuar criticamente sobre ele, conectando ciência, cultura e ética.
O ideal de um Ensino Médio emancipador é um convite a todos os atores sociais – educadores, gestores, estudantes e famílias – para repensar o sentido da escola. A educação, a cidadania e o trabalho devem ser compreendidos como dimensões inseparáveis da formação humana. Como sintetiza Queiroz (2018, p. 169), “educar é despertar consciências e alargar horizontes, é formar sujeitos capazes de imaginar e construir o novo”. Essa é a tarefa de uma escola pública viva, crítica e inclusiva: cultivar a esperança ativa e o compromisso com um futuro mais justo.
2.4. Desigualdades Regionais e Estruturais no Ensino Médio Brasileiro em Perspectiva de Democratização e Equidade Educacional
As desigualdades regionais e estruturais do ensino médio brasileiro são um reflexo das assimetrias históricas no desenvolvimento social e econômico do Brasil. Esta situação demonstra que, enquanto o direito à educação é garantido legalmente, sua implementação ainda depende fortemente do contexto territorial das escolas da qual a educação faz parte. Ribeiro (2016, p. 44) afirma que “o território é uma variável determinante para a qualidade das oportunidades educacionais, pois traduz a distribuição desigual de recursos e investimentos”. Portanto, pensar na democratização do ensino médio é reconhecer as desigualdades regionais e formular políticas levando em conta suas especificidades.
O acesso à educação, apesar de ampliado nas últimas décadas, não garante, por si próprio, a equidade dos diferentes contextos. Alves (2017, p. 63) aponta que a “expansão quantitativa do ensino médio não pôde acabar com a distância qualitativa entre as escolas das capitais e no interior”. Essa distância se caracteriza pela diferença em número de professores qualificados, pela precariedade da infraestrutura e pela falta de equipamentos tecnológicos. Nas regiões mais pobres, a escola tem que enfrentar os problemas mais básicos, que inviabilizam o processo de aprendizagem e os problemas de desigualdade.
A estrutura econômica da região impõe restrições concretas ao desempenho escolar e à permanência do jovem na escola. Para Cunha (2018, p.52), “as taxas de evasão escolar estão diretamente ligadas à vulnerabilidade social e à ausência de políticas públicas associadas”. Nos estados do Norte e no Nordeste e em especial as regiões que possuem o pior desempenho educacional, a necessidade de trabalhar desde cedo e à ausência de perspectivas educacionais fazem com que muitos estudantes abandonem os estudos. O ensino médio é então um reflexo das desigualdades estruturais deste país, onde a exclusão educacional retroalimenta a exclusão social.
As reformas educacionais, mesmo que apresentadas como medidas de modernização, poderão aprofundar as distâncias regionais. Martins (2019, p.70) critica esta lógica, considerando que “as políticas nacionais têm a tendência a ignorar a diversidade territorial por meio de modelos padronizados, atirando para todo o Brasil, sem considerar realidades locais”. Esta falta de sensibilidade às diferenças regionais resulta em escolas localizadas em contextos vulneráveis recebendo o mesmo tratamento que outras de grande porte em centros urbanos, aprofundando desigualdades em vez de diminuí-las.
Um outro fator crucial é o próprio valor do professor, sendo este essencial para a democratização do ensino. Souza (2015, p. 88) afirma que “a desvalorização do trabalho do professor é mais intensa nas regiões menos desenvolvidas, onde os salários aqui são baixos e as condições são de trabalhos precarizados”. Isso impede a continuidade e a qualidade do ensino, além de gerar alta rotatividade de professores. Valorizar o professor, portanto, significa não só admitir seu papel social, mas sim garantir equidade de acesso a formação e à condições adequadas para o exercício do ensino.
A infraestrutura escolar na sua precariedade continua reforçando as desigualdades impostas aos alunos. Lima (2018, p. 47) afirma que “a falta de bibliotecas, de laboratórios e de recursos tecnológicos é uma das marcas mais evidentes da desigualdade educacional brasileira”. Em muitas escolas do interior e da periferia, a limitação no acesso a espaços de aprendizagem de qualidade impacta a forma como ocorre o desenvolvimento cognitivo e também limita as possibilidades de inovação pedagógica (não é permitido por partes do documento: contribuição educacional, e esta expressão se refere.
A democratização, neste sentido, depende de investimentos sociais, coerentes e planejados, de forma equitativa entre os territórios; A equidade educacional é apenas tangencial, quando se dá o tratamento das diferenças regionais, como sendo a parte central, para as políticas públicas. Ferreira (2017, p. 91), aponta que, “A igualdade de oportunidades não é alcançada com a homogeneização das ações, mas, com o reconhecimento das desigualdades e com o enfrentamento das causas que das sustentam”. O desafio consiste em promover políticas integradas, que articulem educação, assistência social e desenvolvimentos regiões, de maneira a construir condições reais de permanência e sucesso escolar para todos os jovens.
Pensar e repensar o Ensino Médio partir da questão das desigualdades regionais e das desigualdades estruturais, também é reafirmar a educação na forma de instrumento da justiça social. Como sintetiza Prado (2019, p. 60), democratizar é mais do que abrir a porta da escola, é garantir que todos possam aprender com dignidade e qualidade. O enfrentamento da desigualdade demanda investimento político, social e valorização da escola pública voltada para a transformação. Somente assim, O Ensino médio poderá desempenhar seu papel de emancipador e pode contribuir para a construção de um país mais justo e igualitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo do Ensino Médio no Brasil amplificou a constatação de que esta etapa da educação básica ainda está em constante disputa entre vários projetos de sociedade e propostas de finalidades para a formação. Desde suas raízes elitistas até as reformas atuais, o Ensino Médio tem oscilado entre a formação técnica, o acesso ao ensino superior e a formação de cidadãos críticos. As políticas públicas têm obtido avanços pontuais, mas não conseguiram romper com as desigualdades históricas que estratificam o acesso à educação e o seu padrão de qualidade. Retomar esta trajetória demonstrou que, apesar das mudanças legais e estruturais, a luta por um ensino médio democrático e emancipador permanece infinitamente inacabada.
Os objetivos estabelecidos neste trabalho foram alcançados ao longo da análise histórica e crítica aqui realizada. A meta geral — investigar o percurso do Ensino Médio – enquanto percurso singular e plural de suas identidades pedagógicas e sociais — foi atingida ao evidenciar como as reformas educacionais reconfiguraram suas funções e avultaram suas contradições. Os objetivos específicos também foram alcançados, ao serem examinadas as desigualdades regionais, a relevância das políticas públicas e os desafios contemporâneos. Verificou-se que, mesmo diante de avanços legais, as práticas escolares ainda mantêm uma dualidade entre cidadania e trabalho, sendo um dos obstáculos para a consolidação de uma formação integral e humanizadora.
A análise dos resultados possibilitou apurar que o Ensino Médio ainda não apresenta mais coerência entre o discurso reformista e a prática escolar. O foco das reformas educacionais em fortalecer as competências técnicas e atender as demandas econômicas, pouco avançou para a equidade e a educação crítica. Apontou-se que as condições estruturais precárias, a desvalorização dos professores e a fragmentação curricular continuam a ser barreiras para uma educação de qualidade. Conclusivamente, a hipótese inicial – o Ensino Médio não atingiu ainda uma identidade emancipadora – foi confirmada pelos dados e pela literatura analisadas. Verificou-se também, que a escola pública, mesmo diante de limitações, pode ser um espaço de resistência e transformação. A partir da atuação de professores comprometidos, de projetos pedagógicos inovadores e de práticas democráticas, é possível formar experiências formativas mais significativas. A partir destas, pode-se reafirmar a importância da educação como direito social e, assim, como instrumento de justiça. A cidadania, o trabalho e o conhecimento precisam caminhar juntos, numa proposta pedagógica que reconheça o estudante como sujeito histórico e crítico, protagonista de seu aprendizado.
A confirmação da hipótese demonstra que a consolidação de um Ensino Médio emancipatório exige políticas públicas interligadas, valorização profissional e fortalecimento da gestão democrática. A desigualdade regional e a precarização das condições escolares indicam que a mera execução das reformas não promove uma transformação efetiva. O caminho é pensar as finalidades da escola, curricular e práticas pedagógicas a partir das diversidades socioculturais que caracterizam o país. Somente assim é que será viável construir um ensino médio que una equidade, qualidade e sentido formativo.
Recomenda-se que futuras pesquisas aprofundem a relação entre juventude, políticas públicas e inovação pedagógica, com vistas a propostas de inserção de um ensino médio inclusive e articulado às necessidades do século XXI. É preciso acreditar que a educação não se reduza ao domínio da instrução e da produtividade, mas que favoreça o pensamento crítico, a criatividade e a solidariedade. Repensar o Ensino Médio é, portanto, repensar o próprio projeto de sociedade que se quer construir: justo, democrático e firmado no poder transformador da educação.
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