NEUROCIÊNCIA DA LEITURA: COMO O CÉREBRO APRENDE – UM UNIVERSO QUE SE AMPLIA.
NEUROSCIENCE OF READING: HOW THE BRAIN LEARNS – AN EXPANDING UNIVERSE.
Mislene Daiane Lamatriz¹
Oneide de Souza Moraes²
Luciana Cruz de Freitas³
Resumo
Este artigo discute a leitura sob a perspectiva da neurociência cognitiva, apresentando as principais descobertas científicas sobre como o cérebro processa, aprende e aprimora essa habilidade complexa. A leitura é compreendida como uma função adquirida que depende de uma rede neural adaptativa, que envolve diferentes áreas do cérebro, especialmente os córtices visual, auditivo e pré-frontal. A partir de uma revisão bibliográfica, analisa como o cérebro constrói circuitos de leitura, os desafios enfrentados por crianças com dificuldades de aprendizagem, o papel da plasticidade neural no processo de alfabetização e os impactos educacionais do uso excessivos de dispositivos eletrônicos, desde a primeira infância. A discussão aponta para a importância de uma abordagem interdisciplinar entre neurociência e educação, a fim de promover práticas pedagógicas mais eficazes, para amenizar os prejuízos educacionais a longo prazo. Conclui-se que conhecer o funcionamento do cérebro leitor, amplia o universo de possibilidades para o ensino da leitura, tornando o processo mais inclusivo, científico e sensível às necessidades dos sujeitos. Nesse contexto, também torna-se imprescindível considerar os impactos das tecnologias digitais e informatizadas, assim como o excesso de uso de telas que vêm transformando significativamente as novas práticas de leitura e escrita. Ao integrar os avanços das neurociências com as demandas do mundo digital, é possível construir propostas pedagógicas mais adaptadas à realidade contemporânea, promovendo um aprendizado mais significativo e alinhado às competências do século XXI. A leitura é uma das habilidades mais fundamentais no processo de aprendizagem e desenvolvimento humano. Desde os primeiros anos de vida, o contato com os livros e com a linguagem escrita contribui de forma significativa para o crescimento cognitivo, emocional e social das crianças.
Palavras – chaves: Leitura. Neurociência Cognitiva. Aprendizagem. Plasticidade Neural. Educação. Impactos da Tecnologias digitais.
Artigo publicado na EBWU no Curso de Mestrado em Ciências da Educação como trabalho de nivelamento de estudos das disciplinas básicas. Mestranda da EBWU. Email:mislenedaianelamatriz@gmail.com
2 Artigo publicado na EBWU no Curso de Mestrado em Ciências da Educação como trabalho de nivelamento de estudos das disciplinas básicas. Mestranda da EBWU. Email:oneidesm21@gmail.com
3 Docente do Curso Superior de Mestrado e Doutorado do Instituto EBWU Campus. Mestre em educação. E-mail: pedagogico.luciana@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
A leitura é uma das conquistas mais notáveis da cognição humana, resultado da interação entre fatores biológicos, sociais e culturais. No entanto, diferentemente da fala, a leitura não é uma habilidade inata: ela precisa ser ensinada, aprendida e praticada. Nos últimos anos, a neurociência tem contribuído significativamente para o entendimento de como o cérebro aprende a ler, oferecendo subsídios valiosos para a educação. Compreender como as funções cerebrais operam durante o processo de alfabetização pode aprimorar metodologias de ensino e proporcionar intervenções mais eficazes diante de dificuldades de aprendizagem. Uma habilidade complexa e essencial para o desenvolvimento intelectual, social e emocional do ser humano. Diferente da linguagem oral, que é adquirida naturalmente, a leitura é uma construção cultural recente que exige esforço cognitivo e ensino sistemático. Nesse contexto, a neurociência tem se destacado como uma área fundamental para a compreensão dos processos cerebrais envolvidos na aprendizagem da leitura.
Com os avanços das tecnologias de neuroimagem e das pesquisas interdisciplinares, tornou-se possível observar como diferentes regiões do cérebro se ativam durante o ato de ler e como essas conexões se desenvolvem desde a infância. Esse conhecimento tem transformado as práticas pedagógicas, permitindo que educadores identifiquem dificuldades com mais precisão e adotem estratégias mais eficazes e inclusivas no processo de alfabetização.
Entender como o cérebro aprende a ler é, portanto, essencial para promover uma educação mais alinhada com as necessidades reais dos estudantes, sobretudo em contextos desafiadores, como os de dificuldades de aprendizagem ou defasagens no letramento. Assim, a neurociência da leitura representa um campo promissor, capaz de ampliar o universo de possibilidades para o ensino e para a aprendizagem significativa da leitura.
Considerando nas últimas décadas, a humanidade também vivencia transformações profundas nas práticas sociais de leitura e escrita, impulsionadas pelo avanço das tecnologias digitais e pelo uso massivo de dispositivos eletrônicos. O que antes era predominantemente vinculado ao suporte impresso, hoje se diversifica em múltiplas linguagens e plataformas, exigindo do sujeito leitor habilidades cognitivas e atencionais distintas. Nesse cenário, torna-se imprescindível também refletir sobre os impactos que o uso excessivo de telas pode acarretar no desenvolvimento de competências linguísticas, cognitivas e socioemocionais, especialmente em crianças e adolescentes em idade escolar, uma vez que, é nesse período que as habilidades de leitura e escrita são desenvolvidas com maior exigência, para a expansão de seus conhecimentos sobre o mundo.
A leitura é uma das habilidades mais fundamentais no processo de aprendizagem e desenvolvimento humano. Desde os primeiros anos de vida, o contato com os livros e com a linguagem escrita contribui de forma significativa para o crescimento cognitivo, emocional e social das crianças. No entanto, a ausência de estímulos à leitura durante a infância pode gerar consequências negativas que se estendem ao longo da vida escolar e adulta. Este artigo discute os principais reflexos dessa carência, destacando seus impactos no desenvolvimento infantil.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA E A NEUROCIÊNCIA.
A leitura é uma habilidade essencial para o desenvolvimento humano, social e intelectual. No entanto, trata-se de um processo complexo, que envolve múltiplas áreas do cérebro e depende de mecanismos neurais que não foram originalmente desenvolvidos para essa função. O avanço da neurociência nas últimas décadas tem permitido compreender como o cérebro aprende a ler, revelando um universo intricado de conexões, adaptações e aprendizagens.
De acordo com os autores Dehaene (2012), Shaywitz (2003), Wolf (2008), Damásio (2000) e Kandel (2014) contribuem para desvendar esse processo, ampliando a visão da leitura para além da decodificação de palavras, passando a incluí-la como uma experiência cognitiva, emocional e social. Compreender como o cérebro aprende a ler é essencial para desenvolver práticas pedagógicas mais eficazes e inclusivas, capazes de respeitar a diversidade dos sujeitos e suas trajetórias de aprendizagem.
Segundo Dehaene (2012), o cérebro precisa “reciclar” circuitos neurais originalmente destinados a outras funções, como o reconhecimento visual de objetos e o processamento da linguagem oral, para adquirir a capacidade de leitura. Essa adaptação se dá por meio da plasticidade cerebral, um conceito central na neurociência que se refere à habilidade do sistema nervoso de modificar sua estrutura e função em resposta à experiência (Kandel et al., 2014).
Além disso, a leitura envolve a atuação coordenada de diversas funções executivas, tais como atenção, memória de trabalho, inibição e flexibilidade cognitiva (Diamond, 2013), que são mediadas principalmente pelo córtex pré-frontal. Tais funções permitem ao leitor manter o foco, integrar informações, fazer inferências e monitorar sua compreensão durante o ato de ler.
O papel das emoções no processo de leitura também é fundamental. Damásio (2000) argumenta que os sentimentos estão profundamente entrelaçados com os processos cognitivos e influenciam diretamente a motivação, a memória e o significado atribuído ao conteúdo lido. A neuroeducação, nesse sentido, tem buscado integrar o conhecimento sobre emoção e cognição, demonstrando que o envolvimento afetivo pode potencializar o aprendizado da leitura, especialmente em ambientes escolares sensíveis e responsivos.
Este artigo tem como objetivo analisar, à luz da neurociência cognitiva, os processos mentais e cerebrais envolvidos na aquisição da leitura, destacando o papel da plasticidade cerebral, das funções executivas e das emoções nesse contexto. Ao aprofundar o entendimento sobre a base neurobiológica da leitura, pretende-se contribuir para a construção de práticas pedagógicas que respeitem as particularidades dos aprendizes e favoreçam sua trajetória de letramento de forma mais equitativa e eficaz.
A LEITURA COMO CONQUISTA CULTURAL E NEUROCOGNITIVA.
A leitura é amplamente reconhecida como uma das mais sofisticadas e impactantes conquistas culturais da humanidade, representando não apenas um avanço civilizacional, mas também uma reconfiguração profunda das capacidades cognitivas humanas. Como aponta Dehaene (2012), a leitura constitui uma “invenção cultural recente”, à qual o cérebro humano não foi biologicamente programado, mas que se torna possível graças à plasticidade cerebral, a propriedade do sistema nervoso de modificar sua estrutura e funcionamento com base na experiência e na aprendizagem.
Essa capacidade adaptativa do cérebro possibilita a reorganização funcional de áreas neurais pré-existentes. No caso da leitura, esse fenômeno é denominado reciclagem neuronal: circuitos cerebrais originalmente destinados a outras funções, como o reconhecimento visual de formas e rostos, são progressivamente “recrutados” para processar estímulos linguísticos visuais, como as letras e as palavras escritas (DEHAENE, 2012).
Uma das principais regiões envolvidas nesse processo é o giro fusiforme esquerdo, também conhecido como “área da forma visual da palavra” (visual word form area – VWFA), que desempenha um papel crucial no reconhecimento rápido e automático de palavras (COHEN et al., 2000; DEHAENE & COHEN, 2007).
Além do giro fusiforme, a leitura envolve a ativação coordenada de um circuito neural complexo que integra múltiplas áreas corticais: o lobo occipital (processamento visual primário), o lobo temporal (acesso ao léxico e compreensão semântica), o lobo parietal (integração fonológica e atenção espacial) e o lobo frontal, especialmente as áreas pré-frontais, responsáveis pelo controle executivo, planejamento, memória de trabalho e articulação da fala (SHAYWITZ et al., 2002; KANDEL et al., 2014). Esse circuito evidencia que a leitura é uma habilidade aprendida e multidimensional, que emerge da cooperação entre sistemas especializados em funções distintas.
Sob essa perspectiva, a leitura pode ser compreendida como uma interface entre cultura e biologia, em que símbolos gráficos codificados socialmente passam a adquirir significado cognitivo e emocional por meio de processos neurofuncionais. Maryanne Wolf (2008) ressalta que o cérebro leitor não apenas decodifica símbolos, mas também constrói sentido, ativando inferências, empatia e memória — características que elevam a leitura de um simples ato mecânico para uma experiência interpretativa e transformadora.
Portanto, a leitura não é apenas um exercício técnico de decodificação, mas uma manifestação da capacidade humana de atribuir sentido ao mundo por meio da linguagem escrita. A compreensão dessa base neurocognitiva é fundamental para o campo educacional, pois permite reconhecer que o fracasso na leitura não se deve necessariamente à falta de esforço, mas pode refletir desafios no desenvolvimento das conexões neurais e nas funções cognitivas subjacentes, como atenção, memória fonológica e integração sensorial. Dessa forma, práticas pedagógicas mais eficazes e inclusivas devem considerar essa complexidade, oferecendo estímulos adequados e estratégias diferenciadas que respeitem o tempo e as particularidades de cada aprendiz (SHAYWITZ, 2003; DAMÁSIO, 2000).
A ARQUITETURA CEREBRAL DA LEITURA
A leitura ativa uma rede cerebral distribuída, com destaque para as regiões temporais, occipitais e frontais, lateralizadas majoritariamente no hemisfério esquerdo. Segundo Wolf (2008), essa arquitetura neurológica permite que a leitura transcenda a decodificação de símbolos, promovendo a ativação de processos cognitivos superiores como compreensão, inferência, raciocínio lógico e pensamento crítico. Esse caráter multifuncional da leitura reforça sua importância não apenas como instrumento de comunicação, mas como ferramenta de transformação cognitiva.
CONTRIBUIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA PARA A EDUCAÇÃO
As descobertas da neurociência cognitiva fornecem fundamentos teóricos sólidos para compreender como se dá a aprendizagem da leitura em contextos educacionais. Estudos como os de Kandel (2007) e Damásio (2009) demonstram que o ato de ler engaja não apenas áreas ligadas à linguagem, mas também regiões envolvidas na regulação emocional, na tomada de decisões e na integração sensório-motora. Tais achados sustentam a importância de práticas pedagógicas que respeitem o tempo, a individualidade e a diversidade neurobiológica dos aprendizes.
Nesse sentido, o conhecimento sobre o funcionamento do cérebro leitor pode subsidiar políticas públicas, metodologias de alfabetização e intervenções psicoeducacionais mais eficazes e inclusivas, principalmente para sujeitos com dificuldades específicas de aprendizagem, como a dislexia.
DISLEXIA: UM TRANSTORNO DE BASE NEUROBIOLÓGICA
A dislexia do desenvolvimento é reconhecida como o transtorno específico de aprendizagem mais amplamente investigado pela neurociência cognitiva.
Trata-se de uma condição de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldades significativas e persistentes no desenvolvimento da leitura, em especial nas habilidades de decodificação fonológica e reconhecimento automático de palavras, apesar de uma inteligência dentro da faixa da normalidade, escolarização adequada e ausência de déficits sensoriais (APA, 2014; SHAYWITZ, 2003).
Segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5, 2014), a dislexia é classificada como um subtipo dos transtornos específicos de aprendizagem com prejuízo na leitura, sendo seu principal marcador a dificuldade na precisão ou fluência da leitura de palavras e na habilidade de compreender o texto lido. Esse comprometimento está fortemente relacionado a déficits na consciência fonológica, ou seja, na capacidade de identificar, segmentar, manipular e associar os sons da fala às representações gráficas das letras — um componente essencial para a alfabetização em sistemas de escrita alfabéticos.
Do ponto de vista neurofuncional, estudos de neuroimagem demonstram que indivíduos com dislexia apresentam padrões atípicos de ativação em regiões específicas do hemisfério esquerdo, tradicionalmente envolvidas na leitura fluente e eficiente. As principais áreas com funcionamento alterado incluem o giro angular, o giro supramarginal e o córtex temporo-occipital posterior, esta última correspondendo à já mencionada área da forma visual da palavra (VWFA) (SHAYWITZ et al., 2002; DEHAENE, 2012). Esses déficits comprometem tanto o acesso fonológico quanto a integração entre os sistemas visual e verbal, fundamentais para o reconhecimento automático de palavras.
Em contrapartida, evidências indicam que o cérebro do leitor disléxico tende a recrutar circuitos neurais alternativos, predominantemente no hemisfério direito e em regiões frontais, que compensam parcialmente as dificuldades, mas de forma menos eficiente. Esse redirecionamento contribui para a lentidão e o esforço desproporcional durante a leitura, o que impacta diretamente na fluência, na compreensão textual e na motivação para a leitura (SHAYWITZ, 2003; WOLF, 2008).
A compreensão da dislexia como um transtorno de base neurobiológica tem implicações diretas para a educação, pois exige práticas pedagógicas baseadas em evidências científicas e estratégias específicas de intervenção, com foco no desenvolvimento da consciência fonológica, da correspondência fonema-grafema e na automatização da leitura. Além disso, a identificação precoce e o apoio contínuo são fundamentais para mitigar os impactos da dislexia na trajetória acadêmica e emocional dos estudantes, promovendo inclusão e equidade no processo educacional (SNOWLING & HULME, 2012).
PLASTICIDADE CEREBRAL E INTERVENÇÃO PRECOSE
A plasticidade cerebral constitui um dos pilares fundamentais para a compreensão da aprendizagem e, particularmente, para a possibilidade de superar os desafios impostos pelos transtornos da leitura, como a dislexia. Trata-se da capacidade que o sistema nervoso central tem de se reorganizar em resposta à experiência, ao treinamento e à estimulação ambiental, promovendo modificações sinápticas, funcionais e até estruturais ao longo da vida (KOLB; WHISHAW, 2009; GROSS, 2011).
Essa propriedade adaptativa é especialmente expressiva na infância, quando o cérebro apresenta maior maleabilidade para a formação de novos circuitos neurais, favorecendo a aquisição de habilidades complexas, como a leitura.
A partir das evidências da neurociência cognitiva, tem-se verificado que intervenções pedagógicas e terapêuticas sistemáticas, precoces e baseadas em evidências são capazes de modificar o padrão de ativação cerebral em crianças com dificuldades de leitura, promovendo um redirecionamento das vias neurais deficientes para padrões mais próximos dos observados em leitores proficientes (SHAYWITZ et al., 2004; DEHAENE, 2012). Estudos de neuroimagem funcional demonstram que programas intensivos de treinamento fonológico e de correspondência fonema-grafema promovem maior ativação nas regiões do hemisfério esquerdo associadas à decodificação, como o giro temporal superior, o giro angular e a área temporo-occipital posterior (MEYLER et al., 2008; RASHOTTE et al., 2001).
Segundo Goswami (2008) reforça que a intervenção precoce é um fator crítico para o sucesso dessas abordagens, pois o cérebro imaturo apresenta maior capacidade de adaptação e de formação de novas redes sinápticas. A estimulação adequada no início do processo de alfabetização pode impedir que dificuldades iniciais se consolidem em déficits persistentes, proporcionando às crianças a oportunidade de desenvolver as bases fonológicas e ortográficas essenciais à fluência leitora.
Além disso, a plasticidade cerebral não é um fenômeno restrito à infância. Ainda que mais evidente nos primeiros anos de vida, o cérebro mantém certa capacidade de reorganização ao longo de toda a vida, o que justifica o uso de intervenções personalizadas também em idades mais avançadas, desde que sejam intensivas, sistemáticas e sustentadas por evidências (MERCER et al., 2019).
A compreensão dos mecanismos neurais envolvidos na leitura e nos transtornos associados a ela possibilita o desenvolvimento de práticas pedagógicas neuroinformadas, capazes de respeitar a diversidade dos trajetos cognitivos dos alunos. Nesse sentido, professores, psicopedagogos e fonoaudiólogos que se apropriam dos conhecimentos da neurociência educacional ampliam sua capacidade de identificação precoce de sinais de risco, seleção de estratégias de ensino diferenciadas e monitoramento contínuo dos avanços no processo de aprendizagem (CAREW; MIND, BRAIN AND EDUCATION, 2020).
Em síntese, a plasticidade cerebral representa uma base científica promissora para o desenho de intervenções educacionais mais eficazes, contribuindo para a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva, que compreende e respeita a singularidade dos processos neurocognitivos de cada sujeito.
LEITURA COMO CONSTRUÇÃO CULTURAL E NEURAL
A leitura é simultaneamente um fenômeno cultural e um processo neural. Do ponto de vista cultural, ela é uma invenção humana relativamente recente — com cerca de 5 mil anos — e não faz parte do repertório biológico inato do ser humano, como a fala. Isso significa que não nascemos com estruturas cerebrais prontas para ler; precisamos adaptar circuitos existentes para realizar essa função. Essa adaptação só é possível graças à plasticidade do cérebro humano, que permite reorganizar conexões neurais para dar conta dessa nova habilidade (DEHAENE, 2012).
Neuralmente, a leitura envolve uma integração entre diferentes áreas cerebrais: o córtex visual (responsável pelo reconhecimento das letras e palavras), o córtex auditivo (que associa os grafemas aos fonemas) e as regiões linguísticas do cérebro (como a área de Broca e a área de Wernicke), responsáveis pela compreensão e produção da linguagem. Quando uma criança aprende a ler, esses circuitos começam a se comunicar de forma coordenada, formando uma rede especializada que permite o processamento fluente e eficiente da leitura (SACKS, 2009).
Por ser uma construção cultural, a leitura precisa ser ensinada de maneira intencional, respeitando o ritmo e as particularidades cognitivas de cada indivíduo. A forma como se ensina a ler, os estímulos oferecidos e o contexto social e afetivo do estudante influenciam diretamente o sucesso ou as dificuldades nesse processo. Assim, o cruzamento entre neurociência e educação oferece uma chave valiosa para compreender como o cérebro aprende a ler e como esse conhecimento pode ser aplicado na escola para favorecer a aprendizagem significativa.
A leitura é uma das conquistas mais impressionantes da humanidade, pois não nasce com o ser humano — ela é uma invenção cultural, e não uma habilidade inata. Isso significa que o cérebro humano, originalmente não programado biologicamente para ler, precisou adaptar estruturas cerebrais pré-existentes para dar conta dessa tarefa. Assim, a leitura deve ser entendida como uma prática cultural complexa que, ao ser incorporada, transforma profundamente o funcionamento cerebral.
Do ponto de vista cultural, a leitura é resultado de um longo processo histórico. Os primeiros sistemas de escrita surgiram há cerca de 5.000 anos, e desde então a humanidade tem desenvolvido códigos, símbolos e convenções para registrar e transmitir conhecimento. Esse repertório simbólico é socialmente aprendido e ensinado, o que destaca a importância da escola e das práticas sociais de letramento para o desenvolvimento do leitor.
No campo da neurociência, estudos demonstram que a aprendizagem da leitura envolve a reorganização funcional do cérebro. Como explica Dehaene (2012), ao aprender a ler, o cérebro “recicla” áreas originalmente dedicadas ao reconhecimento visual e à linguagem oral para interpretar letras e palavras escritas. Essa área, chamada de “área da forma visual da palavra”, localiza-se no lobo occipito-temporal esquerdo e se especializa na identificação rápida de palavras escritas.
Além disso, a leitura exige o trabalho integrado de várias regiões cerebrais: o córtex visual (responsável por decodificar os símbolos), o córtex auditivo (que associa grafemas a fonemas), e áreas linguísticas como a de Broca (envolvida na articulação e fluência verbal) e a de Wernicke (associada à compreensão). Essa integração só é possível graças à plasticidade cerebral — a capacidade do cérebro de formar e modificar conexões sinápticas ao longo da vida, sobretudo na infância.
Essa relação entre cultura e biologia implica que o processo de alfabetização deve respeitar o tempo neurológico de cada criança e considerar as influências do ambiente sociocultural. Crianças que crescem em contextos ricos em linguagem e leitura tendem a desenvolver com mais facilidade as habilidades necessárias à alfabetização. Já aquelas inseridas em ambientes de vulnerabilidade social podem enfrentar obstáculos significativos, o que demanda práticas pedagógicas mais sensíveis, intencionais e fundamentadas cientificamente.
Portanto, compreender a leitura como uma construção cultural e neural permite que educadores adotem métodos mais eficientes, prevenindo dificuldades e promovendo a inclusão. O conhecimento dos mecanismos cerebrais que sustentam a leitura oferece ferramentas para diagnosticar precocemente os transtornos de aprendizagem, como a dislexia, e para intervir com base em evidências, ampliando o universo de leitura e aprendizagem de todos os estudantes.
METODOLOGIA
O presente estudo configura-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza teórico-bibliográfica, com enfoque analítico-interpretativo. A investigação tem por objetivo compreender, sob a ótica da neurociência cognitiva, os processos neurobiológicos subjacentes à aprendizagem da leitura e suas implicações para a prática pedagógica.
A opção por uma abordagem qualitativa justifica-se pela busca por uma compreensão aprofundada e contextualizada dos fenômenos investigados, considerando a complexidade e a natureza multidimensional da leitura enquanto função neurocognitiva e conquista sociocultural. Conforme ressalta Minayo (2001), a pesquisa qualitativa privilegia a análise de significados, relações e processos que não podem ser reduzidos à quantificação, sendo especialmente adequada para estudos que envolvem aspectos simbólicos, subjetivos e teóricos.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, fundamentada na análise crítica de produções científicas nacionais e internacionais, publicadas majoritariamente a partir dos anos 2000, com ênfase na última década, de modo a garantir a atualidade e a relevância do referencial teórico. Foram selecionadas fontes acadêmicas confiáveis, como livros especializados e artigos indexados em bases de dados reconhecidas — Scielo, PubMed, Google Acadêmico e periódicos da Capes —, além de obras de referência de autores consagrados na área da neurociência e da leitura, tais como Dehaene (2012), Wolf (2008), Shaywitz (2003), Damasio (2009) e Kandel (2014).
A análise dos dados foi conduzida a partir da técnica de análise de conteúdo, conforme os pressupostos metodológicos propostos por Bardin (2016). Essa técnica permitiu a identificação de categorias temáticas emergentes do corpus teórico, possibilitando uma leitura sistematizada, crítica e integrada dos textos selecionados. As principais categorias analíticas estabelecidas foram:
- (I) a leitura como função neurocognitiva e construção cultural;
- (II) a arquitetura cerebral da leitura e a organização dos circuitos neurais;
- (III) a plasticidade cerebral e as possibilidades de intervenção;
- (IV) a dislexia como transtorno de base neurobiológica; e
- (V) as implicações educacionais do conhecimento neurocientífico.
Essa metodologia visa articular diferentes campos do saber — neurociência, psicologia cognitiva e educação — para fundamentar uma discussão interdisciplinar e cientificamente embasada. Dessa forma, busca-se oferecer subsídios teóricos que contribuam para a formação continuada de educadores, psicopedagogos e demais profissionais da aprendizagem, promovendo práticas educacionais mais responsivas às evidências científicas sobre como o cérebro aprende a ler.
DISCUSSÃO
O CÉREBRO LEITOR: UMA REDE NEUROFUNCIONAL INTEGRADA E PLASTICAMENTE MODULÁVEL.
A leitura constitui uma função neurocognitiva altamente elaborada, que emerge da interação entre circuitos cerebrais originalmente destinados a outras finalidades evolutivas. Ao contrário de funções naturais como a linguagem oral, a leitura não é inata, mas aprendida, exigindo do cérebro humano uma reorganização estrutural e funcional — um processo que exemplifica de forma notável a plasticidade neural (DEHAENE, 2012; KANDEL et al., 2014).
No centro dessa reorganização está o fenômeno da “reciclagem neuronal”, conceito cunhado por Dehaene (2012), que descreve como regiões corticais — especialmente o giro fusiforme esquerdo — são redirecionadas de sua função visual original para formar a chamada Área Visual de Forma da Palavra (Visual Word Form Area – VWFA). Essa área torna-se progressivamente especializada no reconhecimento rápido e automático de palavras escritas, desempenhando papel fundamental na fluência leitora.
Além do componente visual, o circuito da leitura envolve um sistema distribuído de áreas corticais, incluindo:
- o giro temporal superior e médio, responsável pelo processamento fonológico;
- o córtex pré-frontal dorsolateral, relacionado à atenção e à memória de trabalho;
- o giro angular e o giro supramarginal, associados à integração multissensorial e ao mapeamento grafofonêmico;
- e áreas do córtex temporal anterior e inferior frontal (área de Broca), envolvidas no acesso semântico e na produção da linguagem (SHAYWITZ et al., 2002; PUGH et al., 2013).
Essa organização funcional reflete o caráter interconectado e colaborativo do cérebro leitor, que atua como uma rede adaptativa, moldada por fatores genéticos, experiências de aprendizagem e estímulos ambientais (GOSWAMI, 2008). Estudos de neuroimagem funcional, utilizando técnicas como fMRI e PET, demonstram que essa rede se desenvolve progressivamente durante o processo de alfabetização, com ativação crescente da VWFA e maior conectividade entre os hemisférios cerebral esquerdo e direito (RICHARDS et al., 2006).
Assim, é importante destacar que, em leitores proficientes, essas vias tornam-se mais automáticas e eficientes, liberando recursos cognitivos para a compreensão do texto. Já em leitores com dificuldades, como os disléxicos, observa-se um padrão atípico de ativação, com menor engajamento das vias esquerdas típicas e uso compensatório de regiões do hemisfério direito (SHAYWITZ et al., 2003).
Portanto, a leitura deve ser compreendida como resultado de um processo neurocognitivo dinâmico, sustentado por circuitos distribuídos, especializados e em constante adaptação. A eficiência dessa rede depende não apenas da integridade funcional das áreas envolvidas, mas também do tipo, intensidade e precocidade das experiências de leitura oferecidas à criança, reafirmando o papel central da educação como promotora de plasticidade cerebral positiva (WOLF, 2008; IMMORDINO-YANG, 2011).
IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS DECORRENTES DA NEUROCIÊNCIA DA LEITURA
A compreensão dos mecanismos neurais envolvidos na aprendizagem da leitura apresenta importantes implicações para as práticas pedagógicas, especialmente no que tange à personalização do ensino e à inclusão dos sujeitos com diferentes perfis cognitivos. É fundamental reconhecer a diversidade neurobiológica dos aprendizes, considerando que o ritmo e as estratégias de aquisição da leitura podem variar substancialmente entre os indivíduos (KANDEL, 2007). Essa heterogeneidade reforça a necessidade de abordagens pedagógicas diferenciadas, que integrem estratégias multissensoriais e intervenções adaptadas às especificidades de cada aprendiz.
Os avanços da neurociência evidenciam que programas de alfabetização eficazes devem priorizar o desenvolvimento das habilidades fonológicas, o reconhecimento visual de palavras e a fluência leitora, elementos centrais para a consolidação do processo de leitura (GOSWAMI, 2008). A plasticidade cerebral, especialmente acentuada nas fases iniciais do desenvolvimento, possibilita a reconfiguração e fortalecimento dos circuitos neurais relacionados à leitura, o que justifica a ênfase na intervenção precoce.
No que se refere às dificuldades específicas de aprendizagem, como a dislexia, a literatura neurocientífica demonstra que intervenções baseadas em evidências podem promover mudanças funcionais e estruturais nos circuitos cerebrais comprometidos, refletindo em melhorias no desempenho leitor e na inclusão escolar (SHAYWITZ et al., 2002). Isso impõe um desafio educacional significativo, que requer a formação continuada de professores, psicopedagogos e fonoaudiólogos para a identificação precoce dos sinais de risco e a aplicação de metodologias fundamentadas cientificamente.
Adicionalmente, o aprofundamento no conhecimento do funcionamento do cérebro leitor favorece o fortalecimento do diálogo interdisciplinar entre neurocientistas, profissionais da educação, saúde e políticas públicas. Essa articulação é imprescindível para a formulação e implementação de políticas educacionais mais inclusivas e efetivas, capazes de contemplar a diversidade cognitiva e promover equidade no processo de alfabetização.
IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS DO USO EXCESSIVO DE DISPOSITIVOS ELETRÔNICOS – EDUCAÇÃO INFANTIL: EFEITOS PRECOCE E IMPACTOS A LONGO PRAZO
Como é sabido, durante a primeira infância, o cérebro humano encontra-se em uma fase crítica de desenvolvimento neurobiológico, marcada por intensa plasticidade sináptica e rápida organização das redes neurais (Shonkoff & Phillips, 2000). A neurociência já demonstrou que os estímulos recebidos nesse período moldam significativamente as estruturas cerebrais, influenciando o funcionamento cognitivo, emocional e social ao longo da vida. O uso precoce e prolongado de dispositivos eletrônicos compromete diretamente o desenvolvimento da linguagem oral, da coordenação motora fina e grossa, da atenção compartilhada e da capacidade simbólica, funções fundamentais para o processo de alfabetização e socialização (Christakis et al., 2004; Shapiro, 2021; Radesky et al., 2020). Além disso, substitui o brincar espontâneo, o contato direto com o mundo físico e a interação face a face, elementos essenciais para o desenvolvimento das funções executivas, como memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva (Diamond, 2013).
A exposição intensa às telas, especialmente antes dos dois anos de idade, tem sido associada a atrasos na aquisição da linguagem e dificuldades na regulação emocional, além de maior risco de desenvolver quadros de ansiedade, hiperatividade e dependência digital na adolescência (Twenge, 2017; Kamenetz, 2018). Por isso, precisamente, as instituições de Educação Infantil devem priorizar práticas pedagógicas que valorizem a ludicidade, o vínculo afetivo e o contato com experiências sensoriais reais, evitando a introdução precoce de tecnologias digitais em ambientes escolares. De acordo com recomendações da Organização Mundial da Saúde (2019) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (2021), crianças menores de dois anos não devem ser expostas a telas, e aquelas entre dois e cinco anos devem ter tempo de uso limitado, sempre com supervisão e intencionalidade educativa.
Diante desse cenário, precisamente, a escola tem papel crucial como agente de proteção do desenvolvimento infantil, devendo atuar na formação de professores e na conscientização das famílias sobre os riscos da superexposição digital. Com base nos princípios da neuroeducação, é necessário construir ambientes que favoreçam o movimento, a imaginação, a linguagem e a convivência, pilares do desenvolvimento global na infância.
A exposição constante a estímulos audiovisuais rápidos, coloridos e interativos compromete a atenção sustentada, competência essencial para o decodificar de palavras e para a compreensão de textos mais longos e complexos. Além disso, prejudica o desenvolvimento da linguagem oral, limitando o vocabulário e as estruturas sintáticas internalizadas pela criança, o que impacta diretamente na produção escrita e na leitura fluente (Shaywitz, 2003). Outro aspecto crítico é a superficialidade da leitura digital, frequentemente fragmentada e descontextualizada, em contraste com a leitura em papel, que favorece a análise crítica e a reflexão profunda. Dessa forma, os impactos do uso excessivo de tecnologias não supervisionadas na infância vão além do entretenimento e afetam diretamente a aquisição de competências leitoras e escritoras, exigindo maior atenção por parte da escola, das famílias e dos formuladores de políticas públicas. Precisamente, a escola deve, portanto, valorizar práticas de leitura analógica, momentos de silêncio e reflexão, bem como atividades escritas que estimulem o pensamento metacognitivo.
REFLEXOS NEGATIVOS DA FALTA DE ESTÍMULOS À LEITURA NAS CRIANÇAS
A leitura é uma das ferramentas mais poderosas para o desenvolvimento intelectual, emocional e social das crianças. Desde os primeiros anos de vida, o contato com os livros e com o ato de ler contribui para a formação de uma base sólida de aprendizagem. No entanto, a ausência de estímulos à leitura pode trazer consequências negativas significativas durante a infância, afetando diversas áreas da vida da criança.
Um dos principais reflexos da falta de estímulo à leitura está no desenvolvimento cognitivo. Crianças que não têm o hábito de ler ou que não são incentivadas a isso costumam apresentar vocabulário limitado, dificuldade na compreensão de textos e problemas de raciocínio lógico. A leitura é essencial para ampliar a linguagem, desenvolver o pensamento crítico e fortalecer a memória, habilidades fundamentais para o sucesso acadêmico e pessoal.
Além disso, a leitura influencia diretamente na comunicação oral e escrita. Crianças pouco expostas a livros tendem a ter mais dificuldades para se expressar, organizar ideias e argumentar com clareza. Isso pode prejudicar sua participação em sala de aula, a produção de textos e até mesmo a capacidade de interagir socialmente com colegas e professores.
Outro ponto preocupante é o impacto no desempenho escolar. A leitura é a base de todas as áreas do conhecimento. Quando a criança não é incentivada a ler, ela pode apresentar dificuldades não só em Língua Portuguesa, mas também em Matemática, Ciências, História e outras disciplinas, já que todas exigem interpretação e compreensão de conteúdos escritos. Com isso, o rendimento escolar tende a cair, e a criança pode se sentir desmotivada e frustrada.
Do ponto de vista emocional, a falta de leitura também pode afetar a autoestima infantil. Crianças que não compreendem o que leem ou que não conseguem acompanhar o ritmo da turma muitas vezes se sentem incapazes e inferiores, o que pode levar ao desinteresse pelos estudos e ao isolamento social.
Por fim, é importante destacar que a ausência de estímulos à leitura na infância pode gerar consequências a longo prazo, como dificuldade de aprendizagem na vida adulta, menor capacidade de análise crítica e limitação no acesso a oportunidades educacionais e profissionais.
Portanto, incentivar a leitura desde cedo é uma responsabilidade compartilhada entre a família, a escola e a sociedade. Ler para as crianças, oferecer livros adequados à sua faixa etária e promover momentos de leitura prazerosa são atitudes simples, mas fundamentais para formar leitores competentes e cidadãos mais preparados para enfrentar os desafios do mundo atual.
DIFICULDADES NA COMUNICAÇÃO E NA ESCRITA
Crianças que não desenvolvem o hábito da leitura costumam apresentar dificuldades em se comunicar com clareza e coerência. Isso se reflete tanto na oralidade quanto na produção escrita. A ausência de contato com estruturas linguísticas variadas e com diferentes gêneros textuais limita a capacidade de organizar pensamentos, interpretar mensagens e argumentar com lógica.
A falta de leitura interfere diretamente no rendimento escolar. Como a leitura é a base para o entendimento das demais disciplinas, crianças que não leem com frequência apresentam dificuldades não apenas em língua portuguesa, mas também em matemática, ciências e outras áreas do conhecimento. A falta de compreensão de enunciados, por exemplo, compromete a resolução de problemas e a interpretação de conceitos complexos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da leitura sob a perspectiva da neurociência cognitiva reafirma que essa habilidade constitui uma conquista cultural singular, sustentada por uma rede neural complexa, adaptativa e em constante reorganização. A leitura mobiliza a integração sincronizada de múltiplas áreas cerebrais, envolvendo processos visuais, fonológicos e semânticos que se desenvolvem de forma progressiva e dinâmica ao longo da alfabetização, configurando um fenômeno neurocognitivo multifacetado.
As evidências empíricas destacam a plasticidade neural como um fator determinante para a eficácia da aprendizagem da leitura, especialmente quando associada a intervenções precoces e direcionadas a sujeitos que apresentam dificuldades específicas, como a dislexia. O aprofundamento do conhecimento sobre a arquitetura cerebral e os mecanismos funcionais do cérebro leitor permite fundamentar práticas pedagógicas personalizadas, que respeitam as particularidades neurobiológicas e as trajetórias singulares de cada aprendiz.
Nesse sentido, a interlocução entre neurociência e educação não só amplia a compreensão dos fundamentos neurobiológicos da leitura, como também favorece a construção de ambientes educacionais inclusivos, inovadores e alicerçados em evidências científicas robustas. Essa integração interdisciplinar propicia a formulação de estratégias educacionais que promovem a equidade no acesso ao conhecimento e contribuem decisivamente para o desenvolvimento pleno do potencial humano.
Assim, o avanço no entendimento dos processos cerebrais relacionados à leitura abre um horizonte promissor para a promoção do letramento universal, considerado um instrumento indispensável para o desenvolvimento cognitivo, social e cultural dos indivíduos e da sociedade como um todo.
A neurociência da leitura amplia o universo de possibilidades para o ensino, permitindo uma compreensão mais profunda dos processos envolvidos na alfabetização. Ao considerar como o cérebro aprende, educadores podem adaptar suas estratégias pedagógicas para promover uma aprendizagem mais eficaz e equitativa. Integrar os avanços da neurociência à educação representa não apenas um desafio, mas também uma oportunidade para construir práticas educacionais mais justas, sensíveis às necessidades dos alunos e sustentadas por evidências científicas.
Ao integrar os avanços das neurociências com as demandas emergentes do mundo digital, abre-se espaço para a construção de propostas pedagógicas mais eficazes e sensíveis às transformações culturais e tecnológicas do século XXI. Nesse sentido, o papel da escola e dos educadores torna-se ainda mais relevante: mediar o uso consciente da tecnologia, promover experiências de leitura profunda e favorecer o desenvolvimento de competências cognitivas e emocionais que permitam aos estudantes navegarem criticamente no universo digital e impresso.
A leitura é um pilar essencial no desenvolvimento integral da criança. Sua ausência não apenas compromete o desempenho acadêmico, mas também interfere na formação do pensamento crítico, na comunicação e nas relações sociais. Diante disso, é fundamental que famílias, escolas e governos se comprometam em criar ambientes ricos em estímulos à leitura, garantindo que todas as crianças tenham acesso a livros, histórias e experiências que incentivem o gosto e o hábito de ler desde cedo.
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