Início » ENRIQUECIMENTO CURRICULAR PARA ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL I

ENRIQUECIMENTO CURRICULAR PARA ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL I

por Aline Barcellos Lopes Plácido
A strategic arrangement of colorful pawns connected on a game board, symbolizing networking and teamwork.

Registrada no Florida Department of Education/Comission Independent for Education
Oficial Adress in USA: 7950 NW 53rd Street, Miami, Florida, FL, 33166
Autentication Code Number 141203101417-800277052878#1

 

 

 

 

 

 

 

Drª Aline Barcellos Lopes Plácido
Drª Luciana Cruz de Freitas
lopesplacidonpp@gmail.com
pedagogico.luciana@gmail.com

 

 

 

ENRIQUECIMENTO CURRICULAR PARA ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL I

Resumo

 

Este artigo discute o enriquecimento curricular como estratégia pedagógica
essencial para o atendimento de estudantes com Altas Habilidades/Superdotação
(AH/SD) no Ensino Fundamental I. Fundamentado em diretrizes do Ministério da
Educação (MEC) e em autores da área, o estudo apresenta os conceitos de AH/SD,
as áreas mais frequentes de manifestação de potenciais e propõe práticas
pedagógicas alinhadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A análise
contempla ainda a legislação educacional brasileira, incluindo a Constituição
Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a Lei Brasileira de Inclusão
(LBI) e documentos normativos do MEC. Conclui-se que a implementação de
práticas de enriquecimento curricular no Fundamental I é indispensável para a
promoção da equidade e para o pleno desenvolvimento das potencialidades dos
estudantes superdotados.

Palavras-chave: Altas Habilidades. Superdotação. Ensino Fundamental.
Enriquecimento Curricular. Inclusão.
Introdução
O Ensino Fundamental I, que abrange a faixa etária de 6 a 10 anos, constitui-se em
uma etapa decisiva da Educação Básica. Nesse período, consolidam-se os
processos de alfabetização, a estruturação do pensamento lógico-matemático, a

 

ampliação do repertório cultural e o fortalecimento das habilidades socioemocionais.
É também nessa fase que muitos estudantes com Altas Habilidades/Superdotação
(AH/SD) manifestam precocemente desempenhos diferenciados, seja na leitura, na
matemática, nas artes ou na liderança de grupos. Entretanto, a invisibilidade desses
sujeitos permanece como uma realidade recorrente nas escolas brasileiras,
resultante da ausência de práticas pedagógicas desafiadoras e da insuficiente
preparação docente para reconhecer e estimular tais potenciais (GUENTHER, 2006;
VIRGOLIM, 2007).

A compreensão do fenômeno da superdotação não é estática. Renzulli (2014) e
Pocinho (2009) salientam que ele deve ser compreendido como um constructo
multidimensional, que envolve não apenas capacidades intelectuais acima da média,
mas também criatividade, motivação, liderança e engajamento. Essa visão plural
alinha-se à definição do Ministério da Educação (BRASIL, 2008), que descreve os
estudantes com AH/SD como aqueles que demonstram potencial elevado em
diferentes áreas do conhecimento humano, associado à criatividade e ao
envolvimento com tarefas de interesse. Assim, a identificação não pode restringir-se
a indicadores acadêmicos ou a resultados de testes psicométricos, mas deve
considerar manifestações diversas de talento, em consonância com a complexidade
do fenômeno.

O reconhecimento das AH/SD no Brasil remonta às primeiras iniciativas do século
XX, mas consolidou-se mais fortemente apenas nas últimas décadas, em paralelo
ao movimento internacional de valorização da diversidade e da inclusão educacional
(ALENCAR; FLEITH, 2005). Apesar de marcos importantes, como a criação de
programas de atendimento a superdotados em algumas redes estaduais e
municipais, a produção científica na área ainda é considerada incipiente. Autores
como Bahiense e Rossetti (2014) evidenciam que muitos professores permanecem
com concepções limitadas sobre a superdotação, associando-a exclusivamente ao
alto desempenho acadêmico, o que restringe as possibilidades de reconhecimento e
atendimento.

Outro aspecto relevante refere-se aos mitos e estigmas que historicamente
permeiam as concepções de superdotação. Winner (1998) identificou crenças
equivocadas, como a de que toda criança superdotada apresentaria rendimento
escolar exemplar ou de que superdotação seria sinônimo de genialidade. Alencar e

 

Fleith (2001) acrescentam outros mitos recorrentes, como a ideia de que alunos
superdotados não necessitam de apoio pedagógico diferenciado ou de que
constituem um grupo homogêneo em termos cognitivos e afetivos. Tais concepções
equivocadas dificultam não apenas a identificação, mas também a construção de
práticas de ensino significativas, reforçando processos de exclusão.

Do ponto de vista legal, a legislação brasileira reconhece a superdotação como parte
do público-alvo da Educação Especial. A Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 208, inciso III, assegura atendimento educacional especializado (AEE) aos
superdotados. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
9.394/1996), em seu artigo 58, reafirma essa prerrogativa, enquanto a Lei Brasileira
de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) garante igualdade de oportunidades a todos os
estudantes, independentemente de suas especificidades. Complementarmente, a
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008) e o Decreto nº 10.502/2020 reforçam a necessidade de estratégias
que contemplem o enriquecimento curricular como forma de assegurar o pleno
desenvolvimento das potencialidades desses sujeitos.

No campo pedagógico, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece as
aprendizagens essenciais da Educação Básica, propondo dez competências gerais
que orientam o trabalho das escolas brasileiras. Entre elas, destacam-se aquelas
que dialogam diretamente com o perfil dos estudantes com AH/SD: o pensamento
científico, crítico e criativo (Competência 2); o repertório cultural (Competência 3); a
comunicação em diferentes linguagens (Competência 4); a cultura digital
(Competência 5); o trabalho e projeto de vida (Competência 6); a argumentação
(Competência 7); e o autoconhecimento e autocuidado (Competência 8). Quando
articuladas a práticas de enriquecimento curricular, essas competências constituem
oportunidades de ampliar e diversificar as experiências escolares, garantindo
percursos formativos compatíveis com as capacidades singulares dos alunos
superdotados.

Apesar da existência desse arcabouço legal e curricular, ainda persiste uma lacuna
entre o prescrito e o realizado. Pesquisas como a de Devalle Rech e Negrini (2019)
revelam que muitos professores não se sentem preparados para planejar práticas
inclusivas que atendam alunos com AH/SD, seja pela fragilidade de sua formação
inicial, seja pela escassez de políticas públicas que assegurem acompanhamento

 

sistemático. Esse distanciamento entre legislação e prática pedagógica reforça a
urgência de discutir estratégias de enriquecimento curricular que, além de atender
às determinações legais, sejam viáveis e transformadoras no cotidiano escolar.

Diante desse cenário, o presente artigo tem como objetivo analisar o papel do
enriquecimento curricular no Ensino Fundamental I como estratégia pedagógica
voltada a estudantes com AH/SD. Busca-se discutir conceitos, áreas de
manifestação, fundamentos legais e práticas aplicáveis a cada componente
curricular, além de evidenciar a importância da articulação entre a escola, o
Atendimento Educacional Especializado (AEE) e as universidades na construção de
propostas capazes de favorecer o reconhecimento e a promoção dos talentos no
contexto educacional.
Desenvolvimento
2.1. Conceitos e referenciais teóricos

O MEC (2008) define como superdotadas as crianças que demonstram potencial
elevado em áreas específicas ou combinadas, associado a criatividade e grande
envolvimento com a aprendizagem. Tal definição dialoga com o Modelo dos Três
Anéis de Renzulli (1978; PASSOS; VALLE-RIBEIRO; BARBOSA, 2014), segundo o
qual a superdotação emerge da interação entre três fatores: habilidade acima da
média, criatividade e comprometimento com a tarefa. Nenhum desses elementos,
isoladamente, é suficiente para caracterizar a superdotação, sendo a sua
combinação dinâmica que favorece desempenhos criativos e produtivos.

Pocinho (2009) reforça a necessidade de compreender a superdotação como
pluralidade de formas de excelência, e não como um perfil único ou homogêneo. Já
Martins (2013), ao investigar alunos precoces no Ensino Fundamental I, destacou
que a precocidade pode ser tanto uma manifestação temporária quanto um indício
de superdotação, devendo ser reconhecida e estimulada para que não se converta
em desmotivação ou inadequação escolar.

A compreensão teórica da superdotação, ao destacar sua natureza multifacetada e a
necessidade de avaliações que ultrapassem o rendimento acadêmico (RENZULLI,
2014; POCINHO, 2009; MARTINS, 2013), encontra ressonância direta na análise
dos processos de desenvolvimento infantil. No caso específico do Ensino

 

Fundamental I, essa articulação mostra-se imprescindível, uma vez que a criança
vivencia um período de intensas transformações cognitivas, socioemocionais e
psicomotoras.

Reconhecer que a superdotação não constitui um fenômeno isolado, mas que se
manifesta de modo integrado ao desenvolvimento típico, permite compreender como
determinadas habilidades podem emergir precocemente ou de forma intensificada
em relação à média etária. Desse modo, ao se passar do debate conceitual para a
análise dos marcos do desenvolvimento entre 6 e 10 anos, torna-se possível
identificar de que maneira as Altas Habilidades/Superdotação ressignificam
trajetórias esperadas, exigindo práticas pedagógicas capazes de responder à
complexidade e singularidade desses percursos.

2.2. Marcos do desenvolvimento entre 6 e 10 anos e os reflexos das AH/SD

A faixa etária de 6 a 10 anos corresponde ao período em que a criança se encontra no
Ensino Fundamental I, fase marcada por importantes avanços cognitivos,
socioemocionais e psicomotores. Do ponto de vista do desenvolvimento humano, diversos
referenciais teóricos auxiliam na compreensão dessa etapa. Piaget (1971) descreve o
período como de operações concretas, caracterizado pela aquisição de habilidades
lógicas aplicadas a situações concretas, pela capacidade de conservação e pela
descentração do pensamento. Vygotsky (1998), por sua vez, enfatiza a importância das
interações sociais e da mediação cultural para a internalização de funções psicológicas
superiores, destacando a escola como espaço privilegiado de desenvolvimento. Erikson
(1976) situa o intervalo entre 6 e 12 anos no estágio de indústria versus inferioridade, no
qual a criança constrói seu senso de competência a partir do reconhecimento social de
suas produções e conquistas.

No plano cognitivo, entre os 6 e 10 anos, observa-se a ampliação significativa da atenção,
da memória de trabalho e da capacidade de resolução de problemas. A alfabetização e o
desenvolvimento do raciocínio matemático são eixos centrais, aliados ao crescimento do
vocabulário, da compreensão leitora e da capacidade de argumentar em situações
cotidianas. Crianças com AH/SD podem manifestar, nesse contexto, precocidade em
leitura, escrita ou cálculo, apresentando desempenhos acima da média esperada para a
idade (MARTINS, 2013). Essa precocidade, entretanto, pode levar à subutilização de suas
capacidades se a escola não oferecer oportunidades de enriquecimento.

 

No campo socioemocional, a faixa etária é marcada pela valorização das relações de
amizade, pela necessidade de pertencimento ao grupo e pela construção do autoconceito
acadêmico e social. Alunos com AH/SD, nesse período, frequentemente apresentam
sensibilidade acentuada, perfeccionismo e intensificação emocional (VIRGOLIM, 2007).
Tais características podem ser fonte de realização pessoal, mas também de sofrimento,
sobretudo quando não encontram apoio para compreender e regular suas emoções. Além
disso, a liderança natural que muitas vezes exercem entre os pares pode ser positiva, ao
favorecer a organização e motivação do grupo, mas pode igualmente gerar rejeição ou
isolamento se não for bem orientada pelo professor.

O desenvolvimento psicomotor em crianças com AH/SD pode se apresentar de forma
complexa e até paradoxal. Se por um lado há registros de manifestações superiores na
execução de atividades motoras e expressivas, por outro lado, alguns casos evidenciam
dificuldades significativas quando a superdotação se associa a outros transtornos.
Vilarinho-Rezende (2016), ao relatar uma criança com Altas Habilidades/Superdotação e
Transtorno de Coordenação do Desenvolvimento (TDC), demonstra que a dupla
excepcionalidade desafia tanto o processo diagnóstico quanto a construção de práticas
pedagógicas adequadas.

A manifestação das AH/SD nos diferentes marcos do desenvolvimento não deve ser
interpretada como linear ou homogênea. Há crianças que demonstram avanços
expressivos em áreas cognitivas, mas mantêm desenvolvimento socioemocional
compatível com a idade cronológica; outras podem se destacar nas artes ou na liderança,
mas não apresentar rendimento escolar diferenciado. Essa diversidade reforça a
concepção de superdotação como fenômeno multifacetado (RENZULLI, 2014; POCINHO,
2009).

A escola, nesse cenário, tem papel decisivo ao reconhecer e valorizar as expressões
singulares do desenvolvimento. O alinhamento entre os marcos esperados e as
manifestações de AH/SD permite ao professor compreender que a superdotação não
rompe com o desenvolvimento típico, mas o ressignifica, apresentando formas distintas
de expressão que exigem propostas pedagógicas igualmente diferenciadas. O
enriquecimento curricular, portanto, deve dialogar tanto com os objetivos de
aprendizagem previstos pela BNCC para o Ensino Fundamental I quanto com os
percursos singulares dos estudantes superdotados, garantindo-lhes experiências
formativas desafiadoras, inclusivas e socialmente significativas.

 

Assim, os marcos de desenvolvimento entre 6 e 10 anos evidenciam que a infância
nessa etapa não pode ser compreendida apenas em termos de avanços cognitivos,
socioemocionais e psicomotores, mas também em como esses processos se
expressam de forma singular em crianças com Altas Habilidades/Superdotação. A
precocidade em determinados domínios, a intensidade emocional e a criatividade
diferenciada constituem exemplos de como o desenvolvimento típico pode ser
ressignificado pela presença da superdotação.

 

Nesse sentido, torna-se necessário reconhecer as múltiplas formas de expressão
dos talentos, que não se limitam à dimensão acadêmica, mas abrangem diferentes
áreas em que as habilidades se manifestam. A seguir, apresentam-se as principais
áreas de manifestação das AH/SD no Ensino Fundamental I, as quais permitem
compreender a pluralidade de modos pelos quais o potencial desses estudantes
pode emergir e ser reconhecido no ambiente escolar.

2.3. Áreas de manifestação no Fundamental I

As manifestações das Altas Habilidades/Superdotação no Ensino Fundamental I não
se limitam a uma única dimensão e podem se expressar de maneira multifacetada
(VIRGOLIM, 2007; BAHIENSE; ROSSETTI, 2014). No campo
intelectual/Acadêmico, observa-se que algumas crianças apresentam
aprendizagem acelerada, curiosidade científica precoce e facilidade na leitura,
escrita ou cálculo, destacando-se em tarefas que exigem raciocínio abstrato. Na
criatividade, a superdotação pode ser percebida na elaboração de soluções
originais para problemas cotidianos, na invenção de narrativas imaginativas e na
experimentação artística, que revelam flexibilidade de pensamento.

A dimensão socioafetiva e de liderança também se mostra relevante: muitos
estudantes organizam grupos espontaneamente, mediam conflitos e assumem
papéis de destaque em atividades coletivas, o que pode ser um recurso valioso para
o clima escolar quando bem orientado. No campo das artes, expressam-se em
produções diferenciadas no desenho, na música, na dança e no teatro, que
ultrapassam a reprodução de modelos e revelam autoria. Do ponto de vista
psicomotor, certas crianças evidenciam habilidades refinadas, seja no esporte, na
dança ou em atividades expressivas que exigem coordenação. Por fim, a tecnologia
desponta como área de interesse crescente, com crianças que demonstram

 

afinidade precoce por recursos digitais, programação e jogos eletrônicos, usando
essas ferramentas não apenas para entretenimento, mas como forma de criar e
resolver problemas.

Reconhecer essa pluralidade é fundamental para evitar que o estudante
superdotado seja reduzido ao desempenho acadêmico, uma visão restritiva que
invisibiliza outras formas de excelência. Cada área manifesta potencialidades que,
quando estimuladas, contribuem para a formação integral do sujeito e para sua
inserção crítica e criativa na sociedade.

A diversidade de áreas em que as AH/SD podem se manifestar evidencia que a
escola não pode restringir-se a uma abordagem homogênea ou centrada apenas no
desempenho acadêmico. Essa multiplicidade de talentos exige um currículo que seja
flexível, diversificado e capaz de dialogar com diferentes formas de expressão. É
nesse contexto que a BNCC se apresenta como documento de referência,
oferecendo diretrizes para que o enriquecimento curricular seja construído em
consonância com as aprendizagens essenciais da Educação Básica.

2.4. BNCC e possibilidades de enriquecimento curricular (versão mais densa
e interpretativa)

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) constitui um documento estruturante
para a Educação Básica e oferece bases sólidas para práticas de enriquecimento
curricular no Ensino Fundamental I. Ao propor competências gerais e específicas
para cada área do conhecimento, a BNCC possibilita que o atendimento a
estudantes com Altas Habilidades/Superdotação não seja compreendido como
prática paralela, mas como aprofundamento e diversificação das aprendizagens
previstas para todos.

No componente de Língua Portuguesa, a produção de jornais escolares, saraus
literários, clubes de leitura e podcasts narrativos favorece não apenas a ampliação
da competência textual, mas também a autoria e o protagonismo discente. Em
Matemática, desafios lógicos, olimpíadas escolares e projetos de resolução de
problemas ampliam a complexidade das tarefas e respondem à necessidade de
raciocínio avançado. Em Ciências, projetos de investigação, hortas escolares e
feiras de ciências possibilitam a vivência do método científico em situações
concretas, estimulando a curiosidade investigativa.

 

Os componentes de História e Geografia permitem o aprofundamento da
compreensão da identidade, da diversidade cultural e da territorialidade por meio de
debates, construção de linhas do tempo e elaboração de mapas interativos. Já as
Artes oferecem um espaço privilegiado de expressão da criatividade, em oficinas de
teatro, quadrinhos, música e exposições coletivas. A Educação Física, por sua vez,
pode ser ressignificada com a criação de jogos, olimpíadas internas e oficinas de
dança, favorecendo tanto a corporeidade quanto a cooperação. Finalmente, a
Tecnologia e Cultura Digital amplia horizontes com a iniciação à programação em
blocos (como o Scratch), a robótica com kits simples e a produção audiovisual,
experiências que aproximam os estudantes de práticas inovadoras e atuais.

Essas práticas, quando incorporadas ao cotidiano escolar, ultrapassam a lógica do
currículo mínimo e passam a constituir um conjunto de experiências formativas
diversificadas. Para os estudantes com AH/SD, elas representam oportunidades de
expressão de suas habilidades e de fortalecimento da identidade; para a escola,
significam a possibilidade de concretizar, de maneira inclusiva, os princípios da
equidade e da valorização da diversidade previstos na BNCC e na legislação
educacional brasileira.

A concretização das possibilidades de enriquecimento curricular delineadas pela
BNCC depende, contudo, da mediação pedagógica realizada pelos professores.
Sem formação adequada, torna-se inviável reconhecer as manifestações das AH/SD
e, muito menos, planejar estratégias capazes de estimulá-las. Assim, o debate sobre
o currículo precisa ser acompanhado por uma análise crítica da formação docente,
que continua sendo um dos principais desafios para a efetivação de práticas
inclusivas e para a superação da cultura do fracasso escolar.

2.5. Formação docente e desafios

Segundo Rech e Negrini (2019), muitos professores não se sentem preparados para
identificar e atender alunos com AH/SD, seja pela ausência de conteúdos
específicos na formação inicial, seja pela escassez de programas consistentes de
formação continuada. Essa lacuna não se traduz apenas em dificuldades técnicas,
mas em um processo que contribui para a invisibilidade desses estudantes e para a
manutenção de práticas pedagógicas que não reconhecem a diversidade de
talentos.

 

Além da insuficiência formativa, persistem estereótipos que reforçam a negligência,
como a ideia de que alunos superdotados “se desenvolvem sozinhos” ou de que seu
desempenho acadêmico elevado elimina a necessidade de apoio pedagógico. Essa
concepção reducionista desconsidera a complexidade do fenômeno e contribui para
que a escola se exima de sua responsabilidade no atendimento.

Essa reflexão remete à análise crítica apresentada em Pedagogia do Fracasso, ao
demonstrar que a escola, ao não se preparar para lidar com a diversidade, transfere
ao aluno a responsabilidade pelo insucesso, legitimando o fracasso como individual
em vez de reconhecê-lo como expressão de falhas institucionais e pedagógicas. No
caso dos estudantes com AH/SD, a ausência de reconhecimento e de estratégias
adequadas de enriquecimento curricular pode levar à desmotivação, ao
subaproveitamento de talentos e até ao sofrimento emocional.

Portanto, investir em formação docente não se restringe a oferecer técnicas de
ensino diferenciadas, mas implica revisar concepções, desconstruir estereótipos e
construir uma cultura escolar que valorize a diferença como parte constitutiva da
aprendizagem. Trata-se de um movimento necessário para combater a perpetuação
da cultura do fracasso e assegurar que os potenciais singulares de cada estudante
encontrem espaço legítimo de desenvolvimento.

2.6. Articulação Escola – AEE – Universidade

O enriquecimento curricular não deve ser compreendido como tarefa isolada de um
setor da escola, mas como resultado de um esforço coletivo que envolve diferentes
atores. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) exerce papel fundamental
ao auxiliar na identificação dos potenciais e no aprofundamento das áreas de
interesse dos estudantes. A sala regular, por sua vez, constitui o espaço de
socialização e de acesso ao currículo comum, favorecendo a convivência e a
valorização da diversidade. As universidades podem integrar essa rede por meio de
projetos de extensão, metodologias inovadoras e disponibilização de recursos que
muitas vezes não estão presentes no cotidiano escolar (RECH; NEGRINI; SANTOS,
2023).

Quando esses três espaços se articulam, os resultados tendem a ser mais
significativos. A organização de feiras científicas em parceria com universidades,
nas quais os estudantes do Ensino Fundamental I apresentam suas produções, ou

 

ainda programas de mentoria em que alunos mais velhos apoiam os mais novos em
suas investigações, exemplificam práticas que favorecem o engajamento e a
continuidade do percurso acadêmico. Tais iniciativas ampliam as oportunidades de
aprendizagem e de expressão dos alunos com AH/SD e, ao mesmo tempo,
oferecem aos professores contato com práticas diferenciadas e apoio para repensar
sua ação pedagógica. Dessa forma, o enriquecimento curricular ultrapassa o plano
teórico e se concretiza na rotina escolar, configurando-se como experiência coletiva
e transformadora.
Considerações finais
O enriquecimento curricular no Ensino Fundamental I constitui não apenas um
direito assegurado aos estudantes com Altas Habilidades/Superdotação, mas
também uma condição indispensável para que suas potencialidades encontrem
espaço legítimo de desenvolvimento. Ao longo do presente estudo, buscou-se
demonstrar que a superdotação deve ser compreendida em sua natureza
multidimensional, com manifestações que podem se expressar em diferentes áreas
e que ressignificam os marcos típicos do desenvolvimento entre 6 e 10 anos. Nesse
sentido, reconhecer a pluralidade de talentos significa superar visões reducionistas e
construir práticas que acolham a diversidade.

A análise evidenciou que a BNCC oferece diretrizes para que o enriquecimento
curricular seja planejado de modo articulado ao currículo comum, garantindo
aprofundamento e diversificação de aprendizagens. Entretanto, a efetivação dessas
possibilidades depende de fatores estruturantes, entre os quais se destacam a
formação docente e a articulação entre escola, AEE e universidade. A ausência de
preparo sistemático dos professores, somada à persistência de estereótipos, reforça
a invisibilidade desse público e reitera a chamada “pedagogia do fracasso”, em que
a responsabilidade pelo não aproveitamento recai sobre o estudante em vez de ser
reconhecida como falha institucional e pedagógica.

Outro aspecto recorrente é o distanciamento entre a legislação educacional — que
prevê o atendimento especializado e a valorização da diferença — e a prática
escolar, ainda marcada pela homogeneização curricular e pela falta de políticas
públicas consistentes em âmbito local. Para transformar esse cenário, torna-se
imprescindível investir em programas de formação continuada que problematizem

 

concepções equivocadas, oferecer condições materiais e pedagógicas para a
implementação do enriquecimento e fortalecer parcerias interinstitucionais que
possibilitem inovação metodológica e apoio técnico.

Ao reconhecer e estimular os talentos desde o início da trajetória escolar, a
educação contribui não apenas para o sucesso individual, mas também para a
construção de uma sociedade que valoriza a equidade, a inovação e a inclusão. O
enriquecimento curricular, nesse sentido, deve ser assumido como compromisso
ético e pedagógico das instituições de ensino, constituindo-se em estratégia capaz
de garantir que a diferença seja entendida não como obstáculo, mas como
possibilidade para a aprendizagem e para o desenvolvimento humano em sua
plenitude.
Referências
ALENCAR, E. M. L. S.; FLEITH, D. S. Superdotados: determinantes, educação e
ajustamento. Petrópolis: Vozes, 2001.
BAHIENSE, T.; ROSSETTI, C. C. Altas Habilidades/Superdotação: invisibilidade e
desafios na escola. Revista Educação Especial, v. 27, n. 48, p. 317-332, 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,
1988.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência.

BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC,
2017.

BRASIL. Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020. Institui a Política Nacional
de Educação Especial.

ERIKSON, E. H. Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

 

GUENTHER, Z. C. Educação de superdotados: teoria e prática. Petrópolis: Vozes,
2006.

MARTINS, B. A. Alunos precoces com indicadores de altas
habilidades/superdotação no Ensino Fundamental I: identificação e situações
(des)favorecedoras em sala de aula. Dissertação (Mestrado em Educação) –
UNESP, Marília, 2013.

PASSOS, A.; VALLE-RIBEIRO, A.; BARBOSA, A. O modelo dos três anéis de
Renzulli: implicações para a prática pedagógica. Revista Educação Especial, v. 27,
n. 50, p. 497-511, 2014.

PIAGET, J. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1971.

POCINHO, M. Altas Habilidades/Superdotação: conceito e intervenção. Revista de
Psicologia e Educação, v. 6, n. 2, p. 1-10, 2009.

RECH, A. J. D.; NEGRINI, T. Formação de professores e altas
habilidades/superdotação: um caminho ainda em construção. Revista
Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 14, n. 2, p. 485-498, 2019.

RECH, A. J. D.; NEGRINI, T.; SANTOS, J. C. O papel da universidade no apoio ao
enriquecimento curricular. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 29, n. 1, p.
67-83, 2023.

RENZULLI, J. S. Reexaminando a educação para superdotados: uma concepção
para o século XXI. Revista Educação, Porto Alegre, v. 37, n. 1, p. 9-29, 2014.

 

SIMPLÍCIO, Henrique Augusto Torres; HAASE, Vitor Geraldi. Pedagogia do
Fracasso: o que as ciências cognitivas têm a dizer sobre a aprendizagem?
Belo Horizonte: Ampla Editora, 2020.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
VILARINHO-REZENDE, Daniela; FLEITH, Denise de Souza; ALENCAR,
Eunice Maria Lima Soriano de. Desafios no diagnóstico de dupla

 

excepcionalidade: um estudo de caso. Revista de Psicología (Lima), v. 34,
n. 1, p. 61-84, 2016. DOI:10.18800/psico.201601.003.
VIRGOLIM, A. M. R. Altas Habilidades/Superdotação: encorajando potenciais.
Brasília: MEC/SEESP, 2007.

WINNER, E. Crianças superdotadas: mitos e realidades. Porto Alegre: Artmed, 1998.

 

 

 

 

 

Arquivo – Artigo 1 Doutorado.docx

Revision List

#1 on 2025-out-01 qua  10:29+-10800

Autores

   Send article as PDF   

você pode gostar

Deixe um comentário

Translate »