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Desafios do Ensino Remoto Emergencial na Educação em Saúde

por tetzlaff
Desafios do Ensino Remoto Emergencial na Educação em Saúde

1  INTRODUÇÃO

 Com o intuito de amenizar os prejuízos causados na educação presencial devido à obrigatoriedade do distanciamento social diante do cenário atual de pandemia pelo COVID-19, houve a necessidade de criar mecanismos alternativos para manter a rotina de estudos dos acadêmicos/alunos. A educação formal sofre uma grande transformação ao utilizar meios e tecnologias de informação e comunicação em cursos que estas ferramentas eram incipientes, surge, portanto, o ensino remoto emergencial – ERE como opção viável momentaneamente. Nesta visão pragmática, indaga-se a seguinte questão norteadora: O ensino remoto emergencial será apenas momentâneo, mesmo após a superação dos desafios encontrados no decorrer da adaptação vigente? 

Permeiam-se as seguintes hipóteses: HO – Sim, quando ocorrer o controle estável das taxas de contaminação/óbito e a imunização de rebanho, voltaremos ao padrão da educação formal em preeminência nas aulas presenciais. H1 – Talvez, obtendo resultados satisfatórios como ERE, há possibilidade de ampliar a utilização das ferramentas tecnológicas para o ensino digital híbrido em todos os cursos superiores da área de saúde, adequando-os. H2 – Não, visto que os resultados são satisfatórios durante o período pandêmico, suprindo com qualidade a impossibilidade de encontro presencial, e seguindo a tendência mundial das aulas digitais e universais, dificilmente retornaríamos para o ensino 100% presencial. 

 O aprendizado é essencial para a nossa sobrevivência, por isso a capacidade de nos adaptar para situações adversas é nato do ser humano. Em épocas passadas, deixamos de ser nômades para sermos sedentários, esta “domesticação” nos expôs a vírus presentes nos animais, vírus mutantes que contaminaram os homens, desencadeando contaminação em massa (Ujvari, 2008, p.174). Num cenário de pandemia, temos que sair da zona de conforto, isto é, inventar e reinventar maneiras de suprir os hiatos na construção do saber e prevalecer a sobrevivência.   Entretanto, antes deste cenário, o processo do ensino-aprendizagem era apenas em salas de aula, forma presencial num espaço físico destinado a transmitir lições, sendo amplamente utilizados na educação brasileira, e o uso de novas tecnologias de ensino à distância ficavam em segundo plano. Agora, neste cenário, várias faculdades tiveram que se adaptar, porque não dizer “aceitar” que o ensino remoto é uma realidade necessária, tornando o espaço físico da sala de aula mais amplo e virtual, e o ensino mais complexo. 

 No Brasil, o que era aceito com desconfiança, hoje se tornou a opção mais viável, fez com que acadêmicos, docentes e gestores passassem a vivenciar novas experiências no ensinoaprendizagem remoto em massa; porém, as instituições de ensino não estavam preparadas o suficiente para oferecer uma educação a distância com qualidade, nem proporcionar experiências bem-sucedidas entre seus docentes e acadêmicos; isso porque devido a tomada de decisão de seus gestores não considerou etapas fundamentais (planejamento, capacitação e infraestrutura), ficando longe de seguir o padrão e-learning.  Devido a essas atribulações é que os especialistas no assunto preferem chamar as ações realizadas globalmente em resposta à pandemia de “ensino remoto emergencial”, do que usar o termo “educação a distância”, pelo simples fato do preparo e suporte. 

Vale ressaltar que a pandemia não é de todo negativa, apesar de adentrarmos rapidamente no contexto da educação a distância, tornou-se uma grande oportunidade de aceleração do processo de integração entre a tecnologia e a educação, que já estava em curso incipiente no Ministério da Educação do Governo Federal do Brasil.

Desafios de várias esferas são esperados, as tentativas de utilizar atividades pedagógicas para superar as adversidades serão avaliadas, mas o que nos reserva o futuro da educação? 

No interesse em responder esta questão norteadora, definiu-se como objetivo geral:

demonstrar as estratégias desenvolvidas e as soluções encontradas para permitir a equidade de acesso ao ensino remoto emergencial na educação superior de saúde. E como objetivos específicos: Diferenciar o conceito do ensino a distância, o ensino e-learning do ensino remoto emergencial (ERE); Levantar quais os principais desafios encontrados na execução do ERE na educação superior de saúde durante o período de distanciamento social; Identificar as estratégias administrativas utilizadas pela gestão acadêmica frente ao uso do ERE em tempos de pandemia; Identificar as estratégias pedagógicas utilizadas pelos docentes frente ao uso do ERE em tempos de pandemia; Analisar as possibilidades do ensino a distância na educação presencial pós-pandemia. 

A escolha da metodologia se baseou num estudo de natureza básica, abordagem qualitativa com objetivos descritivos com dados retrospectivos, por procedimento técnico de revisão bibliográfica por levantamento sistemático e análise interpretativa semântica.

 Segundo Sampaio e Mancini (2007, p.84), este tipo de levantamento sistemático para análise dos dados, utiliza métodos; “explícitos e sistematizados, com apreciação crítica e síntese da informação selecionada”, trazendo vantagens para o estudo em questão, como: viabiliza de forma claro um resumo do repositório selecionado, possibilita avaliar a consistência e generalização dos resultados, bem como verifica as suas variações. Trata-se de 05 passos sequenciais para compreender o real significado da pergunta norteadora. Corroborando, Galvão e Pereira (2014, p.1) afirma que este tipo de revisão é considerado como estudo secundários, devendo ser “abrangentes e não tendenciosas na sua preparação” na compilação dados científicos levantados para responder a questão norteadora proposta neste estudo. 

 Utilizou-se o levantamento de artigos científicos nos repositórios Scientific Electronic Library Online (SciELO) e no Google Scholar, publicados durante o período de 2019-2021, no idioma português brasileiro, com disponibilização do texto na íntegra, de forma gratuita ou livre acesso para download. Como mecanismo de busca, optou-se pelos descritores e os termos booleanos: “ensino AND remoto AND saúde” OR “ensino AND emergencial AND saúde” cruzando com o termo vertente sobre “pandemia”. Os critérios de exclusão pairam na duplicação do artigo nas bases de dados pesquisadas, artigos que se enquadravam em carta para a editora, comunicados, resumo em anais, resumos expandidos, ensaio, bem como a abordagem do tema para o ensino fundamental ou básico. 

Após, os artigos pré-selecionados foram analisados por duas leituras de interpretação de texto: a primeira leitura consiste na verificação da abordagem conceitual do resumo, e a segunda leitura verificará a consistência do texto na íntegra, refinado por meio da análise semântica e agrupados conforme a convergência dos dados obtidos nas categorias definidas que emergiram durante a compreensão das informações.  

Este tipo de interpretação por análise semântica consiste na tradição hermenêutica que se origina em técnica de ‘interpretação, explicação e tradução de textos” que aborda a comunicação possível do sentido coletivo e Particular (Pondé, Mendonça & Caroso, 2009, p.1).  

Para a apresentação dos resultados, utilizou-se da construção descritiva dos fenômenos para composição deste estudo, sendo explanamos no processo de desenvolvimento a seguir.  

2  DESENVOLVIMENTO

Utilizando as bases de dados listadas, os descritores mencionados e com a aplicação dos critérios de inclusão foi levantado 826 artigos disponíveis, que depois de aplicar os critérios de exclusão, foram pré-selecionados 128 artigos. Na sequência, procedeu a realização da 2ª leitura para avaliar a real contribuição para este estudo, perfazendo 23 artigos científicos que foram analisados e estratificados por ano de publicação, título do trabalho, autor(es), revista consultada e abordagem do conteúdo sobre o ensino remoto emergencial nos cursos da saúde, sendo mostrados na tabela1. 

Na análise de interpretação semântica dos dados dos artigos selecionados foi possível observar que as vertentes sobre o ERE e a adaptação do professor para compartilhar o conhecimento, foram pontos em comum; entretanto, houve relatos sobre as dificuldades do uso das tecnologias em curto espaço de tempo, bem como a aceitação na visão discente, em divergências. 

Sendo assim, emergiram três categorias discriminadas como: Contextualizando o COVID-19 e as Modalidades de ensino; Desafios do Ensino na Pandemia; Construção de Propostas Educacionais Futura.

2.1  Contextualizando o covid-19 e as modalidades de ensino

Em meados de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente a pandemia por coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (Sars-CoV-2) iniciada em 2019 no mercado da cidade de Wuhan na China, este considerado o epicentro da doença (PAHO, 2020; Malta et al., 2021).

Na tentativa de minimizar a transmissão e seus efeitos devastadores, várias medidas foram incorporadas alterando a rotina diária dos cidadãos. A incipiência sobre a doença fez com que serviços de saúde alterassem suas rotinas como um plano de ação para o enfrentamento que se avizinhava, modificando sua estrutura de trabalho e profissionais para atender a grande demanda (DIAS, 2019). Escolas, comércio, empresas foram fechados, o distanciamento social instaurado, medidas de higiene padrão foram obrigatórios; sendo necessário nos adaptarmos a este novo normal, se reinventar. O cancelamento das aulas presencias levantou outra possibilidade como mediação, o uso de tecnologias digitais (Brasil/MS, 2020; Moretti-Pires et al., 2021).

Não é de hoje que doenças trazem inovações no ensino, já no final do século 19 outra doença que se propagava pelo ar e com elevado número de óbitos, estima-se que 01 a cada 07 cidadãos morreriam por causa da tuberculose, que também associado a anemia e desnutrição devastava um número considerado de crianças. Neste período, as recomendações principais eram ambientes bem arejados e fortalecer o sistema imunológico, mesmo após a chegada da vacina e sua distribuição em massa. Frente a isso, surgiu inicialmente na Alemanha e Bélgica, as escolas ao ar livre como forma alternativa para fortalecer o organismo das crianças junto à natureza e manter o ensino-aprendizado de forma segura (Idoeta, 2020; Ribeiro, 2020).

Atualmente, transferir as aulas tradicionais, ditas presenciais, para espaços abertos pode significar uma limitação para a logística do ensino, visto que há poucas áreas livres, principalmente em algumas cidades brasileiras (Moretti-Pires et al., 2021). 

Fica evidente que pela experiência anterior de uma nova escola, o aparecimento de divergências se faz encontrar meios para continuar um repensar sobre o modus operandi na educação, possibilitando caminhos alternativos e inovadores para se chegar ao principal objetivo – educar. Corroborando, Gatti (2020, p.29) afirma que “implica refletir sobre as possibilidades e limites para isso, tanto no âmbito da educação básica, considerando seus diversos níveis de ensino, como no âmbito da educação superior, com seus diferenciais institucionais e curriculares”, portanto, este processo de reconfiguração sobre o impacto das rotinas de trabalho e ensino mediados pelo período de isolamento social, provocou significativas mudanças e reflexões sobre o que é essencial, trazendo à tona o acesso à internet e novas tecnologias digitais.

 Dado o contexto, o Conselho Nacional da Educação determina diretrizes para a retomada as escolas e reorganização do calendário acadêmico, considerando ser de forma segura para a preservação da vida e promover a reinserção social de crianças, jovens e adultos; neste compromisso, respeita-se a autonomia das escolas e dos sistemas de ensino, possibilitando o uso de tecnologias digitais e de redes colaborativas, conforme o parecer 11/2020 (Brasil/ME, 2020). 

 O que antes vinha a passos largos e com morosidade de aceite das entidades de ensino tradicional, no atual contexto pandêmico surgiu como opção viável o ensino à distância, necessitando de uma rápida adaptação das instituições e alunos para esta maneira alternativa de ensino, mesmo com recursos precários e muitas vezes inadequado, sendo denominada como ensino remoto emergencial (Gusso et al, 2020).

Esta modalidade vem se despontando no que se refere aos processos de ensinoaprendizagem dos indivíduos envolvidos direta e indiretamente nas aulas para a continuidade do saber, focando no resguardo de sua saúde frente a possível contaminação e transmissão do coronavírus ou de outros microrganismos que possam ressurgir. 

É salutar explicitar, mesmo que brevemente, que as modalidades de ensino podem se enquadrar como ensino a distância (EaD), e-learning do ensino remoto emergencial (ERE), além do ensino presencial e do ensino híbrido que mescla essas modalidades. Baseados nos conceitos e significados propostos por Silva et al. (2021), Charczuk (2020), Cavalcanti et al. (2020), Morais Neto et al. (2020), Rosenberg (2008), teceremos alguns informes pontuais sobre suas diferenças. 

O EaD é a modalidade de ensino em que professor e aluno não se encontram no mesmo local geográfico. Surgiu por volta do século XVIII com os primeiros cursos por correspondência, e que foram se adaptando conforme as tecnologias. O e-learning é a modalidade de ensino em que são usadas tecnologias da internet para transmitir conhecimento e melhorar desempenho, conforme a definição sugerida por Marc Rosenberg em 2001. Sendo assim, devem ser distribuídos por meio de dispositivos conectados à rede de internet (e.g. computadores) e ser divido em duas categorias de aulas, a aula síncrona: são cursos que ocorrem ao mesmo tempo em que o professor ensina, como em uma transmissão de videoaula ao vivo ou um chat; e a aula assíncrona: são cursos e treinamentos já gravados e armazenados, que o aluno acessa quando quiser, dispensando-o das obrigações de horário. 

Já o ERE apesar de ser parecido com o EaD, seus propósitos não são iguais. Os objetivos a serem atingidos, os princípios de atuação e mediação do ERE continuam sendo os mesmos de uma educação presencial, usando a internet como principal ferramenta como uma solução temporária para continuar as atividades pedagógicas. 

Após o informe oficial de pandemia pela OMS, período que se caracteriza uma emergência de saúde pública de importância global, órgãos governamentais se debruçaram para normatizar o ensino no país em caráter excepcional, a substituição das atividades de ensino presenciais por aulas realizadas com a utilização de tecnologias de informação e comunicação, sendo deferidas por meio de portarias em consonância com o disposto nas diretrizes Curriculares Nacionais (Maia, 2021; Dias, 2021; Medeiros et al., 2021)

2.2  Desafios do ensino na pandemia

Esta situação pandêmica, fez com que as instituições de ensino (públicas e privadas) adotassem medidas de suporte emergencial para garantir a continuidade do estudo acadêmico, no intuito de amenizar as perdas ocasionadas da alteração da modalidade, antes presencial para o remoto. Para isso, utilizou ferramentas tecnológicas disponíveis, mas nem sempre aproveitadas na dinâmica das aulas presenciais, para desenvolver conteúdos e novas possibilidades de ensinar. Conforme Boell e Arruda (2021, p.9970) afirmam que “neste tempo de isolamento social, os sujeitos são convidados a se reinventarem na relação com o saber, para um processo significativo e mobilizador”. 

Segundo Silva et al (2021, p.2) o ambiente virtual tornou ser o mais adequado, tanto para o ensino quanto para o atendimento nos centros de atenção à saúde, apresentando-se como “uma forte ferramenta para o desenvolvimento do domínio cognitivo”.  Entretanto, como não houve tempo hábil para que os profissionais de saúde, educação e discentes fossem treinados para utilizar adequadamente os cenários de aprendizagem, possibilitou a brecha de um aprendizado fragilizado. 

Corroborando, Cavalcanti et al (2020) abordam que as medidas implementadas nesta crise reativaram um debate que há muito tempo estava adormecido nas instituições de ensino brasileiras, o uso efetivo do ensino a distância, bem como a expansão desta modalidade. Necessitou de uma situação antagônica para trazer a luz, mesmo que incipiente, a real importância do ambiente virtual para o ensino-aprendizagem; além, de outras disparidades, tais como a infraestrutura.

É relevante contextualizar que a suspensão das atividades presenciais foi assertiva para conter a propagação do coronavírus; porém, divergências surgem à medida que o tempo se alastra e a zona de conforto se torna breve. 

Bittencourt (2021) ressalta que a essa nova configuração pedagógica traz inquietações, angústias e ideologias “escamoteadas” para todos os atores envolvidos, isto é, entre os professores – acadêmicos – familiares e a própria instituição de ensino.  Nesta abordagem, entende-se que as insatisfações e críticas são constantes, a resistência ao novo normal vai até as últimas consequências pela alegação de terem a liberdade tolhida no seu imaginário social, e a legítima obtenção do diploma universitário de qualquer forma. A busca de alternativas para manter a clientela mobilizada e satisfeita, exigiu que as instituições oferecessem capacitações no âmbito acadêmico para contornar as limitações operacionais dos atores com o uso do ambiente virtual, na expectativa de proporcionar experiências educacionais satisfatórias. 

Essa transição de modalidades de ensino se caracteriza extremamente delicado, onde os atores vivenciam um processo de “ressignificação de suas práticas” (Medeiros et al, 2021, p.7), concomitante as outras atividades diárias individuais, passando a trabalhar integralmente em casa de forma improvisada e com jornada exaustiva (Souza, 2021). Este distanciamento físico, a transferência e adaptação do trabalho em casa, bem como a intromissão das tecnologias nas residências, têm causado uma sensação de perda da vida privada e familiar dos professores (Santos, Silva & Belmont, 2021, p.S249), necessitando readaptação para não desencadear a vulgo tecnofobia, transtorno depressivo leve, transtorno afetivo bipolar, ansiedade generalizada, transtorno de adaptação ou a Síndrome de Burnout.

Mesmo assim, o home-office e a aula remota, tornaram-se realidades viáveis para o estabelecimento de novas relações de comunicação, mesmo sendo temporário e com consequências inimagináveis (Cavalcanti et al, 2020; Souza, 2021; Boell & Arruda, 2021).  Todavia, Jeane Souza et al (2021) enfatizam que o ensino remoto se revelou como ferramentas fecundas entre os atores, proporcionando várias aplicabilidades também para outros públicos frente as modificações desta nova realidade do processo laboral. 

No estudo realizado por Maia (2021) apontou que dos 36 docentes pesquisados sobre as metodologias digitais consideraram como vantagens a economia de tempo, acompanhamento do ensino e a comodidade, e como desvantagens a diminuição de interação docente/aluno, o aumento do volume de trabalho, ineficiência para as aulas práticas. 

Na visão dos discentes, noutro estudo realizado por Dias et al. (2021) com 50 alunos, obteve como resultados significativos que para o curso de enfermagem não é adequado para ser oferecido na modalidade não presencial, principalmente pelas aulas práticas ou laboratoriais, indo ao encontro da visão docente dita por Maia (2021), além das dificuldades tecnológicas existentes. 

Outros pontos relevantes foram citados no estudo realizado por Gusso et al. (2020, p.5) como exemplos de possíveis consequências do ERE estão: baixo desempenho acadêmico dos estudantes; aumento do fracasso escolar; aumento da probabilidade de evasão do Ensino Superior; e o desgaste dos professores, que estiveram sobrecarregados pelas múltiplas atividades e pelos desafios de lidar com a tecnologia a fim de promover o ensino. Nesta análise contextual, os autores propõem como uma alternativa para sustentar a manutenção da qualidade do ensino, a possibilidade de “adaptar a oferta das atividades presenciais para algo mais próximo do que é realizado na modalidade EaD”, considerando as possíveis limitações que este processo de adaptação implicaria.

Em contraponto, Dias et al. (2019) afirmam que mesmo com esse cenário hostil da pandemia, foi possível revelar talentos que até então estão invisíveis num ambiente corriqueiro, comparando-os como “antídoto para questões que pareciam enraizadas no comportamento da equipe”, sendo que “alguns ficaram paralisados pela angústia, mas, para outros, a angústia foi um estímulo à potência”. 

Corroborando, Santos, Silva & Belmonte (2021) ressalva que o professor desempenha vários papeis além dos pedagógicos, pois aprendem sozinhos sobre as tecnologias da informação e comunicação para engajar seus alunos na “contenção afetiva e na prática da resiliência”, atuando como motivador, guia acadêmico e muitas vezes como conselheiro espiritual. Entretanto, devido a sobrecarga das multitarefas, acaba sendo uma das atividades laborais mais estressantes e pouco reconhecidas pela sociedade. 

Neste contexto, fica evidenciado que deve haver uma maior preocupação e reflexão sobre os desafios e dificuldades das experiências dos docentes, bem como repensar sobre a centralidade na autonomia do papel do estudante no processo ensino aprendizagem com o ensino remoto emergencial, uma vez que este requer equilíbrio físico, mental e econômico.

2.3  Construção de propostas educacionais futuras

 Dentro do contexto educacional emergencial, as tecnologias digitais têm sido importantes aliadas no acesso à educação em saúde, sendo utilizadas como ferramenta para disseminação de informações (Morais Neto et al., 2020).

Segundo Bittencourt (2021) em suas reflexões emerge que a adaptação ao ensino remoto emergencial deixa em segundo plano a intensidade da educação presencial, bem como toda sua

“mobilização psicofísica” tão solicitada aos estudantes e docentes.  

Mesmo neste cenário onde as tomadas de decisões são feitas mediante as informações parciais que se tem por domínio, não é aceito agir sem ao menos refletir os prós e contras de cada ação tomada. Por ser um processo ativo de adaptação e reinvenção, as propostas de ensino devem contemplar também a qualidade de vida do indivíduo em sua integridade, adequando seus estilos de vida e hábitos alimentares. 

Em suas indagações, Reis Barros (2019) refletiu sobre questões relativas ao trabalho remoto ou trabalho em casa ou home-office que surgem como fatores do adoecimento no trabalho, principalmente aos docentes que tiveram que se adaptar em curto espaço de tempo. 

Esse tipo de configuração exige adaptações significativas como mudar uma rotina, conciliar atividades de trabalho domésticas com a sua atividade de trabalho principal, possuir todas as condições e equipamentos tecnológicos para realizar o trabalho, administrar o tempo de trabalho para evitar sobrecarga, adaptar o ambiente do lar para o trabalho e dividir o espaço com familiares e com outros(as) trabalhadores(as) que, eventualmente, também estão realizando trabalho remoto (p.67).

Malta et al. (2020) em seu estudo transversal sobre mudanças de estilos de vida com 45.161 indivíduos, perceberam que houve um aumento do consumo de bebidas alcoólicas e uso de cigarros, e em contraponto, a diminuição das atividades físicas e consumo de alimentos saudáveis, principalmente as hortaliças. Os achados apontam para o aumento de comportamentos de risco à saúde, atrelado ao uso de equipamentos tecnológicos, e que por isso, deve ser objeto de atenção aos profissionais de saúde e educação, na elaboração de novas propostas. 

Neste escopo, Gatti (2020) contribui ao enfatizar que é necessário reconhecer que o cenário pandêmico atrelado as adaptações tecnológicas em curto espaço de tempo, são geradores de estresse negativo.

[…] provoca efeitos emocionais para todos, em níveis variados, considerando ainda que há ambiguidades na compreensão da situação de isolamento e da própria doença que é foco da pandemia; há o receio do contágio, mais ou menos consciente; a angústia do isolamento em relação a colegas e amigos; ansiedades relativas a compreensão de conteúdos escolares e desempenho; sensação de pressão, de cobrança, e aparecimento de estafa pelo esforço de atenção necessário e tempo diante de vídeo, gerando até sentimento de rejeição aos estudos pelo limite dos contatos possíveis (p. 33)

O futuro do ensino no Brasil deve propor linhas e mecanismos que contemplem a saúde integral do indivíduo, deve propor políticas públicas que possam beneficiar a integração saudável de um novo modo de viver e conviver, seja na formalidade ou na informalidade da interrelação do ensino, saúde e trabalho. 

Gatti (2021) aponta para vetores saudáveis no intuito da preservação da saúde de todos os atores envolvidos direto e indiretamente neste processo, tais como: uma ambiência de acolhimento e serenidade, preparo psicológico dos vários grupos envolvidos com a escolarização, ajustes físicos, infraestruturais, curriculares, e o mais importante é capacidade humana de utilizar o bom senso e saber buscar equilíbrio nas decisões, ações e relações. E como vetor-chave, a flexibilidade, talvez (re)pensar num ensino híbrido onde o aluno é o protagonista ativo.

Fortalecendo essa ideia de protagonismo, Penha et al. (2019) abordam sobre as metodologias ativas de ensino-aprendizagem, que fomentam a criticidade nas pessoas, maximizando a sua curiosidade a partir de situações reais ou por exercícios de aproximação da realidade, além de estimulara autonomia para potencializar o aprendizado plural e diverso. Como exemplos, citam os modelos de tutoria e supervisão acadêmica para fortalecer algumas ações estratégicas, como a ênfase na educação permanente e a integração ensino-serviço. Silva et al. (2021) complementa como o uso da telemedicina, porque amplia o alcance para o ensino e facilita a aquisição de conhecimento e a tomada de decisões. Ressalva-se, portanto, que as definições de rumos e prioridades nortearão o estabelecimento futuro do ensino e da manutenção da saúde integral com qualidade.

3  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Em decorrência do avanço da pandemia mundial pelo COVID-19, escolas do mundo inteiro tiveram que se readaptar as novas (antigas) modalidades de ensino para promover o intercambiamento do aprendizado. É fato que estas adaptações geraram incertezas e perdas educacionais, como é fato serem geradoras de oportunidades de mudanças. 

Podemos considerar o momento atual como antes e depois da pandemia, restando à comunidade acadêmica, docente e discente, refletir, extrair e aplicar as experiências positivas que ocorreram durante o período de crise. O ensino a distância começa a ser vistos com outros olhos, sendo menos discriminado e sendo mais reconhecido por suas potencialidades catalizadoras do processo de personalização do ensino, respeitando as diversidades e as diferenças. 

As instituições de ensino perderão seu monopólio de ensinar. Não obstante devemos valorizar o papel do professor, que mesmo nestas situações adversas e com o uso de inovações tecnológicas para o aprendizado, ainda será o mediador do conhecimento. 

No futuro, talvez bem próximo, a educação remota poderá se consolidar e imbricar com as salas de aula ao ar livre, tornando-se um meio complementar os métodos de ensino vigentes e parte do currículo institucional, convergindo na qualidade de vida como um todo. 

 

Referências

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