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A Gestão da Sala de Aula e o Projeto Político Pedagógico: uma consonância importante

por celiagodoy
Gestão da Sala de Aula

RESUMO – Este artigo tem como objetivo compreender as competências que os professores necessitam para planejar as práticas pedagógicas e a gestão da sua sala de aula que, quando se trata de planejamento, são consideradas condições sine qua non para o ensino. Ele também aborda a importância de planejar as práticas em sala de aula em consonância com o acordado e estabelecido no Projeto Político Pedagógico (PPP). O texto destaca as dimensões técnica, política, estética e ética, a fim de explicitar as qualidades que são necessárias à atuação do professor e discute a importância das estratégias didático-metodológicas, assim como as etapas do planejamento sistematizado, fundamentais para os processos de ensino e aprendizagem. O PPP contém tanto a intencionalidade da escola quanto a construção da sua identidade e apresenta as ações que podem levar a alcançar os objetivos planejados. É conclusão da pesquisadora que as práticas pedagógicas devem estar em harmonia com o

Projeto Político Pedagógico.

Palavras-chave: Gestão de Sala de Aula; Projeto Político Pedagógico; Prática pedagógica; Competência docente.

Classroom Management and the Pedagogical Political Project: an important consonance

ABSTRACT – This article aims to understand the skills teachers need to plan pedagogical practices and classroom management, which are considered the sine qua non conditions for teaching when it comes to planning. It also addresses the importance of planning classroom practices as agreed upon and established in the Pedagogical Political Project (PPP). The text highlights the technical, political, aesthetic, and ethical dimensions, to explain the qualities that are necessary for the teacher’s performance. It discusses the importance of didactic-methodological strategies and the stages of systematized planning, fundamental for the teaching and learning processes. The PPP contains both the school’s intentionality and the construction of its identity and presents which actions can lead to the achievement of its planned objectives. The researcher concludes that pedagogical practices must be in harmony with the Pedagogical Political Project.

Keywords: Classroom management; Pedagogical Political Project; Pedagogical practice; Teaching competence.

INTRODUÇÃO

Neste artigo nos propomos a discutir a gestão da sala de aula realizada por meio de um Projeto Político Pedagógico (PPP).

Iniciaremos estabelecendo os caminhos para compreendermos as competências e as práticas da ação docente em sala de aula.

Em seguida, abordaremos o ato de planejar, sua justificativa e a importância de o planejamento das aulas estar de acordo com os pressupostos estabelecidos e acordados no PPP.

Prosseguimos, então, para o campo da gestão da sala de aula e finalizamos o artigo com considerações finais sobre a importante e necessária consonância entre o PPP e o seu papel na potencialização da gestão de sala de aula que favorece a aprendizagem.

CAPÍTULO I

COMPETÊNCIAS E A PRÁTICA DOCENTE

1.1 – As competências dos professores na prática

Tem havido muitos debates sobre o desenvolvimento de competências por parte dos estudantes. Todavia, não podemos deixar de enfatizar que tais competências estão estritamente relacionadas com as do seu professor, o que nos direciona, portanto, para a competência profissional. Temos consciência de que há diversos saberes necessários para um professor; no entanto, eles não suficientes e muitos outros ainda precisam ser contemplados.

Para Ropé e Tanguy (1997, p. 16 apud Rios 2006, p. 76), a noção de competência, “[…] se apresenta como uma dessas noções cruzadas, cuja opacidade semântica favorece seu uso inflacionado em lugares diferentes por agentes com interesses diversos […]”.

De acordo com Ferreira (1999, p. 502), competência pode ser definida como a “Qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade”. Tal definição permite uma gama de reflexões e, neste artigo, direcionaremos as nossas discussões para a relação entre competência e ação pedagógica, partindo das seguintes perguntas: Como podemos pensar em capacidade de resolver certo assunto no contexto educacional? Quais questões fazem parte desse complexo sistema?

As reflexões de Perrenoud (2001), que discorre sobre vários temas educacionais, tais como a formação docente, avaliação e a pedagogia diferenciada, tem conquistado um amplo espaço no cenário educacional brasileiro nos últimos anos (Marangon & Lima, 2002). Em razão disso, é válido que nos apropriemos de suas ideias, adaptando-as à nossa realidade, ou seja, relacionando os seus questionamentos com as vivências educacionais de nosso país.

Um dos assuntos tratados por esse autor – e que merece maior destaque – é a discussão sobre competências. Perrenoud (2001, p. 15) traz inúmeras reflexões sobre quais delas são necessárias para o professor atual e define: “[…] a noção de competência designará, aqui, uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação […]”. A partir desse ponto, elencamos quatro aspectos a serem enfatizados:

  • As competências não são, elas mesmas, saberes, savoir-faire ou atitudes, mas mobilizam, integram e orquestram tais recursos;
  • Essa mobilização só é pertinente em determinada situação, sendo cada situação singular, mesmo que se possa tratá-la em analogia com outras já encontradas;
  • O exercício da competência passa por operações mentais complexas, subentendidas por esquemas de pensamento, que permitem determinar (mais ou menos consciente

e rapidamente) e realizar (de modo mais ou menos eficaz) uma ação relativamente adaptada à situação;

  • As competências profissionais constroem-se, em formação, mas também ao sabor da navegação diária de um professor, de uma situação de trabalho à outra.

(Perrenoud, 2001, p. 15).

Organizar conhecimentos, processar informações e tomar decisões são desafios que o professor enfrenta diariamente e, como Perrenoud (2001) aponta, cada situação vivida é singular, com características e exigências próprias daquele determinado contexto.

É preciso, ainda, destacarmos a ênfase que Perrenoud (2001) dá à construção das competências na formação docente e também à importância da prática na construção e na efetivação dessas competências. Daí pensarmos a relação teoria e prática como situações complexas, necessárias e interligadas.

Quando tratamos de competências, é importante ressaltarmos que elas são necessárias em diferentes situações que pedem a atuação do professor para atender às exigências de sua profissão, não envolvendo, portanto, apenas aquelas relacionadas com dificuldades na ação pedagógica, como no caso de dificuldades na aprendizagem por parte do aluno, por exemplo.

Segundo Perrenoud (2001, p.16), descrever uma competência equivale, na maioria das vezes, evocar três elementos complementares:

  • Os tipos de situações sobre as quais há um determinado domínio;
  • Os recursos que ela mobiliza, os conhecimentos teóricos ou metodológicos, as atitudes, o savoir-faire e as competências mais específicas, isto é, os esquemas motores, os esquemas de percepção, de avaliação, de antecipação e de decisão;
  • A natureza dos esquemas de pensamento que permitem a solicitação, a mobilização e a orquestração dos recursos pertinentes, em situação complexa e em tempo real.

Perrenoud (2001) propõe-se a discutir as competências profissionais, privilegiando aquelas que emergem na atualidade e buscando enfatizar o que está mudando. Nesse sentido, as competências abordadas por ele constituem-se mais de um horizonte do que de um conhecimento consolidado. Ele propõe, como guia de suas proposições, o referencial de competências para a formação contínua, adotado em Genebra, em 1996, de cuja elaboração ele próprio participou ativamente. Sua intenção é, assim, abordar o ofício de professor de modo mais concreto, propondo um inventário das competências que contribuem para rede da atividade docente.

Esse mesmo autor alerta, ainda, para o fato de que todo referencial tende a se desatualizar em razão das mudanças das práticas, porque a maneira de concebê-las se transforma. Há 30 anos, por exemplo, não se falava tão acertadamente sobre o tratamento das diferenças, a avaliação formativa e as situações didáticas.

Para Perrenoud (2001), o referencial escolhido acentua as competências consideradas prioritárias, visto que são coerentes com o novo papel dos educadores, com a evolução da formação continuada, com as reformas na formação inicial e, ainda, com as ambições das políticas educacionais. Além disso, configura-se compatível com os eixos de renovação da escola, a saber: (i) individualizar e diversificar os percursos de formação, (ii) introduzir ciclos de aprendizagem, (iii) diferenciar a pedagogia, (iv) nortear-se para uma avaliação de caráter mais formativo do que normativo, (v) conduzir projetos de estabelecimento, (vi) desenvolver o trabalho em equipe docente, (vii) assumir responsabilidades coletivas pelos educandos, e (viii) colocar os alunos no centro da ação pedagógica, isto é, “recorrer aos métodos mais ativos, aos procedimentos de projeto, ao trabalho com problemas abertos e situações-problema, desenvolver as competências e a transferência de conhecimentos, educar para a cidadania” (Perrenoud, 2001, p.14).

Ao refletir sobre competência e qualidade na docência, Rios (2006, p. 91) apresenta algumas discussões pertinentes à temática aqui tratada:

  • Competência e qualidade são noções que se relacionam, na medida em que a ação competente se reveste de determinadas propriedades, chamadas de qualidades boas;
  • O que se busca é uma prática docente competente, de uma qualidade que se quer cada vez melhor, uma vez que é um processo contínuo;
  • Como os critérios para estabelecimento do que se qualifica como bom têm um caráter cultural e histórico, é importante deixar claros quais os seus critérios e fundamentos;
  • Para indagar sobre a consistência dos critérios, faz-se necessária uma constante atitude crítica, o que contribui para iluminar a prática docente competente e apontar as suas dimensões.

Articulando os conceitos de competência e de qualidade com o espaço da profissão docente, Rios (2006, p. 93) aponta:

[…] chegamos a uma definição de competência que a apresenta como uma totalidade que abriga em seu interior uma pluralidade de propriedades, um conjunto de qualidades de caráter positivo, fundadas no bem comum, na realização dos direitos do coletivo de uma sociedade (Rios, 2006, p. 93).

“E como isso se manifesta na docência?”, pergunta Rios (2006, p. 93).

Segundo Rios (2006), é possível encontrarmos uma dimensão técnica, uma dimensão política, uma dimensão estética e uma dimensão moral em toda ação docente. Entretanto, afirmar isso não significa dizer que tal dimensão tem uma boa ou má qualidade. É necessário, então, indagar: de que caráter deve se revestir cada uma das dimensões da ação docente para que a qualifiquemos de competente, isto é, de boa qualidade?

Para Rios (2006), o fato de a competência ser considerada uma totalidade não significa a cristalização ou o enrijecimento de um modelo, mas aponta para a impossibilidade de uma competência ser parcial, representada apenas por alguma das suas dimensões. O conjunto de propriedades – de caráter técnico, ético, político e estético – é que define uma competência.

Ao discutir competência, Rios (2006) afirma que devemos situá-la nas sociedades reais em que nós, professores e docentes, vivemos. Observamos que a competência é sempre situada, visto que “o ofício do professor se dá dentro de um sistema de educação formal, numa determinada instituição escolar e num coletivo de profissionais que fazem a escola, numa sociedade específica” (Rios, 2006, p. 107-108).

Sendo assim, a docência de melhor qualidade, que é a nossa busca constante, afirma-se na explicitação dessa qualidade – o que, por que, para que, para quem – e essa explicitação se dá em cada dimensão da docência. De acordo com as discussões de Rios (2006), compete, a nós, explicitarmos tais dimensões, com base nos seguintes conceitos:

  • Dimensão Técnica: é a capacidade que o educador tem de lidar com os conteúdos (conceitos, comportamentos e atitudes) e a habilidade de construí-los e reconstruí-los com os educandos. É necessário que “[…] a técnica seja fertilizada pela determinação autônoma e consciente dos objetivos e finalidades, pelo compromisso com as necessidades concretas do coletivo e pela presença da sensibilidade, da criatividade” (Rios, 2006, p. 96).
  • Dimensão Estética: refere-se à presença da sensibilidade e da sua orientação sob uma perspectiva criadora. Na verdade, a estética é uma dimensão da existência, do agir humano, pois criar é algo interligado com o viver.
  • Dimensão Política: diz respeito à participação na construção coletiva da sociedade e ao exercício de direitos e deveres.
  • Dimensão Ética: fundada no princípio do respeito e da solidariedade, é a orientação da ação com vista à realização de um bem coletivo.

Rios (2006, p. 108-109) afirma que a dimensão ética é chamada de dimensão fundante da competência, uma vez que a técnica, a estética e a política ganham significado pleno quando, além de se apoiarem em fundamentos que são próprios de sua natureza, se nortearem por princípios éticos. Assim, vale reafirmar que, para um professor ser competente, não basta que ele domine bem os conceitos de sua área; para a inserção criativa dos sujeitos na sociedade, é preciso pensar criticamente no valor efetivo desses conceitos. Não basta ser criativo; é preciso exercer a sua criatividade na construção do bem-estar coletivo. Não basta se comprometer politicamente; é preciso verificar o alcance desse compromisso e verificar se ele efetivamente dirige a ação no sentido de uma vida digna e solidária.

Enfatizamos, também, a necessidade de haver estratégias didático-metodológicas que sejam coerentes e significativas, atendendo, acima de tudo, aos objetivos de ensino propostos pelo educador. Nesse contexto, torna-se fundamental refletir sobre o que é apresentado por Geraldi (1999) em relação a situações de ensino e aprendizagem.

Em geral, quando se fala de ensino, são esquecidas duas questões prévias – Para que ensinamos o que ensinamos? Para que os alunos aprendem o que aprendem? – que cedem lugar para as discussões de como ensinar, quando ensinar e o que ensinar, entre outras. Na verdade, no entanto, a resposta à “Para quê?” é o que efetivamente mostrará as diretrizes básicas para como, quando e o que ensinar.

Quando tratamos dos processos de ensino e aprendizagem, compete-nos, como educadores, questionar a razão pela qual estamos optando por um determinado conhecimento ou caminho a ser seguido e o que queremos realmente conquistar a partir da nossa ação educativa. Assim é que se torna possível trilhar os caminhos de uma docência de melhor qualidade, com estratégias didático-metodológicas que são fundamentais nos processos de ensino e de aprendizagem e que precisam estar articuladas com todas as etapas do planejamento e da ação pedagógica.

Ao discutir competências, Perrenoud (2001), concebe e faz evoluir os dispositivos de diferenciação, ressaltando que, para que cada educando progrida rumo aos domínios visados, é necessário que ele seja frequentemente colocado em uma situação de aprendizagem que seja ótima para ele. Tal competência não se traduz por um dispositivo único ou métodos e instrumentos específicos. Na verdade, consiste na utilização de todos os recursos disponíveis e em apostar em todos os parâmetros possíveis, para que as atividades e interações sejam organizadas de forma que cada educando vivencie, tão frequentemente quanto possível, situações fecundas de aprendizagem.

Ao enfatizar a importância de o professor considerar a heterogeneidade dos alunos, Perrenoud (2001) destaca que, em uma pedagogia diferenciada, é necessário criar múltiplos dispositivos, evitando que todas as ações sejam baseadas somente na intervenção do professor.

[…] O trabalho por plano semanal, a atribuição de tarefas autocorretivas e o emprego de softwares interativos são recursos preciosos. Organizar o espaço em oficinas ou em “cantos” – entre os quais os alunos circulam – é uma outra maneira de enfrentar as diferenças. Nenhuma delas é, sozinha, uma solução mágica. A diferenciação exige métodos complementares e, portanto, uma forma de inventividade didática e organizacional, baseada em um pensamento arquitetônico e sistêmico (Perrenoud,

2001, p. 58-9).

Por fim, enfatizamos que a prática pedagógica deverá ser permeada por professores que desenvolvam um trabalho com conhecimento, compromisso, profissionalismo, afetividade e sensibilidade.

CAPÍTULO II

O ATO DE PLANEJAR E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

2.1 – Planejar, para quê?

Em uma escola, a ação de planejar ocorre de maneira sistematizada e é o Projeto Político Pedagógico (PPP) que representa esse planejamento, trazendo, em si, a intencionalidade da escola. Assinalamos, portanto, a importância de nos aprofundarmos na temática da gestão escolar e dos caminhos que, a partir do PPP, ela traça no seu dia a dia de compromisso como formadora acadêmica e social.

De acordo com Libâneo (2001), quando a escola e todos os envolvidos no processo educacional decidem promover a construção do PPP, são eles que decidem o que se pretende fazer ou não fazer na escola, ao abordar as necessidades articuladas à realidade da comunidade, às ações pedagógicas, aos projetos e intervenções, construindo, assim, um documento norteador, um plano que a escola trilhará e que permitirá lidar com possíveis contratempos (Veiga, 2004).

Ao caracterizar a gestão escolar, Libâneo (2003) foca nos principais referenciais dessa organização, na qual planejar é essencial, pois é isso que direciona o trabalho da escola, a partir do modelo de formação desejado, e norteia todas as ações da escola, tais como o recebimento e a distribuição de recursos para a realização de atividades, os serviços de limpeza do ambiente escolar e a distribuição e o uso do material didático e pedagógico.

Além disso, Libâneo (2003) enfatiza que a coordenação e a avaliação dos profissionais da escola também se caracterizam como atribuições que requerem mais habilidades, pois envolve diversos sujeitos. No modelo de gestão democrática, esses sujeitos são autores de decisões e, nessa perspectiva, as ações precisam envolver a participação da direção, dos setores administrativo e pedagógico, dos professores, dos alunos, da família e da comunidade. É justamente por esse caráter amplo que é preciso reconhecer os desafios de construir uma escola cujo movimento diário e permanente é o lidar com o outro.

Consideramos que o Projeto Político Pedagógico de uma escola constitui um elemento norteador para lidar com a problemática e que, outro aspecto a ser considerado, é a cultura organizacional, que pode ser definida como “o conjunto de fatores sociais, culturais e psicológicos que influenciam os modos de agir da organização como um todo e o comportamento das pessoas em particular” (Libâneo, 2003, p. 320).

Cada escola se diferencia, uma da outra, justamente pelas particularidades existentes na formação da sua cultura e cabe à gestão ter o compromisso de abarcar essas representações. A cultura organizacional é o ponto de partida e de chegada para a tomada de decisões na escola e, sendo assim, influencia e é influenciada pelo Projeto Político Pedagógico. Dessa forma, os aspectos implícitos da escola, que emergem dos indivíduos participantes, são considerados significativamente relevantes.

2.2 – O Projeto Político Pedagógico

A construção do Projeto Político Pedagógico possibilita à escola a construção de uma identidade. A partir da autonomia da gestão democrática, são planejadas ações que acarretarão tomadas de decisão a respeito dos objetivos que se deseja alcançar.

Na perspectiva abordada por Veiga (2004), o PPP precisa ter compromisso com a formação do cidadão para o tipo de sociedade que se deseja formar. Isso ocorre por meio das práticas educativas e dos métodos que, constituidoras de seu currículo, possibilitam a sua efetivação. Portanto, esse documento permite à escola traçar o rumo a seguir, priorizando as atividades. Essa perspectiva se distancia da visão de um PPP ser elaborado apenas para cumprir das exigências burocráticas dos órgãos normatizadores da escola. A organização da escola é uma ação coletiva e necessita da participação de toda a comunidade escolar interna e externa.

Santiago (2009) aponta que o maior desafio da gestão e, consequentemente, do PPP, é a aproximação do discurso à prática. É o PPP que possibilita o diálogo da prática pedagógica que se realiza na escola e o que se pensa sobre educação, ensino, conteúdos de ensino e

estudantes com a ideia que se tem da tarefa social da escola e o trabalho nela realizado, assim como com as intenções de trabalho na escola e os resultados escolares nela produzidos

(Santiago, 2009, p. 99).

Na gestão democrática, então, o Projeto Político Pedagógico deve ser elaborado coma participação de todos os envolvidos com a escola – o núcleo gestor, os professores, os alunos e a comunidade educativa – para que possam ser traçados objetivos articulados às necessidades e à realidade cultural que se apresenta na escola.

CAPÍTULO III

O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E A GESTÃO ESCOLAR

3.1 – O Projeto Político Pedagógico e a Gestão de Sala de Aula

A gestão da sala de aula surge da necessidade de organizar o trabalho docente, compreendendo quais as dimensões básicas envolvidas na atividade do professor em sala de aula. Ela surge, também, da necessidade de o professor desenvolver múltiplas competências em seu trabalho cotidiano, que engloba a gestão da interação pessoal, a gestão da aprendizagem e a gestão da conduta em sala de aula.

A interação pessoal está relacionada com a cultura do aluno, o vínculo afetivo, o olhar inclusivo e a postura apreciativa. Quando o professor tem uma postura apreciativa, que faz com que o professor enxergue o lado positivo do estudante e potencialize a energia de realização do aluno, isso facilita o olhar inclusivo, porta para a construção de vínculos.

Na gestão da aprendizagem, as habilidades, as competências, a mediação, o sentido e o significado, juntamente com a avaliação, é que vão determinar como se dará o processo de aprendizagem. O professor precisa negociar os sentidos na construção dos significados, isto é, partir do particular, do que o aluno reconhece, para alcançar o conhecimento geral, o significado. Assim, irá ao encontro da perspectiva socio-histórica, que afirma que os sentidos são particulares, enquanto os significados são mais abrangentes.

Alcançar as zonas de sentidos dos alunos favorece o processo de aprendizagem, do qual a mediação também faz parte. A mediação relacional encoraja, incentiva e desafia o aluno; a didática expõe, contextualiza, define e exemplifica o conhecimento; e a mediação cognitiva traduz, relaciona e aplica, construindo uma ponte entre o aluno e o conhecimento.

Na gestão da sala de aula é importante que os sistemas de ensino estejam fundados nos quatro pilares de Delors (1996): aprender a conhecer, a fazer, a ser e a conviver. Saber é conhecer e saber fazer para aplicar os conhecimentos relacionados às habilidades práticas, cognitivas e socioemocionais; já o querer fazer está relacionado com a atitude ante o aprendizado. É muito importante que esses pilares sejam norteadores dos princípios acordados na construção do Projeto Político Pedagógico.

A gestão da conduta envolve o poder, as atitudes docentes e a visão da indisciplina. Segundo Galbraith (1986), há três instrumentos para o exercício do poder: (i) a coação, que gera o poder condigno, no qual a submissão se dá pela imposição de alternativa suficientemente desagradável ou dolorosa à não-capitulação; (ii) a recompensa, que gera o poder compensatório, no qual a oferta de uma compensação pecuniária ou social leva à aceitação da submissão; (iii) a persuasão, que gera um poder condicionado, no qual a submissão é conseguida pelo convencimento do que é apropriado.

Com relação às atitudes docentes, os estudos sobre gestão da sala de aula (Ott, 1983) revelam que os professores chegam a desperdiçar mais de 50% do tempo útil da aula com aquilo que chamam de “estratégias de sobrevivência”, que vão desde se atrasar para sair da sala dos professores e ir bem devagar para a sala de aula, a fazer a chamada bem lentamente, terminar a aula um pouco antes e fazer de tudo para gastar o tempo e evitar o conflito. Além disso, nas estratégias de sobrevivência também são computados o tempo que é gasto chamando à atenção do aluno, “dando sermão” para a turma, fazendo atividades em grupo só para poder respirar um pouco etc. Portanto vale a pena investir em mais tempo e atenção desde o começo do ano letivo.

O espaço de sala de aula é um lugar privilegiado para constituição do aluno enquanto ser autônomo, pensante e consciente de seu papel perante si e a sociedade. É nesse espaço que o aluno deverá construir o sentido da disciplina, ou seja, o porquê de as regras ou normas para a vida em comunidade serem necessárias, utilizadas e respeitadas.

Muitas vezes, como estratégia perante os atos indisciplinares, o poder e instrumentos coercitivos (provas, pontos negativos, ameaças etc.) são utilizados nas instituições escolares. Além de desgastar tanto os professores quanto os alunos que não participam da indisciplina, isso não faz o aluno apreender o porquê das regras e/ou normas de conduta e não resolve o problema da indisciplina escolar. Com o passar do tempo, o poder e as ameaças passam de medida coercitiva a medida paliativa. Sendo assim, a indisciplina precisa ser entendida em sua dimensão socio-histórica e seus significados e sentidos devem embasar as ações de administração dos atos tidos como indisciplinares no contexto da sala de aula.

Do ponto de vista da organização e da gestão do trabalho escolar, para construirmos uma gestão verdadeiramente democrática é necessário que nós não só nos envolvamos na discussão, no diálogo, na tomada de decisões e nas ações coletivas, mas que também visemos aos interesses coletivos. Para criar oportunidades para a transmissão e apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos, nessa concepção de organização do trabalho pedagógico, é necessário que os profissionais da educação tenham clareza das finalidades da educação e dos objetivos que devem nortear esse trabalho. Só assim a escola exercerá a sua real função na sociedade (Saviani, 2008).

Para Saviani (2008, p. 98), “é preciso, pois, resgatar a importância da escola e reorganizar o trabalho educativo, levando em conta o problema do saber sistematizado, a partir do qual se define a especificidade da educação escolar”. No entanto, a reorganização escolar, que deveria assegurar aos alunos o acesso ao conhecimento científico e à cultura socialmente produzida, depende da atuação de todos os setores da escola, orientados e incentivados pelo diretor, como gestor democrático.

Quanto à sala de aula, o professor gestor tem que ser um profissional comprometido com o que foi estabelecido pelo coletivo da escola e, ao mesmo tempo, ser capaz de construir o espaço adequado para a aprendizagem dos conteúdos.

Segundo Libâneo (1993), o ensino pode ser definido como uma atividade conjunta de professores e alunos e que, sob a direção dos professores, tem a finalidade de promover condições e meios para que os alunos possam assimilar conhecimentos, habilidades, atitudes e convicções. Isso implica que, como trabalho pedagógico, o ato educativo não pode ser neutro, pois, se assim o for, torna-se uma prática sem compromisso com a promoção do educando, ou seja, reduz-se à mera transmissão de conteúdos de ensino. Assim, o trabalho pedagógico na sala de aula deve ser articulado com o projeto pedagógico da escola e com um projeto social mais amplo, isto é, sem perder de vista o tipo de sociedade que se quer construir.

No cotidiano da relação de ensino e aprendizagem, cabe ao professor promover, por meio do exercício da democracia, a efetivação de uma prática dialógica, baseada em valores universais e de cidadania. Podemos dizer que a ação educativa se orienta pela intenção de garantir a construção de conhecimentos amplos e diversificados, podendo ser entendida como gestão.

Como já afirmamos, o ato de ensinar é também uma ação administrativa e, portanto, requer do professor uma tomada de decisão, tanto na realização do planejado quanto na organização do espaço e na condução do processo de ensino. Isso requer que, ao planejar a aula, o professor selecione e organize, de forma intencional e sistemática, os procedimentos que irá utilizar.

Para que os conteúdos sejam assimilados pelos alunos, a disciplina é fator primordial. Dessa forma, o professor precisa orientar a conduta que os alunos devem adotar para desenvolver as atividades de ensino-aprendizagem, de forma a garantir a apropriação do saber sistematizado.

Segundo Machado, a investigação tradicional sobre o ensino não se preocupava tanto com a gestão e a organização da sala de aula. No entanto, “atualmente, debruça-se não só sobre o modo como a ordem é estabelecida e mantida, como também sobre os processos que contribuem para o seu estabelecimento, tais como a planificação e organização das aulas, o uso e distribuição de recursos, o estabelecimento e explicitação das regras, a reação ao comportamento individual e de grupo, o enquadramento em que esta é atingida” (Machado, 2000, p. 1). Essa preocupação decorre do fato de que é na sala de aula que se desenvolve a maior parte do processo ensino-aprendizagem, processo que apresenta duas tarefas estruturais: aprendizagem e ordem. “A aprendizagem, de natureza individual, concretiza-se através da instrução, tendo por referência um currículo que os alunos devem dominar, persistindo nos seus esforços para aprender” (Machado, 2000, p. 1).

De acordo com Doyle (apud Machado, 2000, p. 1-2), “a ordem realiza-se pela função de gestão, isto é, pela organização de grupos na sala, estabelecimento de regras e procedimentos, reagindo ao mau comportamento, monitorando e ritmando os acontecimentos da sala de aula”. Assim, na prática, essas duas tarefas estruturais do ensino não se separam, o que significa que “uma boa gestão e organização da sala de aula é uma condição para que a aprendizagem possa ocorrer, dado que o envolvimento dos alunos no trabalho está relacionado com a forma como os professores gerem as estruturas da sala de aula, mais do que com a forma como lidam com comportamentos individuais” (Doyle apud Machado, 2000, p. 1-2).

Outro aspecto a ser ressaltado é que a aprendizagem da vivência democrática se inicia na escola, mais especificamente na sala de aula, pois é no trabalho cotidiano com os alunos que os princípios democráticos se instauram e se reafirmam.

Entendemos que estabelecer uma melhor comunicação com os alunos e as suas famílias viabilizará a definição dos objetivos da instituição escolar, já que são eles que orientarão o trabalho de todos os componentes da escola na sala de aula, local onde se concretizam os objetivos propostos no Projeto Político Pedagógico. Como a escola é o ambiente que vai formar o educando para as atitudes necessárias para a sua participação na sociedade, a realização dos objetivos estabelecidos no PPP requer o envolvimento de todos, especialmente dos alunos. Desse modo, consideramos que o grêmio estudantil, quando bem orientado, pode favorecer a organização dos alunos, construindo novas relações e promovendo conscientização, fatores que contribuem para o bom andamento das atividades na escola e na sala de aula.

Além disso, devem ser promovidas reuniões periódicas com o Conselho Escolar, para a verificação das necessidades da escola e análise do cumprimento do cronograma estabelecido, tendo em vista a consecução dos objetivos propostos pelo coletivo da escola no Projeto Político Pedagógico. A prática democrática, no entanto, abarca aspectos muito diferentes e a sua realização não depende apenas da escola e dos educadores. Embora os professores precisem construir o espaço necessário para desenvolver seu trabalho, não compete somente a eles forjar essas condições. Portanto, não podemos simplesmente culpar o professor, que já tem sido penalizado pela situação em que se encontra a educação.

Para serem transformadoras, as práticas docentes, precisam do respaldo de políticas educacionais comprometidas com a sociedade, da qual professores e alunos fazem parte. A concretização de uma escola pública democrática, como fator indispensável para a realização de ensino de qualidade, exige boas condições de trabalho para os professores e a valorização do professor, que compreende salários adequados, menor número de alunos em sala de aula, remuneração das horas dedicadas ao acompanhamento e à recuperação dos alunos em defasagem de conteúdo, maior apoio da direção, acompanhamento do trabalho pela equipe pedagógica e maior integração família e escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do esforço para que a escola se preserve como instituição importante para a sociedade, consideramos que os resultados verificados correspondem às condições que foram oferecidas para os professores. Assim, compartilhamos o mesmo ponto de vista de Pimenta (2007, p. 38-44), que diz que o trabalho docente é uma práxis na qual a unidade da teoria se caracteriza por ação-reflexão-ação. Esse pensar reflete o ser humano, enquanto ser histórico, ou seja, o pensar do professor é condicionado pelas possibilidades e pelas limitações pessoais, profissionais e do contexto em que atua.

Os limites e as dificuldades das mudanças educativas dependem de múltiplos fatores que atuam de forma sistemática. No entanto, para finalizar, vale lembrarmos que “reconhecer o caráter sistemático não significa que seja necessário ou possível modificar tudo ao mesmo tempo. Significa, antes, que, em determinado momento, é preciso responsabilizar-nos pelas consequências da modificação de um elemento específico sobre os restantes fatores”

(Tedesco, 2000, p. 171).

Finalizamos afirmando que a gestão da sala de aula está diretamente relacionada com os combinados nos encontros de formação e deve refletir o Projeto Político Pedagógico, que há uma consonância evidenciada na atuação do professor por meio das competências que constrói na sua trajetória, que pode ser potencializada pelo modo como é realizada a gestão, a qual promove o aprendizado.

Referências

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